Por que repetimos?

Você já se deu conta que repetimos muitas situações em nossa vida? Para algumas pessoas, esta questão pode ser tão evidente e incômoda que passa a ser o motivo pelo qual procuram análise.

14 JUL 2020 · Leitura: min.
Por que repetimos?

Você já se deu conta que repetimos muitas situações em nossa vida? Para algumas pessoas, esta questão pode ser tão evidente e incômoda que passa a ser o motivo pelo qual procuram análise. Para outras, somente na análise que a repetição será percebida pelo indivíduo. Neste texto, faço resumidamente um levantamento da questão da repetição para o saber da psicanálise e como esta é compreendida e tratada na clínica.

Primeira coisa a se pensar é que quando falamos de repetição não necessariamente estamos falando de reprodução. O que o sujeito repete não é uma reiteração da mesma forma vivido outrora, em outras palavras, podemos dizer que a repetição é uma transferência do passado esquecido, uma repetição dos nossos protótipos infantis. Se fosse reprodução, seria do mesmo jeito, sempre do mesmo modo, estando ligado a um processo consciente, mas não é. O sujeito não tem consciência do que insiste em se repetir.

Soler (2013) vai dizer que a repetição tem que ver com a insistência do inconsciente como palavra verdadeira que retorna em ato, ou seja, há algo que insiste em repetir e que traz consigo questões que devem ser levadas a sério. Esse processo se passa pela subjetivação, pela recordação e elaboração daquilo que se repete mas não se sabe. No entanto, essa tarefa não é simples.

O sujeito repete como forma de tamponar outra coisa que não pode ser lembrada porque seria penoso demais entrar em contato com o que foi recalcado. Como diz Freud (1914), diante dessa situação, o sujeito utiliza da política do avestruz (que esconde sua cabeça na terra para não ver o perigo) como mecanismo de defesa contra as origens de suas questões, repetindo na atuação para não se recordar. Dessa forma enquanto o sujeito não recorda, ele continua repetindo.

Contudo, muito do que se repete, traz sofrimento ao sujeito. Não é a toa que se escuta de muitos analisandos este tipo de discurso: "parece que minha vida está empacada"; "parece que não estou saindo do lugar, que é sempre a mesma coisa". Talvez seja isso mesmo, porque para desejarmos nosso futuro, devemos elaborar nosso passado presentificado. Dizendo de outro modo, o passado não é nada passado se ainda se repete no presente.

Então qual a saída para a repetição? Bom, primeiro ponto a se destacar é que essa não é uma questão fácil e tranquila de se resolver, afinal, há muito tempo a pessoa repete sem perceber, sendo difícil lidar com isso de forma rápida. Para começar, é preciso se dar conta da repetição, que onde há repetição pode haver um conflito psíquico.

Em análise, o se dar conta da repetição acontece por meio da relação transferencial entre analista e analisando, pois este último repete na relação com o analista fenômenos de sua vida. Soler (2013) vai dizer que é por meio da transferência que se pode chegar ao núcleo da repetição.

Desse modo, para se haver com a repetição é preciso recordar, recordar o que? O que está ocultado pela repetição. No entanto, esse processo é dificultado pela resistência do analisando em entrar em contato com o recalcado, onde Freud (1914) pontua que quanto maior a resistência, maior a atuação da repetição, dificultando a recordação.

O analista então, por meio do fortalecimento do vínculo com o analisando, que tem que ver com a relação transferencial, vai diminuindo a resistência deste, convidando o paciente a falar livremente e sem julgamento, para que esse possa atravessar a repetição, recordando e elaborando (à posteriori) aquilo que antes era da ordem do insuportável de lembrar.

Por mais que a repetição seja um grande entrave para o tratamento psicanalítico ocorrer, ela é uma questão chave a ser trabalhada em análise, sendo uma ponte necessária para se haver com dilemas mais inconscientes do sujeito.

Referências:

Freud, S. (1914). Recordar, repetir e elaborar. Obras completas, 12, 145-157.

Soler, C. (2013). A repetição na experiência analítica. Editora Escuta.

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Escrito por

Túlio Bueno R. Martins

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