Quando a esperança é incompatível com a felicidade e autonomia, o que nos resta fazer?

Somos felizes quando não esperamos por nada. Temos felicidade no ato, puro e simples, em que não nos falta algo. Mas o que é a esperança?

1 MAI 2017 · Leitura: min.
Quando a esperança é incompatível com a felicidade e autonomia, o que nos resta fazer?
"O que é a esperança? É um desejo que se refere ao que não temos (uma falta), que ignoramos se foi ou será satisfeito, enfim cuja satisfação não depende de nós: esperar é desejar sem gozar, sem saber, sem poder".

Começo esse texto com um trecho de um livro de André Comte-Sponville que considero muito interessante (e recomendo). O título, "A felicidade, desesperadamente", pode soar um pouco como auto-ajuda, mas esta obra desse filósofo é muito mais profunda que tal categoria. Outra coisa que não se vê muito por aí também é um posicionamento não favorável à esperança, essa crença emocional tão defendida por mensagens motivacionais e religiosas.

A ideia do livro, e que abordarei aqui, é uma ode ao "desespero". Não no sentido corriqueiro, incapacitante, frustrante, mas como "desesperança", como "não esperar". Afinal, somos felizes quando não esperamos por nada. É quando temos felicidade no ato, puro e simples, em que não nos falta algo. É uma experiência no presente, sem espera, uma "felicidade desesperada".

Mas o que é a esperança? Com certeza ela é um desejo. Afinal, não esperamos aquilo que não desejamos. Entretanto, nem todo desejo é espera. Comte-Sponville nos diz que "esperar é desejar sem gozar, sem saber, sem poder". Mas o que quer dizer isso?

Esperar é desejar sem gozar

Gozar é ter, aproveitar, desfrutar, se deleitar com algo bom e prazeroso. Para gozar, precisamos ter acessivelmente nosso objeto de prazer (que vai muito além do sentido sexual). Se não temos acesso a ele, não temos como usufruir. Se não há nada que mude isso, só nos resta esperar. E mais, em nossa sociedade somos mais influenciados a desejar o que não está disponível do que o que temos. Afinal, sempre estamos estabelecendo metas, comprar isso, trabalhar naquilo, emagrecer, viajar. Infelizmente nosso sistema funciona assim, temos os olhos sempre no horizonte, e esquecemos do entorno.

E nisso, deixamos de gozar com o que temos, e ficamos esperando o que há de vir. E nem falo sobre cruzar os braços, pois mesmo quando estamos nos empenhando, caímos em discursos como "quando eu fizer...", "quando eu tiver...", "quando eu for...", "...serei feliz". E nesse caminho, deixamos de aproveitar o que nos cerca, seja uma companhia, uma comida, um livro, uma música, uma experiência presente. Aqui há um grande risco: colocamos a felicidade como algo inalcançável.

Esperar sem gozar é desejar algo que não é, ou não está aqui. Por isso geralmente esperança está associada à ideia de futuro (embora não se limite a ele).

Esperar é desejar sem saber

Geralmente esperar está relacionado a um evento futuro, mas há situações em que esperamos algo do presente, ou, inclusive, do passado. Hoje, devido ao desenvolvimento tecnológico e à comunicação em tempo real as cartas estão bastante raras. Mas peguemos o exemplo de um e-mail que você recebe de um amigo muito querido com o qual não tem contato há muito tempo. Dentre as coisas corriqueiras ele comenta que está muito doente, e que vai passar por uma cirurgia nos próximos dias. Você estava viajando, e só leu a mensagem três dias depois. Nesse momento, você espera que ele (no presente) esteja bem. Por não saber do desfecho da cirurgia, só lhe resta, nesse momento, esperar. Ou então, para mudar isso você escreve de volta, ou telefona, para ter notícias. Sem resposta, você contata pessoas próximas dele, e descobre que a cirurgia correu mal. Nesse momento, você espera que ele não tenha sofrido (no passado), e que talvez tenha sido melhor assim.

O exemplo foi um pouco dramático, mas serve para mostrar duas coisas: podemos esperar algo referente ao presente ou passado quando não sabemos de algo, e, já que não sabemos, nos resta esperar. Ao receber o e-mail você não sabe o estado do amigo, ao descobrir sobre sua morte, você não sabe se ele sofreu ou não. Quando sabemos, já não se trata mais de esperança, não há o que esperar. A esperança ocorre quando não sabemos se nosso desejo foi ou será satisfeito.

Esperar é desejar sem poder

Nem sempre quando nosso desejo se refere ao futuro trata-se de esperança. Quando sabemos que podemos fazer algo, trata-se de vontade, não de esperança. É uma linha tênue, mas há diferença. Eu quero viajar no próximo fim de semana. Isso depende de mim. É palpável. Basta eu seguir os passos e estarei em meu destino. Lógico, algo pode acontecer. Um acidente, imprevisto, alguma necessidade de última hora podem me impedir de chegar lá. Mas, se não há algum motivo de força maior que vá contra, a ação depende de mim. Se eu a realizo, satisfaço meu desejo e não fico na esperança. Não esperamos aquilo que somos capazes de fazer. Posso me levantar e beber um copo d'água. Não há esperança nisso. Mas se eu estivesse perdido num deserto, a coisa seria diferente. O que diferencia esperança e vontade é que a primeira não depende de nós. "Esperar é desejar sem poder".

O que então nos resta fazer?

Não se trata de eliminar a esperança (se é que isso seria possível). É importante termos a consciência de que não temos tudo, nem somos oniscientes nem onipotentes. Há coisas que não temos, não sabemos e não podemos. Seria ingênuo pensar o contrário. O caso é que a felicidade é "desesperada". Quanto mais esperançosos somos, mais infelizes nos tornamos. Ou menos felizes na proporção em que esperamos pela felicidade.

Talvez o segredo esteja em desejar aquilo que temos, conhecemos e podemos. E isso não necessariamente nos leva à resignação. É prestar atenção, por exemplo, em nosso comportamento consumista, de ficar desejando nossa próxima aquisição. Ou de nos empenharmos em uma conquista para depois não valorizarmos o relacionamento. Ou deixar de viver a vida agora para vivermos num futuro quando tudo der certo e você for feliz.

Não há problema em desejarmos o que nos falta, a questão é não deixarmos de desejar o que temos. É não cair na sinuca platônica de somente valorizar a comida quando se tem fome, mas apreciar com apetite enquanto comemos. É não ignorar as etapas necessárias para uma realização e só se alegrar no fim do processo. Há uma grande sabedoria em apreciar nossas experiências. E para isso precisamos estar presentes, desapegados do futuro e do passado. Sendo felizes no ato, sem delegar a outras circunstâncias.

Nesse sentido, o prazer, o conhecimento e a ação nos ajudam a superar as limitações da esperança. Aprendendo a usufruir de nosso contexto, a conhecer sobre ele, e a refletir sobre como nossas ações o influenciam podemos ampliar nossa autonomia e diminuir nossas frustrações.

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Escrito por

Edvaldo Colen

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