Homem não chora. Será?

Quando se nega ao homem o direito de chorar, negamos a eles a conexão com seus próprios sentimentos, e, consequentemente, sua conexão com os sentimentos dos outros.

27 FEV 2019 · Leitura: min.
Homem não chora. Será?

Homem não chora.

Homem tem que fazer o que deve ser feito.

Isso não é coisa de homem.

Seja homem!

Quem não bate, leva.

Melhor bater do que apanhar.

Estes são alguns poucos exemplos de frases utilizadas na educação de meninos, e que os perseguem por toda a vida, mas afinal, o que significa ser homem? O que estas mensagens transmitem? Não me lembro de um único caso em que este assunto não tenha vindo à pauta, durante o atendimento de clientes do sexo masculino, de todas as idades, e de diferentes orientações sexuais. A cobrança de que permaneçam nesta postura os persegue durante toda a vida.

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O choro, manifestação legitima e primeira de tristeza, de desconforto, deveria ser suprimido, engolido, ou na melhor das hipóteses, transformado em ação, e por ação entenda-se a agressão. Já ouviram a frase “melhor reagir do que ficar chorando pelos cantos”? Pois é, meninos, adolescentes e homens feitos ouviram isto tantas vezes, que a voz muitas vezes se internalizou.

O choro ficou ligado à fraqueza, como se se sentir triste, doente, cansado, frustrado, fossem sentimentos inadmissíveis para os homens. Retira-se assim, a humanidade do ser, transformando-os em “maquinas”de desempenho, de guerra, de dominação. Mas a serviço do que, e de quem?

A importância do choro

O choro é a primeira expressão de sentimentos de que somos capazes. Choramos ao nascer, choramos de fome, de frio, de sede. Choramos para pedir colo, carinho, atenção, enfim, choramos para sermos atendidos em nossas necessidades, para sermos vistos e reconhecidos. A fragilidade nos torna humanos, nos aproxima, mas também nos deixa suscetíveis ao outro, ao seu olhar, seu reconhecimento, seu afeto e cuidado.

Quando se nega ao homem o direito de chorar, lhes negamos a conexão com seus próprios sentimentos, e, consequentemente, sua conexão com os sentimentos dos outros. Ou pelo menos sua manifestação formal. Além disso, o choro, ou a legitima tristeza que o choro manifesta fica reprimida e tende a se tornar uma defesa psíquica, como a negação, a sublimação, ou a reação defensiva.

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O fato é que uma tristeza não vivida legitimamente, vai ter que ser vivida de alguma forma, seja na depressão, seja na agressividade inconsciente. Muitas vezes o que temos apresentado como sintoma nos homens e uma depressão subliminar, ou seja, que não se manifesta como as depressões a que estamos habituados a encontrar, mas uma depressão escondida por sintomas de ansiedade, inadequação, e uma grande raiva contida, que tende a se manifestar de maneira explosiva, inconsciente, deixando a todos em volta perplexos pela irracionalidade dos fatores desencadeantes. 

Outra maneira de esconder uma depressão é negando problemas e conflitos, fingindo que está tudo bem e sob controle, até que sejamos surpreendidos por um suicídio súbido, que havia sido camuflado pela máscara da felicidade e bem-estar, tão comum no suicídio de homens. 

Aos meninos se cobra, desde o inicio, o desempenho, o sucesso, o ganho na competição, seja esta qual for. Ao menino é ensinada a individualidade, mas a individualidade competitiva, em que o grupo tem o significado de time, onde competimos todos contra algum outro, ou contra nosso próprio eu perdedor.

Regulando as próprias emoções

Tristeza não reconhecida e elaborada pode se tornar nociva, autodestrutiva, ou mesmo  depressão, ansiedade, ou numa raiva não sei de que ou de quem, num anseio, numa falta, um sentimento de incompletude. Sim, a depressão traz uma grande carga de agressividade reprimida. Porém, quando esta agressividade não é reprimida, pode estar desregulada, por seja, exercida de maneira descontrolada, já que o indivíduo não aprendeu a “regular”as próprias emoções. Por regular as próprias emoções quero dizer: entrar em contato com a emoção, avaliar se ela esta de acordo com a situação presente, em caso afirmativo, questionar-se qual a melhor maneira de expressar esta emoção para que sejamos compreendidos. Em caso negativo, quando a emoção não esta de acordo, ou na proporção razoável ao fator desencadeante, devemos avaliar se a situação atual pode nos ter feito reviver alguma situação ou emoção passada, que foi “reativada”pela situação atual. Neste caso, estaríamos reagindo não a situação atual, mas sim a uma reativação de um trauma ou emoção passada.

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Regular as emoções implica em nos distanciarmos com senso critico da situação desencadeante, porem sem desrespeitar a validade da emoção ou sentimento.

Não reconhecer a legitimidade da tristeza e do choro implica em não reconhecer a essência do ser, e quase o obriga a se identificar com elas, tornado-o prisioneiro dessa angustia, cuja tristeza não vivida legitimamente e transformada pelos mecanismos de defesa.

A mesma sociedade que educa mulheres submissas e passivas, educa homens dominadores e agressivos. Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, também devemos ser mais justos e igualitários na educação dos meninos.

 Hoje temos meninos educados em uma sociedade misógina, onde as mulheres, inúmeras vezes, são as perpetradoras da misoginia, educando seus filhos a serem frios, competitivos, “superiores”, isolando-os desta forma, da capacidade de relações amorosas verdadeiras. Muitos preconceitos misóginos são aprendidos em casa, pelas relações abusivas e desrespeitosas entre mulheres de uma mesma família.

Desrespeito se aprende em casa

Mulheres se queixam da falta de sentimentos dos homens, mas o que vejo todos os dias são homens cheios de sentimentos, muitas vezes cheios de amor, sem ter a mínima ideia de como demonstrar esse amor. Como ensinar aos meninos a respeitar as mulheres, seus sentimentos e necessidades, se não respeitarmos seus próprios sentimentos, ao mesmo tempo em que não demonstramos respeito as mulheres que nos cercam no dia a dia 

O amor fragiliza as pessoas, nos deixa vulneráveis, mas como ”abaixar a guarda”numa relação afetiva, se o que se aprendeu durante toda a vida é que as emoções devem ser reprimidas?

Durante muitos séculos a responsabilidade pelos relacionamentos conjugais ficou a cargo das mulheres, como se fosse possível atribuir a responsabilidade de um relacionamento a uma única pessoa, já que para qualquer relacionamento são necessárias pelo menos duas pessoas, a conta não fecha.

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Ao homem se ensinou que o sucesso esta no distanciamento afetivo. Às mulheres se ensinou que elas são pura emoção, e de que precisam se conformar com a “frieza”masculina se quiserem manter o relacionamento, que “homem é assim mesmo” ou que “mulher é assim mesmo”.

Enquanto nos conformarmos com esta construção social de que homens e mulheres têm emoções diferentes, não sairemos do lugar. Demonstrar emoções de forma diferente não implica em tê-las mais ou em tê-las menos, apenas que são demonstradas de forma diferente.

Tristeza não precisa se transformar em raiva para ser legitimada. Não é preciso  engolir o choro e partir pra porrada, não é preciso se defender dos próprios sentimentos, estes não existem para demonstrar força ou fragilidade, são apenas expressão da condição humana, ou mesmo instintiva, já que animais também expressam emoções e sentimentos de forma clara e espontânea.

Resumindo:

  • Homem chora.
  • Homem não precisa fazer o que tem que ser feito se isto não for da sua vontade, e muito menos se ferir seus sentimentos ou dignidade.
  • Não existe isso de “coisa de homem”, ou “coisa de mulher”, especialmente quando se refere a sentimentos. Sentimentos são universais.
  • Nem sempre é preciso reagir, muitas vezes a melhor ação é a não ação.
  • Quem não bate, não é agressivo.

É preciso mudar paradigmas, acabar com preconceitos, e dar mais espaço para a autenticidade de cada ser se tornar quem de fato é. O ser humano é muito mais complexo do que estes rótulos minúsculos que tentamos lhe atribuir.

Artigo escrito pela psicóloga Solange Bertolotto Schneider, inscrita no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo  

Fotos: MundoPsicologos.com

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Escrito por

Solange Bertolotto Schneider

Psicóloga clínica, com mais de 36 anos de experiência, supervisora clínica e coordenadora de grupos de estudos e de sonhos. Analista junguiana pelo Carl Gustav Jung Instituto Zurich, membro da International Association of Analytical Psychology. Autora do livro “A Verdade no Processo Analítico e em Nossa Vida Diária”, a ser lançado brevemente pela Editora Initia Via.

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Comentários 2
  • Mara Alcântara

    Adorei o texto, sempre achei muito estranho o meu marido não ter a capacidade de derramar uma lágrima mesmo diante das situações mais terríveis, como a morte de um ente querido. E também o fato de dizer e parecer estar sempre de boa mesmo que esteja tudo tão ruim.

  • Marcus Lima

    Parabéns pela visão e texto. Isso deveria ser publicado num outdoor em várias partes do mundo. Homens choram, homens sentem.....

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