Como contar para uma criança que alguém morreu

Embora seja um momento de tristeza, não se deve esconder a morte da criança para poupá-la da dor. É importante dizer a verdade e dar o apoio necessário para que ela processe a informação

1 MAR 2018 · Leitura: min.
Como contar para uma criança que alguém morreu

A morte sempre é um fato inesperado, que nos faz lembrar da nossa impotência. Ela acaba despertando grandes dificuldades. Quando alguém morre, é um momento de sofrimento para familiares e amigos, e sempre costuma aparecer aquela mesma dúvida: como comunicar a morte para uma criança?

O primeiro impulso é tratar de ocultar a realidade. A intenção pode até ser boa, buscando amparar e poupar a criança, ao minimizar o contato da mesma com esse universo de tristeza. Mas afinal, segundo a psicologia, há pontos importantes que devem ser considerados quando o luto ocorre na infância. Veja a seguir algumas reflexões da psicóloga Maitê Hammoud para ajudar a criança a lidar com o luto.

1) Não prive a criança de ser consciente

A maioria dos adultos tende a acreditar que pelo fato de as crianças serem novas, e terem uma longa vida pela frente, se esquecerão desse tipo de lembrança ou deixarão de sentir a ausência da pessoa com facilidade. Isso não é verdade.

Mesmo que com um repertório de memórias inferior à de um adulto, a criança compartilha do luto assim como os adultos, sentindo tristeza, angústia e saudade. O que a diferencia dos adultos é o fato de ela não possuir tantos recursos e habilidades emocionais para nomear novas emoções, como aquelas que são mobilizadas pela perda de alguém, principalmente ao se tratar de sua primeira experiência.

2) Recorra a material lúdico

Materiais lúdicos são de grande ajuda para aprendizagem das crianças sobre diversos assuntos, e quando se torna necessário abordar a morte ou o luto, não poderia ser diferente. Livros educativos e filmes com essa temática são verdadeiros aliados para que a criança insira o significado da questão dentro de seu repertório de compreensão.

3) Tenha paciência com as perguntas

Faz parte do desenvolvimento infantil a repetição de perguntas e, em casos assim, paciência é fundamental. O fato de repetir a pergunta não tem relação com a criança não ter entendido a resposta, mas sim com o fato de revisitar e reinterpretar memórias a partir de novos pontos de vistas, conforme seu amadurecimento.

Esta é a forma que a criança encontra para aprofundar o conhecimento sobre o mundo e sobre si mesma, tornando dúvidas não apenas frequentes, como recorrentes. Quando questões sobre a morte de alguém ressurgirem, é importante que, antes de responder, você se questione sobre o que a levou a realizar tal pergunta. É desta forma que você poderá responder partindo do ponto em que o pensamento da criança se encontra.

4) Previna fantasias

De todas as possíveis mentiras que você pode contar a uma criança, escolher a verdade é consenso para os profissionais da área. As crianças possuem um grande potencial criativo, estando propensas a cultivar fantasias que, em casos como o de luto, acabam mobilizando o sentimento de culpa.

Por exemplo, ao sentir ciúmes da possibilidade de ganhar um irmão e o bebê não retornar da maternidade por ter falecido, a criança pode fantasiar que a morte do irmão foi efeito de seu ciúmes. Ou então, ao dizer para uma criança que um familiar foi viajar e esse nunca retornar, pode contribuir para fantasias de abandono.

Outra questão que vale enfatizar sobre mentiras é que, uma vez descoberta, fere o vínculo de confiança naquele adulto, privando-a de uma rede de apoio para dividir dúvidas e angústias.

5) É importante educar

De maneira geral, independente de crenças ou religiões, a morte faz parte do ciclo da vida e, por questões culturais, não é um tema abordado com frequência entre crianças. Falar sobre isso em casa e, até mesmo nas escolas, é saudável, já que ajuda a preparar a criança emocionalmente para lidar com momentos tão difíceis.

Além do material lúdico, o convívio com animais de estimação ou cultivo de plantas insere, de maneira sutil, a temática da morte dentro da realidade da criança, mostrando-a como uma etapa do ciclo da vida de qualquer ser vivo.

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6) Cuidar das emoções

Se torna mais fácil para a criança nomear suas emoções se você compartilha esses sentimentos. Ao sentir-se enlutada e receber dos adultos próximos a manifestação de emoções contrárias ao que está sentindo, ela termina por imaginar que não está conseguindo lidar com o fato da maneira correta.

É importante lembrar que o luto diante da perda de alguém é compartilhado por todos os envolvidos e, falar das emoções que ele desperta, favorece a compreensão por parte das crianças, além de fortalecer o vínculo familiar no momento de perda.

7) Respeite o seu tempo

Dentro dos recursos que a criança possui na etapa de desenvolvimento em que vive, é importante ressaltar que ela não verá mais aquela pessoa, para que comece a adquirir noção de tempo. Além disso, é crucial evitar metáforas, por serem de difícil compreensão.

Por exemplo, ao dizer que reencontrará um familiar apenas quando ela morrer, o desejo de sua morte pode ser despertado em um momento intenso de saudades. Se for o caso, revelar que esperamos que apenas pessoas bem velhinhas morram, mas que isso pode acontecer com pessoas mais jovens, e até mesmo crianças, em casos de doenças incuráveis. É importante reforçar que se restringem a casos de doenças muito graves, para que não suponha que qualquer doença poderá leva-la à morte.

8) Facilite o acesso a velórios

É possível crianças irem a velórios. O velório é uma cerimônia que possibilita a despedida e homenagem, e se despedir ou homenagear pode ser um desejo da criança. O indicado é não determinar sua presença ou ausência, mas possibilitar que ela mesma escolha a partir de sua orientação sobre como será a cerimônia, que tipo de comportamento ela deverá ter, quanto tempo costuma durar, se ela poderá receber atenção no local ou não, etc.

No caso dela optar por ir, todas essas informações e orientações prévias vão ajudá-la a lidar com essa nova experiência.

Fotos: MundoPsicologos

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Escrito por

Maitê Hammoud

Psicóloga clínica com curso de aperfeiçoamento em psicanálise, é especialista no atendimento de adolescentes, adultos e terceira idade. Seguindo a abordagem psicanalítica e da terapia breve, atua com foco em transtornos emocionais e comportamentais, relacionamentos interpessoais e questões familiares.

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