“É pra ontem!” ou Sobre as demoras do processo de terapia

Quanto tempo dura uma terapia? O processo psicoterapêutico é demorado demais? No mundo do imediatismo, nem sempre estamos dispostos a respeitarmos o "nosso tempo" particular...

1 AGO 2019 · Leitura: min.
“É pra ontem!” ou Sobre as demoras do processo de terapia

Certa vez, o psiquiatra vienense e pai da Psicanálise, Dr. Sigmund Freud*, deixou-nos escrito uma pequena alegoria na tentativa de responder a fatídica pergunta que muitos de seus pacientes faziam logo no início de seus processos de análise: "Quanto tempo durará o tratamento?", ou, quanto tempo seria necessário para que eles fossem aliviados de seus problemas?

O velho Freud, mesmo não gostando muito do próprio exemplo que daria, comparou a situação com a fábula do Filósofo e o Caminhante, onde se diz que um certo andarilho perguntou a um sábio que com ele caminhava quanto tempo ambos ainda teriam até concluírem a sua jornada. O sábio, sabidamente, respondeu a seu seguidor: "Caminha!".

Tal resposta, narrou Freud, se colocava não somente pelo caráter quase irrespondível da questão, mas também pelo fato de que a duração de um tratamento dependia muito da largura dos passos dados pelo paciente, do seu ritmo no decorrer do processo, da sua constância e da determinação de seu caminhar.

Em nossa sociedade, fomos acostumados a buscarmos respostas rápidas para todos os problemas. Considerando a velocidade de produção imposta pelo modelo capitalista, tudo é "para ontem", e passamos a reproduzir esse padrão em nossas vidas, nossas famílias, até mesmo no nosso lazer. Quando se trata de saúde, então, qualquer tipo de dor ou incômodo é encarada visando, se possível, o alívio imediato, afinal de contas, ninguém em sã consciência gosta de sofrer deliberadamente.

Muitas pessoas, por exemplo, não se permitem nem ao menos ficar um pouco tristes, como se a tristeza não fosse um sentimento natural de todo ser humano, e enchem os consultórios médicos em busca das "pílulas da felicidade". Na vida psíquica, no entanto, nem tudo é tão simples assim.

Em determinados casos, dependendo da gravidade, o tratamento psicológico pode requerer o auxílio da psiquiatria e da ação medicamentosa para permitir o controle de certos sintomas mais exacerbados, os quais poderiam interferir na boa evolução do processo terapêutico. O controle dos sintomas, no entanto, não é o objetivo principal da psicoterapia, mas sim a promoção do bem-estar integral do paciente.

Psicologicamente falando, o sintoma, quando se manifesta, é a expressão visível de algo que não está bem a nível psíquico, ou seja, na subjetividade da pessoa. Não é o sintoma a causa do sofrimento, mas sim uma consequência, de cunho muitas vezes neurológico, fisiológico, comportamental ou, até mesmo, inconsciente.

Deste modo, a psicoterapia se volta e se foca não no sintoma em si, mas nos fatores que podem estar causando ou sustentando estes efeitos desagradáveis para o paciente, que trazem a ele mal-estar ou sofrimento. Em outras palavras, pela terapia se objetiva "atacar o mal pela raiz".

Existe uma infinitude desses sintomas desagradáveis, como, por exemplo, os comportamentos desajustados socialmente, as reações nervosas em situações de estresse, as sensações de angústia sem razão aparente, agitações, dores de cabeça crônicas, a falta de prazer nas atividades diárias, confusões de identidade e de autoimagem, distúrbios do sono e alimentares, fobias etc.

Não é raro que tais sintomas se instalem ou se desenvolvam em determinada pessoa a partir a uma série de fatores, experiências e estímulos que estão em processo no decorrer de uma vida inteira, desde sua mais tenra infância, e tenham se estruturado ao longo do tempo na própria personalidade ou "forma de ser" do indivíduo. Por isso, a tão sonhada "cura" ou "melhora" dos sintomas não pode ser algo efetuado instantaneamente, como num estalar de dedos de um passe de mágica, ou apertando-se um botão miraculoso – ou, simplesmente, tomando uma pilulazinha. Há de se buscar a raiz do problema para que a "solução" aplicada seja duradoura, e não meramente superficial e passageira, ou – pior – que gere uma dependência.

Num processo terapêutico sério e bem orientado, o psicólogo irá auxiliar o paciente a descobrir – em sua história de vida passada e presente – os elementos de sustentação e manutenção de seus sintomas e, com técnicas e intervenções adequadas para cada pessoa, acompanhar a caminhada evolutiva do paciente no tratamento, respeitando a liberdade e o tempo de cada um.

Este tempo, obviamente, varia de pessoa para pessoa. Alguns poderão apresentar uma melhora considerável de seu quadro já nas primeiras semanas; outros, talvez, levem meses até conseguirem dar pequenos passos, e até anos até conseguirem prosseguir sua caminhada com autonomia e independência. Em qualquer que seja a situação, no entanto, o psicólogo estará lá como alguém preparado para suportar, junto com seu paciente, todos os percalços, saltos, quedas, tropeços e conquistas no decorrer deste processo. Seja qual for a largura de seus passos.

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Escrito por

Saulo Cruz Rocha

Psicólogo e mestre em psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atua na clínica sob a perspectiva da psicanálise, atendendo adolescentes, jovens, adultos, idosos e casais. Tem experiência no tratamento da depressão, da ansiedade e nos processos de luto e separação. Desenvolve estudos sobre religião e psicologia.

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Bibliografia

  • Este relato pode ser encontrado no texto "Sobre o início do tratamento (novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise I", escrito por Freud em 1913, e disponível em: "Obras Completas de Sigmund Freud Vol. 10 (1911-1913) – Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia ('O caso Schreber')", Companhia das Letras, 2010.
  • (Adaptado do artigo "Psicologia pra quê? Dialogando sobre a importância da Psicologia no mundo atual", de Saulo Cruz Rocha. In: Psicologias em reflexão. Fortaleza: Editora Premius, 2014).

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