A psicologia masculina e a inibição na expressão de afetos

Este artigo versa sobre o arquétipo de saturno constelado nos sintomas que envolvem o processo depressivo na psique masculina e os aspectos simbólicos inconscientes presentes nesta dinâmica.

1 JUL 2021 · Leitura: min.
A psicologia masculina e a inibição na expressão de afetos

A psicologia masculina em grande parte se enraíza no mito de Saturno, ou Urano que era um titã da mitologia grega que devorava os filhos que nasciam de Gaia. Urano odiava os potenciais personificados pelos próprios filhos, até que Gaia fabricou uma foice e induziu o filho Cronos a atacar o pai. Atacando o pai no ato sexual seu falo é decepado caindo no mar e gerando das espumas Afrodite.

Vemos aqui uma força primordial autocontida devorando a si mesma em um ciclo eterno de indiferenciação. Este se tornou um mito agrário por representar a fertilização da terra a partir desta autodiferenciação primordial. Como um casal primordial Urano permanece com os filhos em estado indiferenciado, ele impede o nascimento gerando um estado melancólico de ausência de movimento e progressão libidinal. Por esse motivo é associado a depressão e melancolia. Saturno na alquimia representa o processo de putrefação que reduz a solução a "cinzas mais negras que o negro". Se associa ao chumbo o metal mais pesado e denso.

Esta autoconstrição sendo um movimento de interiorização em si mesmo acontece através da depressão nos homens dominados pela sombra de Saturno. Isso pode ser evidenciado no sentimento de precisar "colocar algo pra fora", mas não conseguir. Uma inibição em expressar e dar existência aos afetos que nos vinculam. Se não há afeto, não há vinculação. A partir disso o homem não deixa de viver seus sentimentos mas os projeta em outra coisa como o trabalho, assim como coloca Hollis (1997) que a primeira mensagem saturnina que recebe do pai é que ser homem significava se sacrificar pelo trabalho. Isso se dá porque não manifestando afetos o homem dominado por Saturno, só consegue manifestar afeto dando coisas.

A. Vitale (1979) nos conduz através dos meandros da depressão saturnina que gera certa inatividade melancólica, pois se associa a uma hiperatividade interior, bloqueada em suas possibilidades de manifestação. E continua quando aponta que o devoramento do pai significa um bloqueio no processo de transformação ou solidificação do ego. Sendo um conservadorismo que impede o nascimento do novo.

O puer (criança) enquanto espontaneidade é oprimido por uma hiperlucidez paranóica. Deste modo podemos dizer que tornar-se homem pressupõe essa passagem da expreiência do nascimento ritual, onde as mulheres atravessaram ao queimar seus sutiãs, muitos homens terão de encontrar uma forma de liberação emocional e uma maneira de compartilhar sua dor com os outros (HOLLIS, 1997).

O maior empecilho terapêutico na relação com um homem é o medo da autoexposição as próprias vulnerabilidades. Em uma psicologia saturnina expressão de afeto significa nascimento de deuses, esvaziamento e ferida. Assim o homem que teme expressar seus afetos se defende tentando mostrar-se superior e acaba diminuindo aos outros. Isso se dá principalmente porque "nascer" psicologicamente significa gerar o novo, mas fazer-se vulnerável através da figura da criança.

Esta associação histórica entre afeto e vulnerabilidade é o preço que o homem paga por sustentar o patriarcado regressivo. Assim para que esta "conspiração com o silêncio" tenha fim é preciso que o homem confronte o patriarcado dissociando expressão afetiva de vulnerabilidade, ou compreendendo que estar vulnerável a própria alma é uma forma de progressão da imagem, onde Gaia-Cronos, enquanto parte de Saturno simbolizam um auto desdobramento e diferenciação em muitas possibilidades de Ser. Cronos, filho de Saturno que tem o mesmo destino do pai, no mito vai viver eternamente na terra dos bem aventurados, enquanto Zeus cria e dissemina constantemente o novo. É nessa dialética que os valores são conservados, só fecundando o mundo que o novo (Zeus) pode conservar os valores eternos (Crônicos). Ao final, nós enquanto homens, se não "...contarmos para nós próprios a verdade da nossa alma" (HOLLIS, 1997), estaremos cada vez mais apartados de vivermos nossa verdade.

Renato Bandola

Psicólogo - CRP 04/30.762

REFERÊNCIAS

HOLLIS, J. Sob a Sombra de Saturno: a ferida e a cura dos homens. São Paulo. Paulus. 1997.

VITALE, A. Pais e Mães - Seis estudos sobre o fundamento arquetípico da psicologia da família. São Paulo. Símbolo. 1979.

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