Sobre o luto na pandemia
Diante do cenário de luta contra o coronavírus, onde vidas estão sendo perdidas, empresas estão quebrando e desemprego aumentando, o presente e o futuro tornam-se inseguros e amedrontadores.
Diante do cenário de luta contra o coronavírus, onde vidas estão sendo perdidas, empresas estão quebrando e desemprego aumentando, o presente e o futuro tornam-se inseguros e amedrontadores. Neste momento, percebemos de modo generalizado um sentimento de luto na sociedade. Luto proeminente de entes queridos falecidos por conta do vírus, luto do emprego perdido, da economia particular e social indo para o ralo, enfim, luto da vida que não é mais como era antes do vírus.
Recentemente, o filósofo e psicanalista Slavoj Žižek lançou um livro à respeito dos tempos pandêmicos que estamos vivendo, trazendo apontamentos críticos que vão desde posições políticas a reflexões subjetivas que incluem um modo interessante o pensar sobre o luto nos dias atuais. O texto que segue, baseia-se principalmente em algumas ideias trazidas pelo autor do sentimento de luto.
Pegando emprestado o conceito postulado por Elisabeth Kubler-Ross no livro intitulado sobre a morte e o morrer à respeito dos cinco estágios do luto, Žižek (2020) relaciona-os com o luto vivido pela sociedade em tempos de coronavírus. Antes de trazer a comparação realizada pelo autor, apresento de forma resumida, os cinco estágios do luto proposto pela Kubler-Ross (1996). São eles:
- negação (que seria a recusa em aceitar o ocorrido);
- raiva (decorrente de quando não se pode mais negar o fato);
- barganha ou negociação (que tem que ver com a esperança em conseguir postergar tal condição);
- depressão (seria o momento de descrença e desinvestimento por conta do ocorrido);
- aceitação (último estágio onde haveria a compreensão da pessoa e a preparação para seguir em frente). A autora ainda aponta que nem todos os indivíduos passarão pelas fases da mesma forma e/ou na mesma ordem.
Žižek (2020) aproxima tais fases com a realidade pandêmica, identificando que diante de um cenário como o que estamos vivendo, em um primeiro momento a sociedade tende a negar o que está acontecendo ("é só uma gripezinha" "isso não passa de uma histeria coletiva""isso é paranoia da mídia"). Ao perceber a gravidade da situação, a raiva toma conta do discurso social ("é culpa da China que não controlou o vírus" "é isso que dá comer morcego"). A partir daí, a sociedade parte para a negociação de como amenizar tal situação ("se os Estados se organizarem, dá para controlar o vírus"). Constatando o não funcionamento deste controle, o discurso social passa o estágio da depressão ("estamos todos perdidos" "é tarde demais para fazer alguma coisa"). Por fim, vem a aceitação desta nova realidade, onde segundo Žižek, teríamos dois caminhos para pensar nessa fase:
- aceitar que muitos irão morrer, mas que a vida vai continuar;
- aceitar a situação, mas não deixando ela de lado, havendo a necessidade de lutar contra o vírus, estimulando mobilizações coletivas em prol da solidariedade entre todos.
As aproximações realizadas pelo autor a tal teoria, leva-nos a pensar o quanto de fato é de suma importância aceitar que nossas vidas não serão as mesmas que eram antes da pandemia. Todos fomos atravessados de alguma maneira pelo coronavírus, sendo que a ideia de retornarmos a vida ao normal é ilusória, possivelmente "presa" nas primeiras fases do luto. Não há mais normal para se voltar, a normalidade é e será outra, construída por cima de um mundo que não existe mais.
Neste novo cenário, a confluência do caos na saúde, juntou-se com o caos na economia, que por sua vez uniu-se com o caos na saúde mental (afinal, não existe mais modus operanti a se voltar), criando um frágil mundo novo que sem o devido cuidado, sem a priorização da vida humana como um todo, a possibilidade de vivermos um novo momento de luto não será uma questão de se vivermos, mas quando viveremos.
REFERÊNCIAS
Ross, E. K. (1996). Sobre a morte e o morrer. Trad. Paulo Menezes, 8.
Žižek, S. (2020). Pandemia: Covid-19 e a Reinvenção do Comunismo. Trad. Artur Renzo. 1ª Ed. São Paulo: Boitempo Editorial.
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