O tabu da morte

Este texto é um recorte do meu trabalho de conclusão de curso, onde trago o tema morte buscando a desconstrução do tabu que existe acerca deste tema.

4 MAR 2024 · Leitura: min.
O tabu da morte

Por Carol Freitas

Como primeiro tema a ser debatido, gostaria de trazer trechos do meu artigo, de uma pesquisa bibliográfica, publicado pela Revista Health and Society, que aborda o tema do suicídio e o sentido da vida.

O tema da morte é um tabu até os dias atuais. A morte permeia por aspectos socioculturais, além de questões religiosas e éticas. É um fato irrefutável, pois todos os seres vivos morrem, por fazer parte do ciclo da vida. Com isso, a vida e a morte são duas faces inseparáveis da existência humana, mediadas pelas situações de finitudes (SCHRAMM, 2002).Os estudos de Ariès (2003) acerca da história da morte segundo a cultura ocidental, apontam que até o século XVIII a morte não era percebida com temor, pois ela era exaltada e dramatizada. No fim do século XVIII, a morte passa a ser considerada uma ruptura no cotidiano das famílias, começando a ser percebidacomo algo temido. Só a partir do século XIX que a morte passa a ser vista como uma ameaça, devido as grandes transformações sociais e culturais. Há na sociedade do século XXI a percepção da morte como tabu, já que a finitude da vida nos comprova o quanto somos impotentes e frágeis, mesmo com o advento da tecnologia e as descobertas na área da Medicina (KOVACS, 2003).Segundo Schramm (2002, p.18), existem dificuldades em encarar a morte por não a experienciamos diretamente, uma vez que é quase impossível pensar na própria morte, pois

a morte enquanto tal é praticamente impensável e quando, por alguma razão de força maior, ela se impõe à consciência e à elaboração, isso só se dá com muito sofrimento, em situações de vulnerabilidade e através das experiência sofridas do desamparo, que de fato são experiências dos seres humanos vivos que vivenciam a precariedade da condição humana mas não a morte. Esta impossibilidade provavelmente explica o porquê as sociedades contemporâneas têm cada vez mais dificuldades em pensar a questão da morte e do morrer em seus aspectos de processo e em suas múltiplas significações, e isso apesar da sociedade contemporânea ter-se tornado uma sociedade do risco, na qual se multiplicam as ocasiões de experienciar a vulnerabilidade e enfrentar a morte em situações violentas de vários tipos.

Segundo Kübler-Ross (1985, p.14), os povos percebem a morte como sendo uma ação má, um acontecimento medonho. Esta repulsa à morte sempre esteve presente na cultura de povos antigos, devido à não aceitação do inconsciente da própria morte, por ser "inconcebível imaginar um fim real para nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora de nosso alcance". Assim, o sujeito reconhece a morte do outro, mas não concebe sua própria finitude.Os sentimentos pela perda de um ente querido geram um certo desconforto e por isto o indivíduo vivencia o luto de forma tão dolorosa. Sentimentos como aflição, vergonha e culpa não se distanciam da raiva e da fúria. Experienciar tais sentimentos é motivo de vergonha, uma vez que o ser humano não admite a ideia de sentir raiva em relação ao falecido. Em consequência disto, tende-se a disfarçar ou reprimir estes sentimentos, que se manifestam, inconscientemente, em um período de pesar ou se revelam de maneiras mais agressivas (KÜBLER-ROSS, 2008).Segundo Rocha, Fonseca e Sales (2019, p.41), tendo como base um documentário produzido pelo Laboratório de estudos sobre a morte, da Universidade de São Paulo – USP, chamado Falando de Morte (1997), as fases de desenvolvimento humano pode ser um fator para o distanciamento acerca do tema morte, em que

a criança não fala de morte porque este é um tema abstrato para ela. No entanto, caberia o adulto que convive com ela informar sobre o assunto. Em contrapartida o adulto não fala de morte com criança,essencialmente porque isto não lhe foi estimulado e depois pelo receio que possa despertar medo e aterrorizá-la. Quando alguém próximo morre, oculta a informação dos pequenos e até mesmo os privam dos rituais fúnebres de despedida, por acreditar erroneamente que esta é uma forma de protegê-los do sofrimento. Quando na verdade, a criança percebe todo o movimento que ocorre ao seu redor. Já os jovens adolescentes também não conversam sobre a morte. Porém, paradoxalmente vivem esta fase sem receios, com onipotência, pois prevalece a representação arquetípica do herói e desta forma a morteé desafiada institivamente a quase todo momento. Na fase adulta, nem pensar em falar! Os adultos se encontram atarefados demais, envolvidos com suas atividades cotidianas como prover o lar, estudos,busca pelo reconhecimento profissional e cuidados com os filhos. Com tantas atribuições e responsabilidades, não há tempo para pensar na morte. Na velhice, também não se fala para não constranger quem está ao lado. Desta maneira a cultura de não falar de morte vai sendo fomentada e se perpetuando de geração para geração.

A resistência em se dialogar sobre este assunto se fortaleceu a partir da morte interdita, em que a pessoa não era mais velada em sua casa próximo aos que amava, mas tudo passa a ser institucionalizado, atribuindo um aspecto solitário ao momento da morte. Este distanciamento pode levar a um luto mal elaborado (KÜBLER-ROSS, 1985).Com a incorporação tecnológica à medicina, algumas doenças terminais conseguiram ser estabilizadas e pacientes mantidos artificialmente prolongando, assim, seu tempo de vida. Entretanto, este ato da medicina coloca em questão a consciência da legitimidade moral da cultura a respeito da autonomia dopaciente e também a questão da relativização da "tarefa médica de fazer todo o possível, mesmo contra os desejos do paciente, para impedir ou postergar a morte" (SCHRAMM, 2002, p.19).Segundo Kovács (2003), há na maioria dos hospitais uma posição paternalista, baseada no princípio da beneficência de se fazer o bem e evitar o sofrimento adicional e, com isso, a equipe age de forma unilateral acreditando saber o que é o melhor, ignorando o desejo real do paciente que está acometidopela doença.Kübler-Ross (1985), discursa sobre a negação da equipe médica diante da possibilidade de não poder prolongar uma vida. Por muitas vezes, a necessidade de salvar a vida incondicionalmente, sem levar em consideração o desejo do paciente, é resultado da repulsa inconsciente, enquanto ser humano, da incapacidade, da fragilidade e da falta de onipotência e da mortalidade diante da finitude da vida.

Referências:

ARIÈS, P. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

KOVACS, M. J. Bioética nas questões da vida e da morte. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, p.115-167, 2003.

KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Rio de Janeiro: Ed. WMF Martins Fontes, 1985.

KLUBER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. 9. ed. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2008.

ROCHA, A. P. C.; FONSECA, L. C.; SALES, R. L. Dialogando sobre a morte como forma de prevenção do luto mal elaborado. Revista Psicologia e Saberes, São Paulo, v.8, n.12, 2019. 

SCHRAMM, F. R. Morte e Finitude em nossa sociedade: implicações no ensino dos cuidados paliativos. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, p. 17-20, 2002.

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Carol Freitas

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