Gratidão: como a falta dela pode gerar ansiedade e depressão

Gratidão é a habilidade de reconhecer e agradecer a gentileza do outro, sua ação de ser prestativo. E essa atitude tem tudo a ver com a nossa saúde emocional, sabe por quê?

22 NOV 2016 · Leitura: min.
Gratidão: como a falta dela pode gerar ansiedade e depressão

Convidamos o Psicólogo Ronaldo para dialogar sobre o que é gratidão e como sua falta pode gerar depressão e ansiedade

Thais Almeida - Hoje em dia muito se fala de gratidão, mas o que é de fato esse sentimento?

Psicólogo Ronaldo - Primeiramente obrigado Thaís pela oportunidade de eu apresentar meu ponto de vista para seu público sobre este tema que, quando não provoca acalorada polêmica, no mínimo, gera opiniões controversas. Raramente uma pessoa fará comentário sobre este assunto que não espelhe seus próprios valores. A opinião que trago, portanto, é fruto de minha prática profissional, meu estilo de vida e, sobretudo, o repertório adquirido através de leituras da área de Psicologia.

Você me pergunta o que de fato é esse sentimento de gratidão?

Gratidão é a habilidade de o sujeito reconhecer no outro a capacidade daquele ter sido prestativo.

Tem situação que a pessoa requer do outro que o comportamento prestativo seja repetido uma única vez ou várias para que ela o considere como sujeito prestativo. O que importa é que a atitude seja suficiente para que a pessoa seja grata ao outro pela gentileza feita.

Por exemplo, ao agradecer a você a oportunidade de publicar o que eu escrevi, estou sendo grato. Em qualquer momento a partir de hoje eu vou me lembrarei de você como uma pessoa prestativa, mesmo que tenhamos só este encontro, e alimentar minha gratidão para com sua atitude.

Vamos ver outro exemplo. Pense no filho que é grato à sua mãe por se lembrar do tempo que ela lia histórias para ele ou o ensinava a andar de bicicleta, abdicando de seu lazer para focar na necessidade dele.

Mas se estamos falando em gratidão eu cutucaria com a inquietante pergunta: por que uma pessoa tem dificuldade de desenvolver esse sentimento?

Uma resposta possível é que a pessoa vê a atitude do outro como mera obrigação ou alimentada por interesse egoísta.

Por exemplo, no caso de seu convite. Eu poderia ter a percepção ingrata de que eu estarei beneficiando mais você do que a mim com seu convite.

No caso do filho: ele poderia ter a opinião ingrata de que o empenho da mãe não passou de mera obrigação, que é esperado que a mãe leia para ele ou ensine seu filho a andar de bicicleta.

Permita-me a usar mais uma história para ilustrar o conceito de gratidão.

Imagina que um jovem vá a uma empresa e não tenha toda a experiência requerida. Embora no anúncio de emprego estivesse bem claro como requisito básico ter experiência prévia, seu chefe se sensibiliza com a realidade do jovem de ter criança recém-nascida para sustentar e o admite. Ao longo dos meses vai ensinando ao rapaz o serviço. E logo o jovem se torna um expert.

No caso acima, o jovem pode ter o pensamento de ingratidão ou gratidão. No segundo, o de ingratidão, o jovem pode pensar que o chefe contrataria qualquer um que você com a cara, que não achou outra pessoa que quisesse aquele serviço ou que aceitou ter uma pessoa sem experiência para poder explorar e pagar menos.

Na atitude de gratidão, o jovem pode pensar que o chefe teve empatia, se pôs no seu lugar, viu seu sofrimento de condição de pai desempregado e sem renda. E por causa dessa sensibilidade o chefe lhe deu a vaga no emprego. E mesmo que um dia o jovem encontre outra oportunidade de emprego melhor, procurará se desligar da empresa realçando o quanto valoriza o chefe.

Thaís Almeida – Por que é importante sermos gratos?

Psicólogo Ronaldo – A primeira resposta foi um pouquinho grande e estou cruzando os dedos na esperança de que não tenha incomodado. Minha intenção é reforçar o conceito de saúde emocional que a gratidão traz em si. E para isso é importante que a pessoa foque no pensamento que nutre a gratidão. Para sentir-me grato tenho que ter o pensamento de que a pessoa fez uma gentileza, que foi prestativa.

Do contrário, será mais fácil eu ser adepto da ingratidão, se eu entender que o outro age por interesse egoísta, mesquinho.

Thaís Almeida – Por que é importante ser grato?

Psicólogo Ronaldo – Pense no benefício mental para a pessoa. Se ela desenvolveu a habilidade de ser grata, diminui a possibilidade de mágoa e ressentimento na sua convivência na família, na escola e no trabalho. Como não se sentirá usada, ela estará mais disposta a interagir e a partilhar emoções saudáveis.

Ela passa a desenvolver a empatia. Na medida em que consegue perceber que o outro foi prestativo, consegue se colocar no lugar dele e procura identificar que vantagem ele tem por ser prestativo. Se a pessoa prestativa é mais tranquila, raramente perde a paciência ou explode por motivos que facilmente são manejados por ter maior controle emocional, servirá como estímulo positivo para que outra pessoa aja ao ver o benefício de se tornar prestativa.

Tanto a gratidão como a ingratidão que você experimenta são pensamentos que você reforça através de seu comportamento e de suas emoções na relação com as demais pessoas.

A continha psicológica é simples: se eu reconheço que a pessoa tem benefício mental por ser prestativa, eu também posso passar a ser prestativo na intenção de alcançar este benefício. Quando eu noto que alcanço, aumenta minha autoestima. Autoestima fortalecida é sinal de diminuição de brigas com o vizinho, de desconfiança com o colega de trabalho e de discussão conjugal.

Thaís Almeida – Como podemos nos educar para sermos mais gratos com o próximo?

Psicólogo Ronaldo – O primeiro passo é começar a ser prestativo. Na maioria das vezes, a pessoa não encontra problema.

Mas no caso de para você parecer complicada a tarefa, por sentir que não consegue, que tem algo travando, não tenha vergonha de procurar ajuda através de boas leituras ou de consultar um profissional. Há técnicas psicológicas que ajudará você a se sentir confortável na relação interpessoal.

Thaís Almeida – O que pode ter contribuído para bloquear a pessoa em emitir atitude prestativa?

Psicólogo Ronaldo – A primeira causa pode estar na criação. Talvez a pessoa não tenha sido reforçada a ser prestativa desde criança. Pode ser que os pais tinham muita desconfiança e passaram, por palavras e atitudes, a ideia de que se deve ficar com o pé atrás com o outro. Quem sabe a pessoa testemunhou ações egoístas de um parente ou amigo e resultou o trauma da desconfiança.

É bom destacar que o pensamento ingrato acaba impedindo que a pessoa confie no outro e que cresça, por isso chamo este pensamento de disfuncional, nocivo para a saúde mental.

Por causa desse pensamento disfuncional há uma pressão sufocante que impulsiona a pessoa a querer ser mais esperta, tirar mais vantagens e nunca acreditar no semelhante. Como resultado a pessoa acaba se ilhando, passando a ter medo da própria sombra – nos casos mais graves pode desenvolver síndromes como a de pânico. A pessoa passa a ser reconhecida como o retrato do egoísmo e desconfiança.

O pensamento disfuncional culmina em angústia. Muitas vezes a pessoa até fala para si como é duro não poder confiar em alguém, não sentir o valor de partilhar.

Sendo a angústia um sofrimento, é natural que a pessoa que se livra desse sofrimento tenha aumentada sua qualidade de vida.

E como ser prestativo?

Faça ao outro o que gostaria que fizessem para você. Se você não sabe como, repito, existem várias técnicas para aprender.

Mas atenção. Como toda mudança de comportamento tem um custo psicológico para ser implantada ou para ser mantida, você pode sentir resistências sérias no início.

Quando chegar a situação que você parece que estar sendo falso, calma. Não precisa jogar tudo para o ar. Na medida em que você se acostumar com a nova situação, vai se perguntar como aguentou ser por tanto tempo um ingrato.

Eu ficarei realizado se o leitor entender que não haverá mudança de comportamento se ele não investir na mudança de pensamento.

Outra dica importante é para a pessoa ser prestativa sem esperar reciprocidade da parte do outro. Por quê? Para evitar colocar a sua felicidade na dependência de o outro ser recíproco.

A intenção é que a pessoa tenha prazer logo que for gentil. E se acaso o outro vier a ser recíproco na gentileza será um ganho extra.

A psicologia nos ensina que quanto mais uma pessoa é gentil ela influencia direta ou indiretamente outras pessoas. E quanto mais pessoas gentis existem, maior a chance de diminuir injustiças sociais, crimes, agressões físicas e morais. Obviamente, o contrário é verdadeiro. Mais pessoas sem gentileza, maior a intolerância e agressão.

Thaís Almeida – Ser gentil com as pessoas a nossa volta faz bem para a nossa saúde emocional?

Psicólogo Ronaldo – Sim.

Sua pergunta Thaís resume o que eu venho focando. Quando eu sou gentil invisto na minha saúde emocional. E por quê? Para eu ser gentil, ter gratidão, eu precisei desenvolver a capacidade de sentir a empatia. A empatia diminuía a probabilidade de classificar que tudo que o outro faz ou diz é para me ferir ou magoar. Por consequência, eu sentirei menos mágoa, rancor, inveja, ressentimento, nervosismo, irritabilidade. Esses sentimentos abalam a saúde emocional.

Por exemplo, ansiedade e depressão muitas vezes estão associadas a esses sentimentos negativos, que impedem que a pessoa tenha relação de qualidade no seu convívio familiar ou empresarial.

A pessoa percebe que saiu do quadro de depressão quando começa a se interessar pela realidade do outro, quando passa a se aproximar, a partilhar. E nesse caso, como psicólogo, minha tarefa é desenvolver ou fortalecer a capacidade de dialogar. Sem empatia o diálogo vira monólogo; e, em vez de aproximar, afasta.

Thaís Almeida – Quais atitudes de gentileza podemos ter no nosso dia a dia para tornar o ambiente de trabalho e dentro da família melhor?

Psicólogo Ronaldo – Abra um sorriso toda manhã quando encontrar uma pessoa sempre que possível. Diga bom dia falando o nome da pessoa. É a primeira sugestão.

Mesmo que tenham pessoas que nada respondam ou às vezes parecem ser bravas quando recebem bom dia, na maioria esse simples gesto tem a capacidade de nutrir a autoestima do próprio pessimista ou ranzinza. Ele sentirá que você se importa com ele, que para você ele faz a diferença.

Se estiver em local público, peça licença numa fila. Dê passagem no trânsito. Se na sua cabeça vem o xingamento automático para o erro que o outro cometeu, respire fundo, e pergunte no que pode ser útil para que o erro não se repita.

A pessoa que é chamada de bruta, ingrata, sem noção aprendeu a ser assim. Ela não é má nem demente. Apenas aprendeu a ser assim. Isso quer dizer que ela também tem a capacidade de se tornar gentil, grata, sensata através da aprendizagem de comportamentos que eu chamo assertivos.

Mais exemplos de boas atitudes?

Escute mais. Durante a conversa, pare de se preocupar em passar ou impor sua opinião. Ouça mais o que o outro tem a dizer. E veja no que pode mudar ou reforçar sua própria opinião. Então, outra dica que destaco é de prestar atenção no que a pessoa está falando. Olho no olho. Valorizar o conteúdo.

Aqui está meu calcanhar de Aquiles. Graças à atuação como psicólogo venho melhorando as atitudes com minha família e colegas de trabalho. Porque de tanto ouvir os erros que o paciente comete, eu consigo ver como também sou vulnerável aos mesmos erros, muitas vezes porque na relação na família ou no trabalho acabamos entrando no automático e nos perdendo. Deixamos de sinalizar o quanto gostamos da pessoa ou, ao menos, o quanto a consideramos.

Toda vez que peço para o paciente prestar atenção na fala do seu filho, cônjuge, mãe, colega de trabalho, chefe, acende uma luz na minha cabeça me alertando para seguir as dicas que dou. Então, começo a rever meu próprio comportamento em situações similares e modificá-los se necessário.

E saber que eu procuro seguir o que eu aconselho faz bem para minha saúde emocional.

Outra dica, então, é evitar o faça o que eu digo não faça o que eu faço. Essa atitude empobrece mais a sua vida do que a do outro.

Nem eu nem o paciente nos tornamos perfeitos e imunes aos conflitos da vida. Afinal somos ser humanos. O que aprendemos é administrar a tensão e lidar com a situação de modo a ter atitude positiva diante dos acontecimentos.

Thaís Almeida– Como os pais podem ensinar seus filhos a serem gratos e terem atitudes gentis com o próximo?

Psicólogo Ronaldo – A melhor forma de cultivar a gentileza é ser gentil.

E se a pessoa não desenvolveu esta habilidade não tenha vergonha, como eu disse, em procurar desenvolvê-la. Pense que o que está em jogo é a qualidade de vida sua e de quem está ao seu redor.

Portanto, a primeira atitude dos pais para ensinar os filhos a serem gentis virá através das próprias atitudes gentis.

Se o marido dá atenção ao que a esposa fala – e vice-versa, se a esposa dá atenção ao que o marido fala–, a criança vai perceber esta atenção e tenderá reproduzir o mesmo comportamento nas suas relações com os irmãos e coleguinhas.

A falta de paciência com a fala do outro, aprendida em casa impede que a criança desenvolva a empatia e por sua vez tenderá a ser indiferente ao que os pais falam.

Assim, se a criança observa bons exemplos em casa, o ganho será evidente. Até a crítica fase da adolescência será menos tensa na família na qual o jovem é estimulado pela empatia, gentileza e diálogo.

O ser humano tem capacidade de superar falhas herdadas na fase infantil ou da juventude para se adaptar de modo mais assertivo nas relações adultas. Essa superação no meu ponto de vista se dá através da aprendizagem de comportamentos mais saudáveis.

Gostaria de finalizar fazendo referência ao exemplo da pessoa que chega ao consultório com quadro de depressão. Ao desenvolver a habilidade de reconhecer a gentileza e presteza no outro, passará a ter satisfação na relação interpessoal, a qual aumentará sua autoestima. A boa autoestima diminui os efeitos nocivos da depressão. Esse princípio se aplica não somente à depressão, mas a variados casos que vão de problemas de adaptação no emprego a como lidar com conflitos conjugais.

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Escrito por

Psicólogo Ronaldo Silva

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