Terapia de aceitação e compromisso ou ACT - panorama geral sobre este modelo psicoterapêutico.

O presente artigo apresenta de forma didática as principais bases e perspectivas da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), um dos principais modelos psicoterapêuticos do mundo na atualidade com ampla evidência científica.

27 OUT 2022 · Leitura: min.
Terapia de aceitação e compromisso ou ACT -  panorama geral sobre este modelo psicoterapêutico.
  1. Introdução

A ACT (Acceptance and Commitment Therapy) ou Terapia de Aceitação e Compromisso atualmente é um dos principais modelos psicoterapêuticos do mundo, com ampla fundamentação científica, teórica e filosófica. A ACT consiste em uma terapia baseada em processos com foco na singularidade do sujeito, cujo principal objetivo é mobilizar a flexibilidade psicológica de modo a promover uma vida significativa. Assim, pode-se afirmar que é um modelo de saúde mental amplo, que ultrapassa os limites da prática clínica e influencia na promoção de saúde em amplo espectro.

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é uma terapia contextual baseada nas ciências comportamentais contextuais, as quais possuem como fundamento filosófico o contextualismo funcional. Esta abordagem filosófica consiste em uma perspectiva mais refinada em relação ao behaviorismo radical, com algumas noções bem distintas de outras abordagens baseadas nesta última. A ACT também é considerada por alguns como uma abordagem cognitivo-comportamental da 3ª geração ou da 3ª onda das terapias cognitivo-comportamentais (TCC); contudo, possui bases e orientações bem distintas da TCC clássica. Ademais, a ACT possui como principal fundamento teórico a Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory ou RFT), de modo que suas principais intervenções se direcionam para a recontextualização verbal das narrativas trazidas pelo sujeito.

2. O foco da Terapia de aceitação e compromisso e as evidências científicas

Em linhas gerais, na perspectiva da ACT o foco não está nos sintomas e síndromes, mas nos processos que controlam essa apresentação pelo sujeito (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021). Assim, o principal objetivo da ACT é auxiliar o sujeito a ampliar a sua flexibilidade psicológica, ou seja, auxiliá-lo no desenvolvimento de recursos e habilidades que possibilitem uma adaptação mais saudável aos acontecimentos externos, bem como uma relação mais saudável com a sua própria subjetividade. De acordo com o entendimento da ACT, a inflexibilidade psicológica (ou baixa flexibilidade) associa-se aos processos psicopatológicos e adoecimentos; assim, a teoria apresenta um modelo de flexibilidade psicológica construído de acordo com os processos humanos básicos, considerando 6 (seis) dimensões psicológicas: afeto, cognição, atenção, self, motivação, e comportamento (ação externa) (Hayes, Strosahl & Wilson, 2021). A flexibilidade psicológica consiste em um processo psicológico de mudança clínica relacionado tanto à transtornos psiquiátricos, como à promoção de qualidade de vida, gerenciamento do stress, melhor autorregulação emocional, relacionamentos afetivos e interpessoais em geral, entre outros.

Portanto, para a ACT não basta reduzir um transtorno ou um sintoma, mas sim auxiliar o sujeito a adquirir maior flexibilidade psicológica para construir uma vida com mais sentido, significado - uma vida que o paciente considere como valorosa. Nessa dimensão dos valores, é importante ressaltar que estes não se confundem com regras morais; em verdade, valores são "qualidades do comportar-se", pessoais e estáveis (embora não imutáveis), e podem ser compreendidos como "aquilo" que movimenta o sujeito em direção a uma vida que ele considera signitiva, sendo mais abrangente do que um objetivo ou uma meta concreta (Ferreira et al., 2020). Nesse sentido, a terapia orientada pela ACT enfatiza a clarificação dos valores do paciente a partir de uma perspectiva "não-julgadora".

Como uma abordagem contextual, é possível afirmar que a ACT foca na raiz dos problemas. Isso porque enquanto outras abordagens consideram a "mente" como o problema (no sentido aqui exposto, compreende-se "mente" como um ente abstrato, a qual não se confunde com o cérebro), a ACT olha para tudo o que influencia no funcionamento da mente - ou seja, o contexto, no qual se incluem o ambiente, a cultura, os aspectos sociais, a história de vida de cada sujeito, entre outras questões. De acordo com o entendimento da ACT, "os problemas" relacionados à mente são resultados da interação desta com o contexto, de modo que não adianta tratar um sintoma (um quadro de depressão, ansiedade, um transtorno alimentar ou qualquer outro quadro psíquico) sem considerar o contexto no qual ele se desenvolveu. Uma vez que a ACT está embasada em estudos envolvendo linguagem e cognição (principalmente na teoria das molduras relacionais), já existem diversas pesquisas que se propõe a compreender fenômenos sociais complexos como o racismo, machismo, homofobia, entre outros.

Dito isto, é importante ressaltar que a ACT possui ampla evidência científica, comprovada através de pesquisas translacionais, pesquisas de resultado, pesquisas de processo, além de se fundamentar em uma teoria consistente e inteligível. Quanto às pesquisas de resultado, embora não sejam a única fonte de evidências científicas, vale ressaltar que até o dia 20 de setembro de 2022, o contextualscience.org já listava 949 ensaios clínicos randomizados comprovando a eficácia da ACT.

3. Conclusão

Diante do exposto, torna-se possível compreender os motivos pelos quais a ACT tem se tornada a cada dia um dos principais modelos psicoterapêuticos do mundo, e como ela pode ser utilizada nas mais diversas questões que chegam à clínica psicológica assim como em diversos outros contextos envolvendo pessoas e suas relações consigo mesmo e com o mundo. A estrutura da ACT possibilita o diálogo com diversas outras abordagens, em especial as abordagens humanistas focadas na pessoa e nas suas relações com o mundo, bem como considera todas as dimensões que constituem a vida de cada um dos sujeitos em suas particularidades - as dimensões biológicas, psíquicas, sociais, e também as dimensões ambientais-ecológicas e espirituais, caso estas façam parte do conjunto de valores do paciente. Pode-se afirmar que, nesse ponto, reside uma das contribuições mais importantes da Terapia de aceitação e compromisso: o foco em cuidar da pessoa, do sujeito que procura os cuidados do psicólogo, sem enquadramentos fechados em quaisquer padrões, rótulos ou diagnósticos sindrômicos.

REFERÊNCIAS

Ferreira T.A., Simões A.S., Ferreira,A.R., & Santos, B.O.S. (2020). What are values in clinical behavior analysis? Perspectives on Behavior Science (2020) 43:177–188.

Hayes, S., Strosahl, K. & Wilson, K. (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. – 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2021.

Hayes, S. (2022). ACT Randomized Controlled Trials (1986 to present). 

Oshiro, C., Ferreira, T. (2021). Terapias contextuais comportamentais: análise funcional e prática clínica. 1 ed. São Paulo: Manole, 2021.

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Escrito por

Marcela Barbosa de Menezes

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