O processo terapêutico e o valor das palavras

A cura pela fala, é o momento mais originário da psicanálise criada por S. Freud, mas é com sua famosa paciente Ana O. que o termo "the talking cure" inaugura o método.

22 JUL 2019 · Leitura: min.
O processo terapêutico e o valor das palavras

Muitas pessoas quando iniciam um trabalho analítico ou psicológico ficam incertas quanto à validade do trabalho que se dá "apenas" no campo das palavras. Inclusive vocês já devem ter ouvido muito a frase: Nossa! Vai lá só para falar e ainda paga? Fale comigo e eu nem vou te cobrar...

Claro evidentemente que ninguém é obrigado a saber dos efeitos que as palavras produzem, especialmente os "leigos", ou seja, os que não estão no universo "psi". Mas é sabido desde Freud entre psicoterapeutas, psicólogos e psicanalistas que pelas palavras ditas no setting terapêutico e instituída a relação terapêutica, a palavra terá uma dimensão de "cura".

Freud nos ensina em seu texto de 1890 conhecido como Tratamento psíquico (ou anímico) que "Psyche" palavra grega que na tradução para o alemão aparece como alma é o cerne do tratamento psíquico ou da vida anímica ou ainda da alma, consiste justamente em afetar a alma por meio de palavras, palavras que por seu efeito e poder terapêutico podem eliminar perturbações somáticas e psíquicas.

Bom para além do científico e dos estudos psi, podemos facilmente constatar os efeitos positivos e negativos das palavras no corpo, por exemplo, quando alguém que de algum modo nos é importante, seja um chefe, um amigo íntimo, um parceiro (a), um colega de escola ou de profissão ou familiar, ou ainda tantos outros exemplos, iremos encontrar a função quase mágica das palavras.

Pois se proferida de maneira dura, rude, irônica, cínica causará efeitos que podem levar do mais penoso pensar, sentir, até o agir etc... Do mesmo modo quando algo doce, amigável, sincero, é dito e toca algo da nossa existência, de nossa alma, isso pode trazer vigor, alegria, amor, vontade de estar perto de alguém, desejo, soluções para o que não víamos saída, força para lutar por algo e assim por diante.

Bom, parece que os parágrafos traçados até aqui, já podem de algum modo nos fazer refletir um pouco mais sobre essa magia das palavras e a forma como afetam o corpo e a alma. Justamente o que Freud disse que consistia uma análise, ou seja, devolver às palavras o seu poder mágico.

Freud levanta a hipótese inclusive de que algumas histerias de conversão que atendia na época, poderiam ser entendidas como um modo de linguagem de um afeto no corpo.

Para tentar exemplificar melhor isso se pode evocar frases ditas no dia a dia das pessoas como: essa traição foi como um punhal entrando em meu coração, ou esse insulto me rasgou às entranhas do meu ser, ou nunca pude digerir aquelas palavras indigestas que meu pai me disse... Exemplos que mostram uma afetação direta no corpo e na alma causada por experiências e palavras que podem produzir desprazer e prazer.

Caminhando um pouco mais no campo das palavras pode-se dizer que é sabido por aqueles que convivem com bebês, que eles com seus gritos e esperneio evocam que alguém vá ao seu encontro para saciar as necessidades por vezes físicas e por vezes emocionais e às vezes ambas. Sabe-se ainda que a voz e as palavras que lhe são emitidas acalmam seu desamparo, o adulto tocado pelos berros do bebê é levado mesmo que sem saber a "lembrar" de algum modo de seu próprio desamparo na mais tenra infância e assim é causado a ir em direção do bebê apaziguando seu choro, seu desalento, com colo, carinho e palavras.

Somos banhados pelas palavras desde bebês, até mesmo antes de nosso nascimento, pois a medida que os pais desejam ter um filho, começam a falar dele, dando primeiramente um contorno com as palavras, falam como será, como não será, com quem se parecerá, que nome terá, o nome por si já é capaz de produzir uma história cheinha de palavras a respeito desse novo serzinho que um dia virá!

Ao nascer então o bebê, que já estava de algum modo imerso no universo das palavras, passará agora a integrar uma cultura familiar, social, moral, educacional e essa cultura é especialmente transmitida pelas palavras mesmo que indiretamente, essas palavras irão deixando pequenas marcas, em sua história, em seu corpinho, em seu modo de ser e existir, de se relacionar e de estar no mundo.

Mais tarde, um importante psicanalista francês chamado Jaques Lacan (1901-1981), conferiu a palavra um estatuto que segundo ele já estava em Freud, mas que ele pôde alargar os horizontes, levando o inconsciente a ser pensado nesse tempo de seu ensino, pela perspectiva da linguística, para tanto, ele proferiu uma emblemática frase dizendo que o inconsciente esta estruturado como uma linguagem.

É no processo analítico em que o analista advertido de um saber sobre o inconsciente e sobre a linguagem dos erotismos, pode dar lugar de palavra aos sintomas, aos esquecimentos, aos atos falhos, aos lapsos, aos transbordamentos, conduzindo o analisante através da palavra e do contar e recontar sua história, sua verdade, que esse sujeito pode vir a ressignificar elementos linguísticos de sua história para dar uma virada e poder fazer uma retomada da significação e dos sentidos dados anteriormente pelo próprio sujeito.

Para que pela palavra ele possa escutá-la, sentindo seu movimento e os efeitos produzidos na sua vida e no seu corpo, pelos pensamentos, pelos afetos, pelas escolhas, pelas decisões, pelos sentimentos.

O processo analítico e a ética do desejo embora não possa garantir o que irá surgir numa análise, podem oferecer ao sujeito a possibilidade de reinvenção que ao mesmo tempo dá a esse sujeito a condição de retomar seu lugar de falante a partir de sua própria história, singularizando-a de forma criativa e particular criando um novo modo de ser e estar no mundo.

A palavra será então a via de enunciação do sujeito desejante e da possibilidade deste se haver com seu desejo, possibilitando sair da condição de vítima dos acontecimentos e podendo se autorizar a escolher entre sucumbir ou não ao que se convencionou chamar de destino.

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Escrito por

Psicologia Izabel Cristina de Paiva Linares

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Comentários 4
  • Sandra

    Gostaria sinceramente que tudo isso fosse verdade.

  • Daniela Viana

    Ótimo texto! Parabéns. Obrigada

  • Tábada Regina

    Ótimas palavras neste "mundo mágico das palavras" Izabel. Esclarecedor e iluminado para a interação das pessoas no universo terapêutico.

  • Mara Telles

    Muito bom! A palavra proferida , poderá trazer enorme benefício ou não ao outro.

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