Sobre se permitir viver o Luto

Depois de anos de pandemia, com muitas perdas, será que estamos permitindo a elaboração dos nossos lutos? Se sim, como passar pelo processo de enlutameto da maneira mais saudável?

21 OUT 2022 · Leitura: min.
Sobre se permitir viver o Luto

Em um primeiro momento as palavras parecem faltar. Elas parecem insuficientes para dar conta dessa experiência humana tão dolorsa...

Hoje eu escrevo sobre o luto da morte física. Pois a palavra luto pode ser entendida e vivida nas mais diversas situações. Um exemplo diferente de luto, pelo menos do que costumamos imaginar, é o luto de quando temos que deixar algo que fomos ou achávamos que éramos pra trás.

Mas visto os acontecimentos desses últimos anos, com o crescente número de falecimentos devido a pandemia, acho que seria mais adequado eu focar no enlutamento pela morte física em si. Falar de nossas perdas e nossas dores nos ajuda a elaborar elas. Esquecer é pouco provável, mas verbalizar mais sobre o assunto pode ajudar a acomodar no psiquismo a dor e o vazio que causa em nós.

Existe um movimento muito carinhoso por parte de amigos e familiares em apoiar a pessoa que está sofrendo de um processo de enlutamento querendo por ela pra cima, dizer para tentar esquecer, encarar a vida com alegria novamente. Porém, embora bem intencionada, tal atitude só causa mais angustia em quem está passando por uma perda. Acho que quem está nesse momento passando por isso sabe do que eu estou dizendo. É um momento de muita dor, de uma solidão e de um esvaziamento interno que é quase insuportável.

Mas como a gente passa por um processo de perda?

A gente vive ele. Não é a toa que existe um arranjo social que passa gerações afora. As pessoas fazem velório, rezam missas, a gente chora, vemos fotos, contamos histórias, negamos as vezes que tudo aconteceu, nem que seja por segundos… Tem gente que amaldiçoa Deus e o mundo e uns se isolam. As reações podem ser algumas dessas ou todas.

E a realidade é que a vida segue, por mais dor que estivermos sentindo, e não atende a pedidos para pausar o tempo para nos recuperamos.

E a existência é isso, um exercício constante de lidar com imprevistos, frustrações e perdas. E é claro também com coisas boas. A vida é um infinito de possibilidades. E sendo assim, nos apresenta situações que julgamos boas e outras nem tanto.

Para lidar com firmeza as intempéries da vida sem deixar de ser flexível, mas também poder ser flexível sem se romper ao meio, um processo de análise pode ajudar nessa construção de um eu nosso mais integrado, forte e resiliente às batalhas que enfrentamos.

Um acompanhamento terapêutico de uma pessoa que recém perdeu alguém, consiste em oferecer uma escuta acolhedora. Quando a gente sente essa dor, a gente precisa falar dela. Em terapia, aos poucos o paciente vai se rearranjando em sua própria existência após suas perdas, reconstruindo pontes, planejando novos sonhos, conhecendo novas pessoas, estabelecendo novas conexões tanto de emoções quanto de vivências.

A gente é forcado pelo movimento da vida a seguir do jeito que a gente estiver. E para isso, estar fazendo um acompanhamento psicoterápico com um profissional que te ajude a reestabelecer um contato com o teu mundo, é essencial. O luto precisa ser avaliado se está ocorrendo de maneira saudável ou patológica. Embora o luto seja uma vivência normal das pessoas frente a uma perda, existem prolongamentos do luto que podem ser considerados patológicos. O que também reforça a importância de um acompanhamento mais próximo para esses detalhes que apenas um profissional psi consegue avaliar.

Referências:

Freud, S. (1917). Luto e Melancolia. São Paulo: CosacNaify.

Freud, S. (1914-1916). Reflexões para os tempos de guerra e morte. (História do Movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos, Vol. XIV). Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.

Ireland, V. (2011). A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico. Estudos de Psicanálise, 151-166.

Menezes, L. (2007). A linguagem e o trabalho do luto na rememoração. Ide, 8-12.

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Escrito por

Eduardo Marchioro

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