Sobre o processo de individuação: tornar-se quem se é

A individuação é um processo experimentado ao longo da vida para tornar-se o ser que se é, incluindo todas os seus lados.

28 SET 2020 · Leitura: min.
Sobre o processo de individuação: tornar-se quem se é

O ser humano tem na sua essência a possibilidade de alcançar a plenitude daquilo que pode vir a ser, tal como a semente de um fruto, que já contém em si a árvore que um dia será. Não precisamos lembrar à semente da manga que ela já tem o próprio potencial da manga e da árvore frondosa que se tornará, já que, esta semente, simplesmente, se desenvolverá e tornar-se-á uma manga com as suas características específicas.

O aspecto vital da diferença entre a semente da manga que na sua potencialidade se fará manga e nós, seres humanos, que, também, potencialmente, podemos realizar aquilo que já nos constitui é a consciência. O homem tem a capacidade de tomar consciência do seu processo de desenvolvimento e, portanto, fazer as suas escolhas pela direção na qual essa jornada será conduzida. Conforme lembra Clarke (apud Dalvio Magaldi, 2010): "...o caminho da auto-realização exige a colaboração ativa do ego consciente, então é uma questão de opção moral e vontade. A individuação não é algo que aconteça automaticamente à pessoa, mas deve ser buscada e conquistada com esforço, como um ato de grande coragem praticado na vida", assim o estado de consciência de cada ser é determinante para a devida compreensão da psique. Portanto, o homem, sustentado pela sua consciência, é o próprio timoneiro da grande experiência da viagem pela vida.

A consciência não cria a si mesma – ela jorra de profundezas desconhecidas. Desperta gradualmente na infância, e durante toda a vida nasce todas as manhãs das profundezas do sono, saída de uma condição inconsciente. É como uma criança que nasce diariamente do útero primordial do inconsciente... Ela não apenas é influenciada pelo inconsciente como também emerge continuamente dele sob a forma de inúmeras ideias espontâneas e lampejos repentinos de pensamento. (JUNG, OC XI, § 935)

Essa perspectiva abordada por Jung é muito interessante na medida em que ele pressupõe o desenvolvimento psicológico como um processo que ocorre durante toda a vida, ou seja, como uma "opção ao alcance de pessoas de qualquer idade, incluindo a meia-idade e a velhice", conforme Stein (2006, p.155), entendendo a expressão e manifestação da personalidade como uma jornada que se desenrola pela vida inteira, pois o si-mesmo, vem a emergir pouco a pouco. E a esse processo que se dá ao longo da vida, Jung chama de individuação, como o processo de desenvolvimento psicológico.

Portanto, individuar é um longo e profundo processo onde se dá o interjogo do confronto entre inconsciente e consciente, e como observador astuto e perspicaz, podemos olhar para si mesmo e acompanhar, vivenciando, o desenrolar dessa grande trama vivida, onde cada fio tecido pode representar um conteúdo, um lampejo de luz que saiu da sombra do inconsciente para ir ampliando e expandindo a consciência, até poder vê a si próprio como se é. Assim, a grande questão que podemos colocar para atribuir maior sentido a vida e a existência seria poder realizar a unidade psicológica, integrando aspectos conscientes e inconscientes da personalidade.

Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por individualidade entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Podemos pois traduzir individuação como tornar-se si mesmo ou o realizar-se do si mesmo. (JUNG, 2008, p.60)

Olhar para si mesmo e enxergar o que está além da máscara da persona é um ato de coragem, pois nos deparamos com o nosso lado escuro, feio, sombrio, onde estão todas as coisas que nos desagradam e que rejeitamos e, portanto, escondemos de nós. Assim, uma outra etapa importante na trilha da individuação é poder confrontar-se com sua sombra. Um primeiro ponto a destacar é que a sombra não é diretamente experimentada pelo ego e sendo inconsciente, é, então, projetada nos outros, em quem veríamos as características negadas em nós, representadas pelo nosso lado esquecido, reprimido ou desvalorizado. Assim, a sombra também representa o arquétipo do bode expiatório, do outro, sobre o qual é lançada toda a culpa, toda a maldade do indivíduo que ele não reconhece como sua.

Parece uma grande contradição pensarmos que o self está atrás da sombra, como se esta fosse o grande protetor do portal que dá acesso ao self, sendo esse o caminho para a totalidade, ou seja, é preciso descer até a escuridão para no fundo encontrar a luz e só chega em um se dá as mãos ao outro. Nesse sentido o objetivo da individuação não é tornar-se perfeito, mas tornar-se completo aceitando que a luz e a escuridão existem e estão presentes, assim como, recebemos juntos com o dom da vida o mal e o bem. E a única forma de conter o mal é tornar-se cônscio de sua existência; ter a clareza interna para enxergar as predisposições para o mal é a única maneira de conseguir resistir a essas forças destrutivas.

Então o convite é conhecer luz e sombra e o processo de psicoterapia é um convite a essa jornada!

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Escrito por

Ana Cristina Botelho - Psicóloga

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