Eu não suporto mais ser quem eu sou.
Estou há quase uma década em uma encruzilhada. Independente do caminho em que percorra, eu retorno para a estaca inicial, ainda mais indeciso, confuso, triste e perdido. O que tem me deixado cansado é informação demais, ter que pensar demais. Eu penso e penso, com um olhar vazio e sem vida, em direções aleatórias. É o que me relatam quando me vêem e fora. Desde o dia em que eu comecei a criar um vício pelo desejo em querer ser uma mulher, a minha vida não foi mais a mesma. Eu navegava pela internet fingindo ser uma garota e isso só crescia, pois eu me sentia bem. Acreditava e defendia estudos de gênero, dizia a mim mesma que era uma mulher por dentro. Mas não podia expressar a minha identidade, externalizar quem eu verdadeiramente sou, porque eu temo não a sociedade, mas o meu pai. Se eu tivesse a aprovação dele, já me bastava, porque eu sei que ele me protegeria.
Mas… e se eu não for trans?
Isso surgiu por volta dos 15/16 anos. Mas antes, eu era genuinamente um garoto. Brincava com os outros rapazes de lutinha, me inspirava nos personagens do Dragon Ball e jamais se passava na minha cabeça essa ideia de gênero, sobre o meu gênero. Essa ideia ter surgido na minha vida foi como uma maldição, porque até hoje sinto no meu ser uma certa “masculinidade”. Se meu pai me apoiasse e eu tivesse iniciado uma transição de gênero, será que eu teria me arrependido? É como se eu fluísse de um lado para o outro, toda hora. Hoje em dia isso tem me privado de viver a vida, de aproveitar as pequenas coisas da vida. Porque se eu me sinto mais feminina, ou desejando ser mulher, alimentando falsas esperanças de uma possível transição futura, então começo a me expressar de tal forma que corresponda com as minhas expectativas, deixando os longos cabelos soltos e buscando exercitar os membros inferiores na academia. Mas se eu estou no lado masculino, faço o oposto do que eu falei. Mas não sei se me sinto genuíno nesse estado. Às vezes me sinto bem, outras vezes me sinto mal. Também me sinto culpado. Mas há algo que me amedronta.
A autoginecofilia é amar a si mesmo como mulher. É uma parafilia. Ainda não sei identificar se me excita me imaginar sendo uma garota ou não. Porque se eu sou travestido de mulher no quarto, sozinho, não me sinto excitado. Mas escala para o BDSM. Assim como eram as minhas relações com os homens e mulheres quando eu assumia um avatar feminino online, me excitava tocar no assunto e sempre ocorria uma relação sexual virtual, um RPG. Mas nenhum deles sabiam quem eu era de verdade; Me gerava disforia e medo de me revelar como homem ou trans. Refletindo muito sobre a minha libido, notei que ela sempre esteve nisso, no BDSM. Nunca houve desejo em algo convencional nem dentro do BDSM; somente dominação e amarração. E por mais que eu tenha me excitado me imaginando sendo como sou, um “homem”, nunca foi como me imaginar sendo uma mulher nestas situações. Sempre dizia a mim que ver um homem assim era vergonhoso, feio ou humilhante. Mas ser tratada no feminino, me travestir (apesar de eu raramente fazer isso por achar meu corpo incompatível com as lindas roupas que sonho em usar) ou me imaginar sendo uma garota no dia a dia, nada sexual, não me excita.
Eu sinto que se eu pudesse me transformar em uma mulher para sempre, perderia demais muitas coisas que no homem me admira. Sempre me pego me inspirando em personagens masculinos da cultura pop, de livros e filmes. Mas sinto que também perco muito por não ter nascido mulher; eu também me inspiro em personagens femininas. Há tantas coisas magníficas nos dois mundos. Em uma crise bizarra que tive uma noite, desejei, de repente, ser as duas entidades, unidas em um só ser. Depois, tive um desejo de não ser absolutamente nada. Me imaginei e desejei ser uma entidade sem forma, flutuando e observando a terra. Também já desejei não existir, desaparecer fisicamente, desaparecer da memória das pessoas… enfim, eu estou exausto.