Por que nos revoltamos tanto com as obstáculos que a vida nos lança?

Como nos tornarmos mais coerentes com nós mesmos mesmo em meio a dificuldades e quando não vemos muito sentido nas coisas?

21 OUT 2022 · Leitura: min.
Por que nos revoltamos tanto com as obstáculos que a vida nos lança?

A morte, a doença, as limitações, as barbáries e catástrofes que acontecem na nossa vida nos dilaceram, nos revoltam, entristecem. Por quê? Nesse texto proponho que mergulhemos um pouco além do óbvio.

Esses tempos vi uma charge dos quadrinhos do personagem Hagar, de Dik Browne. Para quem não conhece ou não recorda, Hagar é um viking, que leva uma vida frustrada e está constantemente guerreando e reclamando. Embora detentor de um alívio cômico por trás de seus conflitos, as tirinhas do personagem nos propiciam algumas vezes reflexões bem importantes de temas da nossa vida. Nessa charge que vi esses dias, Hagar estava no topo de uma montanha ao personagem no alto da sua perplexidade grita pros céus: "por que eu?" Ao que a divindade, Deus, responde: "por que não?". Que bom que temos o humor para rir e trazer um tom jocoso a um drama tão humano, tão nosso… Desse ser humano que Freud já nos fala lá desde os primeiros estudos sobre o narcisismo que quando criança passamos por uma fase egocêntrica, natural para a constituição do nosso eu (também conhecido como "sua Majestade, o bebê"). Tá, mas onde tu quer chegar com isso, Eduardo? Quero chegar no ponto que ainda temos em nós um pouco dessa "sua majestade o bebê", lá da introdução ao narcisismo de 1914 de Freud… O bebê que pode tudo, que é especial, que é o centro do universo. E o quanto a gente não traz enquanto adultos essa soberba pra nossa vida? Mas daí a realidade é que a existência nos traça uma cruel régua, que nos nivela como iguais. Desmanchando quaisquer fantasias de que somos melhores que alguém nesse mundo. Todos sujeitos às mesmas intempéries. Nos desmancha quaisquer crenças de superioridade. Do que eu tô falando aqui?… Das feridas narcísicas que Freud fala em 1917. Que são, primeiro: Quando descobrimos que não somos o centro do universo com Copérnico, segundo: Quando Darwin nos mostrou que somos descendentes de uma evolução de animais, que adoramos chamar de irracionais e em terceiro: A psicanálise, em que Freud nos trouxe o conceito de inconsciente, instância que foge do nosso controle racional e que controla nossas ações.

Mas que ser humano é esse, que não tem controle das coisas? Depois das três feridas narcísicas da humanidade que eu acabei de citar, tem gente que consiga ainda se sentir melhor e mais especial que os outros? Tem. Mas sem dúvidas, não sem angústia e sofrimento… Mas que pelo menos esse sofrimento perante a nossa impotência tenha algo que nos oferecer… Nem que seja um movimento de maior humanidade e empatia com quem tá ao nosso redor. E tá justamente nesse rompimento de que somos grande coisa, e passarmos a enxergar que talvez somos mais um numa multidão de pessoas diversas que ocupam o mesmo espaço nesse planeta conosco… E ao perceber a nossa finitude e a nossa natureza falha que nos tornemos seres humanos mais humanos, no sentido de sermos mais gentis e humildes uns com os outros.

Tem realidades que surgem, que embora duras de enfrentar, são ferramentas de aperfeiçoamento. Quantas vezes conseguimos aprender as coisas através do exemplo? As vezes é possível, mas parece que quando passamos por algo conseguimos de fato internalizar aprendizagens, ensinamentos não só de forma racionalizada, hipotética, mas integrada com o afeto que aquilo nos proporcionou. Toda a experiência emocional das nossas vivências vão construir nossa individualidade e maneira como a gente pensa e sente esse mundo. Por isso a psicanálise é tão necessária. Poder ver o que cada pessoa traz em sua bagagem existencial pode ajudar a entender pra que lado está indo e porque está indo pra aquela direção.

Referências:

FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução, 1914. In: ______. A história do movimento psicanalítico.

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Escrito por

Eduardo Marchioro

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