Angústia no tratamento: é normal?

Se sentir aflito com os silêncios, com as conclusões que chegamos, ou até do que ainda não temos resposta, é normal?

31 OUT 2022 · Leitura: min.
Angústia no tratamento: é normal?

A angústia pode ser o maior "motor" dentro de uma terapia. Isso porque é um afeto que embora incomode, mobiliza, movimenta. E não é o que desejamos quando procuramos ajuda? Sermos mobilizados? Sairmos do lugar que estávamos e experimentarmos novos que possam ser menos sofridos? Embora os movimentos da angústia possam ser por vezes desordenados e confusos pra quem os tem, se bem trabalhados podem ser a força motriz de um tratamento. "Águas calmas não fazem bons marinheiros" já dizia o ditado. Não que a angustia indiscriminada seja desejável, não me entendam mal, mas um pouco dela é necessária para que o processo ocorra.

Viver a angústia dentro do tratamento psicoterápico é mais comum do que se possa imaginar. Há quem pense que em terapia é é chegar, sentar na poltrona, falar e "se aliviar". Bom, não que isso não possa acontecer volta e meia. Um papo catártico, quase de descarrego também pode fazer parte da caminhada. Mas nem sempre funciona assim. No percurso da terapia psicanalítica onde as respostas não são mediadas por fórmulas prontas, cada sujeito é convidado a assumir a sua responsabilidade nessa trajetória. E como para cada história, para cada caminho vai existir um sentido diferente, um entendimento que é especial para aquela pessoa. Então sim, é muito comum viver a angústia durante o tratamento. Angústia essa que dá as caras quando não sabemos o que pensar e como pensar... Quando as perguntas, ou silêncios do outro lado parecem não surtir efeito, parece que nos sentimos encurralados em uma rua sem saída. Mas já pensou se essa sensação possa ser parte importantíssima do processo de mudança?

O ser humano tem essa mentalidade em tentar evitar dores e sofrimentos. Fugimos pra bem longe pra evitar de nos debatermos. Mas quem sabe seja só com esse desgaste que chegaremos no nosso denominador comum? Pode nos desestabilizar da zona de conforto, tirar nossa paz momentânea e superficial, mas se for esse o preço a pagar por se conhecer melhor e não embarcar mais em ciclos repetitivos, compreender ansiedades e angustias, então acredito que vivenciar uma inquietude durante o processo terapêutico, para muita gente ainda valha a pena.

A nossa angústia pode falar muito mais de nós do que as nossas palavras. Como ela se manifesta, como nos faz agir e pensar... Ou não agir e não pensar também … O fato é que "a angústia não engana" como disse Lacan, e não engana mesmo porque ela fala muito da gente. E talvez seja essa a aposta num processo de psicoterapia. Viver ela. Atravessar as margens desse rio com a turbulência e movimento que ela causa nas nossas águas e ver de que maneira ela nos move. Pra onde a gente se leva com ela, em como a gente pode se transformar durante esse trajeto - como é esse desafio que a gente precisa passar? Estar sem acompanhamento psicoterápico e viver essa angústia é estar desamparado, a deriva (usando ainda de uma metáfora marítima). Em tratamento, já é outra coisa… Vir pra terapia, mesmo ruim, atrapalhado ou triste e falar… Falar o que vem, faz parte do processo esperado de uma terapia e auxilia a pensar, agir, verbalizar...Ajudar a por em palavra o que muitas vezes nem representação verbal ainda tem. Por isso é um caminho, onde tudo tem um tempo diferente do que estamos acostumados. No tempo do inconsciente aprendemos a ouvir nossos sinais, decodificar nossas falas, atitudes, tudo com o auxilio do analista. Mas acima de tudo vejo como um ato de fé, não a religiosa, mas fé em um processo, de confiar no teu percurso no teu trajeto de reflexão sobre si, de querer se descobrir e curar tuas feridas dentro de uma análise. Mas pra começar a gente precisa ter vontade de olhar pra elas.

Referências:

FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia (1926). In: ______. "Inibição, sintoma e angústia", "O futuro de uma ilusão" e outros textos (1926-1929). Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 13-123. (Obras completas, 17).LACAN, J. O seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. (Campo Freudiano no Brasil).MACHADO, Z. Da angústia ao desejo do analista. Reverso. Belo Horizonte, ano 30, n. 56, p. 35-40, out. 2008. Publicação semestral do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. MILLER, J.-A. Introdução à leitura do Seminário da Angústia de Jacques Lacan. Opção Lacaniana, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, São Paulo: Eolia, n. 43. p. 7-81, 2005.

VASCONCELOS, Ana Carolina Peck; PENA, Breno Ferreira. Angústia: o afeto que não engana. Reverso, Belo Horizonte , v. 41, n. 78, p. 27-33, dez. 2019 . 

PUBLICIDADE

Escrito por

Eduardo Marchioro

Ver perfil
Deixe seu comentário

PUBLICIDADE

últimos artigos sobre atualidades sobre psicologia

PUBLICIDADE