O silêncio na terapia/análise
Ao começar um processo analítico, algumas pessoas se incomodam com a posição um tanto silenciosa do analista...
Ao começar um processo analítico, algumas pessoas se incomodam com a posição um tanto silenciosa do analista. Ouvimos alguns dizer: "meu analista não fala nada!"; "eu fico lá falando e ele não diz coisa alguma!" ; "será que ele está me ouvindo?" ; "eu quero um analista que fale!". Por conta disso, muitos desistem de continuar o processo terapêutico, não suportam esse silêncio que se faz presente e interrompem a terapia.
Na convenção social, o silêncio é visto como algo incômodo, que perturba, causando mal estar. Numa situação onde dois estranhos se cruzam no elevador, ou quando sentam lado a lado na viagem de ônibus ou avião, o embaraço do silêncio é rompido com palavras.
De onde vem tanto incômodo com o silêncio? Por que tamanha necessidade das pessoas em quebrá-lo? Freud em seu texto O estranho(infamiliar) de 1919, aponta um caminho para entender tal questão, dizendo: "De onde provém a inquietante estranheza que emana do silêncio, da solidão, da obscuridade?… Nada podemos dizer da solidão, do silêncio, da obscuridade senão que são esses verdadeiramente os elementos aos quais se liga a angústia infantil, que jamais desaparece inteiramente na maioria dos homens."
Baseando-se neste pensamento freudiano, pode-se dizer que a estranheza que o silêncio nos causa, se relaciona com um encontro com algo obscuro, com a incerteza, em suma, com o vazio, causando angústia. Para não entrar em contato com o vazio, o sujeito preenche o silêncio com palavras, muitas vezes vazias, que só estão ali cumprindo um papel de obliteração desse vazio que o silêncio traz.
Em análise o silêncio faz parte do processo. Como afirma Násio (2010), o silêncio possui forças que arrastam o analisando para o inconsciente. Afirmando que o que o discurso esconde, o silêncio revela. Násio ainda diz que por meio da leitura do silêncio e do que ele causa no sujeito, escuta-se algo para além do campo da palavra dita. O interdito e o não dito também revelam questões do sujeito, daí a importância do silêncio para escutar os outros modos de dizer.
O silêncio se manifesta como uma pausa da palavra falada, um limite que coloca o sujeito em um porvir imprevisível. Neste sentido, como diz Dunker e Thebas (2019), o silêncio esperado em análise ameniza a prontidão da conversa típica do dia a dia baseada em perguntas e respostas, discursos, réplicas e tréplicas. Dando espaço para esse movimento que o silêncio coloca o sujeito quando este entra em contato com o vazio.
No entanto, esse silêncio na análise, aqui focando no silêncio do analista, remete ao desamparo no analisando, trazendo impasses para o processo analítico caso não seja bem manejado. Por não ser comum para a vida do indivíduo um lugar que se fala muito e se escuta pouco, o analisando espera que o analista fale algo daquilo que ele está dizendo, e, quando a resposta não vem, o analisando vai ter que lidar com esse lugar vazio, preenchendo-o com fantasias das mais variadas possíveis. De fato, esse processo não é fácil, é estranho, é incômodo, mas é em muitos momentos, necessário em análise.
Se o analista responde todos os dizeres do analisando, como se fosse uma conversa comum, o analisando não entrará em contato com esse vazio que não o fará movimentar-se para lidar com Isso. Sustentar e suportar o silêncio é dar tempo para que a palavra que foi dita ecoe no sujeito, fazendo-o reviver certas experiências da ordem do desamparo e da estranheza.
Portanto em análise, não são só o dizeres do analista e do analisando que fazem diferença, não são somente as interpretações do psicanalista que fazem o sujeito refletir sobre sua vida. O não dizer torna-se tão importante quanto o que foi dito. É esse movimento que o silêncio causa, por vezes doloroso e incômodo, que nem todos conseguem sustentar, é o que possibilita a criação e a renovação daquilo que se diz em análise.
Referências:
Dunker, C., & Thebas, C. (2019). O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode transformar vidas. São Paulo: Planeta do Brasil.
Freud, S. (1919). O estranho. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 17, 235-269.
Nasio, J. D. (2010). O silêncio em psicanálise. Trad. de Martha Prada e Silva. Rio de Janeiro: Ed: Jorge Zahar.
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