Qual a importância do letramento racial para o atendimento clínico de um psi?

Olá, tudo bem? Hoje eu gostaria de conversar com vocês sobre a importância do letramento racial de um psicólogo em sua área de atuação.

16 JUN 2023 · Leitura: min.
Qual a importância do letramento racial para o atendimento clínico de um psi?

Como mulher negra e psicóloga, defendo a conscientização de profissionais negros e brancos para a oferta de uma clínica antirracista. É essencial que estejamos conscientes e engajados nessa questão, para que a nossa escuta seja atenta e sensibilizada para o sofrimento psíquico causado pelo racismo. Embora o conselho de psicologia alerte para uma ética profissional que seja antirracista, pode acontecer de o profissional não entender uma demanda racial, pelo fato de aquilo não fazer parte da sua realidade, o que vai impactar no seu manejo e condução do caso clínico.

É muito comum, infelizmente, pacientes negros chegarem à clínica com a queixa de não se sentirem compreendidos quando falam sobre o sofrimento causado pelo racismo vivido no dia-a-dia em seus espaços de trabalho, família, escola, etc.

Uma escuta clínica racializada, permite, portanto, que estejamos aptos para o reconhecimento dos atravessamentos históricos e sociais, para a construção e elaboração psíquica de cada indivíduo. Sabemos que historicamente a população negra sofreu diversos tipos de discriminações e violências, mas precisamos pensar em como isso reverbera e acontece nos dias atuais através do racismo estrutural. Afinal, isso causa impactos diretos na saúde mental da população negra, resultando em altos índices de estresse, ansiedade, depressão, baixa estima, e causando uma experiência emocional negativa do negro que está inserido em um ambiente discriminador. Oferecendo uma escuta atenta às nuances e impactos raciais, ofertamos um espaço acolhedor, de conscientização, de meio para letramento racial, e de não julgamento. Alguns autores contemporâneos têm contribuído para está temática e para a capacitação profissional acerca do tema, alguns inclusive nacionais, que dedicaram tempo de estudo para esmiuçar com dedicação toda a construção das questões raciais no Brasil, considerando as suas particularidades.

A saber, indico: Neusa Santos, Frantz Fanon, Cida Bento, Grada Kilomba, bell hooks, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Isildinha Nogueira, alguns entre esses, realizam suas escritas fazendo uma interlocução direta entre as questões raciais e a psicologia/psicanálise.

Não podemos nos esquecer de que opera no Brasil do mito da democracia racial, tal qual tem um movimento na direção da negação da existência do racismo. O que possibilita para que diversos comportamentos, crenças, estereótipos, ideias e acordos, sejam mantidos compactuando para a perpetuação do racismo de uma maneira velada.

Encerro este texto defendendo e indicando bons motivos para o letramento racial de um profissional da área da saúde, em especial da saúde mental:

1- para reconhecimento de que a causa do sofrimento é racial

2 - Para contribuir para a conscientização racial do paciente - pode acontecer de o paciente ainda não ter nomeado as causas de um sofrimento, como racial, e o profissional pode realizar um manejo na direção deste entendimento.

3 - Para uma escuta sem julgamentos, com o entendimento de que aquela vivência é real, e não "mania de perseguição" do paciente.

4 - Para manejo e condução clínica, considerando os espaços que este paciente está inserido, a exemplo, um sujeito negro que está inserido em espaços majoritariamente branco, o profissional pode escutar e incentivar o paciente a pensar como é esta situação para ele.

5 - Para o entendimento de que a subjetividade de uma pessoa negra, se constrói a partir de experiências raciais diferentes das do branco.

E por último mas não menos importante:

6 - Para contribuir, e caminhar ao lado do paciente para a construção de uma identidade negra positiva.

Encerro a minha escrita por aqui, com o reconhecimento da relevância de falar sobre este assunto, e com a expectativa de ter ajudado de alguma maneira.

Até breve.

Referências:

  1. SOUZA, Neusa Santos. 2021. Tornar-se negro ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar. 171p.
  2. FANON, Frantz. Pele Negra Máscaras Brancas. Tradução de Renato da Silveira. – Salvador: EDUFBA, 2008.
  3. Nogueira, Isildinha Baptista. 2021. A Cor do Inconsciente: Significações do Corpo Negro / Isildinha Baptista Nogueira - 1ed. - São Paulo : Perspectiva, 2021.192p.
  4. Bento, Cida. O pacto da branquitude / Cida Bento - 1ªed. - São Paulo : Companhia das Letras, 2022.
  5. KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Cotidiano Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  6. Lugar de negro. Gonzalez, Lélia; Hasenbalg, Carlos (1983). Lugar de negro. Rio de Janeiro, Marco Zero (Coleção 2 Pontos, vol. 3).
  7. Carneiro, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil / Sueli Carneiro - São Paulo: Selo negro, 2011.

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Escrito por

Fernanda Moreira

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