Contra a Homofobia: o valor da autoaceitação

O Dia Internacional contra a Homofobia se celebra neste 17 de março e o Brasil ainda tem muitos desafios para chegar a ser uma sociedade inclusiva. Compartilhamos 3 histórias com você.

16 MAI 2016 · Leitura: min.
Contra a Homofobia: o valor da autoaceitação

Se o autoconhecimento é o caminho para entender quem somos e aceitar que a felicidade deve ser almejada, independente de particularidades ou escolhas, não seria diferente no universo LGBT.

Neste 17 de março, quando se celebra o Dia Internacional contra a Homofobia, o MundoPsicologos.com deseja compartilhar relatos de três pessoas que tiveram que "aprender" a lidar com sua sexualidade, a vencer o preconceito e se autoaceitar, cada um à sua maneira.

Thiago Souza, jornalista, 33 anos

MundoPsicologos.com: Dizem que já avançamos muito no reconhecimento e aceitação da homossexualidade. Você concorda? Como foi esse processo para você?

Thiago: De fato, a visibilidade homossexual hoje é muito maior, do ponto de vista de um tema que deve ser assimilado pela sociedade. Entretanto, os avanços na diminuição do preconceito e na garantia de diretos ainda são muito lentos no Brasil.

Vivemos em um país extremamente machista, onde os valores heteronormativos ainda prevalecem, inclusive na própria comunidade gay. A violência física e psicológica é realizada diariamente com milhares de pessoas e considerada normal. Conceitos jurídicos e religiosos se misturam, tornando bastante complexa a afirmação da identidade.

Comigo, este processo também foi muito difícil e ainda é, em determinados aspectos. Filho de uma família tradicional mineira, entender a minha sexualidade, conciliando o meu desejo e os valores familiares, foi o processo longo e conflituoso.

Toda a criação que recebi não abria espaço para o sentimento que eu tinha. Precisei aprender a respeitar a minha individualidade, trabalhando a minha autoestima e entendo que a minha sexualidade é apenas uma parte de mim, que a expectativa do outro não pode ser determinante nas escolhas da minha vida.

MundoPsicologos.com: Onde esteve seu principal apoio (família, amigos, parceiro...)?

Thiago: Meus principais apoios sempre foram meus parceiros e o divã. Na análise consegui trabalhar minhas questões e, principalmente, minha autoaceitação. E contei com namorados que me inspiraram a seguir meu desejo.

MundoPsicologos.com: O medo da pressão social é o principal empecilho na hora de assumir uma identidade e viver a vida de forma mais plena?

Thiago: É um deles, mas cada pessoa passa por um processo diferente. Acredito que está intimamente ligado à formação do indivíduo, aos valores trabalhados desde a infância, aos paradigmas recebidos.

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MundoPsicologos.com: Você já foi vítima de algum tipo de preconceito? Acredita que as redes sociais contribuíram para aumentar a incidência de atos de homofobia?

Thiago: Os gays sofrem preconceito cada dia. Comigo não é diferente. Desde a piada "sem maldade" no trabalho até aquela tia que insiste em pedir uma namorada… são formas de preconceito que todos passam.

Sobre as redes sociais, acredito sim que a homofobia foi ampliada. Protegidos pelo ambiente virtual, fica mais fácil disseminar conceitos preconceituosos e de ódio. De certa forma, acho que é positivo, na medida em que revela o tamanho da hipocrisia do país e o quanto ainda precisa ser desmistificado e combatido por uma sociedade mais igualitária e justa.

MundoPsicologos.com: Se pudesse dar um conselho a alguém que, neste momento, vive uma luta interna entre reprimir o desejo e se assumir, qual seria?

Thiago: Enfrente! Leia, converse, conheça pessoas, procure ajuda psicológica se for o caso, mas nunca reprima o desejo. Não há vida de outra maneira e a vida é muito prazerosa e curta para ser negligenciada. A felicidade cabe apenas a cada um de nós.

Leia mais: Contra a Homofobia: por que tanto preconceito?

Rafael Lignani, servidor público, 31 anos

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MundoPsicologos.com: Quando você soube que era homossexual?

Rafael: Essa pergunta é um pouco delicada. No fundo, eu acho que a gente sempre sabe que tem algo "diferente". Quando pequenos, ao nos compararmos com nossos amiguinhos (fim da infância/início da adolescência), sabemos que tem um parafuso em um lugar diferente, mas não sabemos ao certo o que é isso. Quando crescemos, no entanto, começamos a juntar as peças e passamos a entender o que, de fato, havia de "diferente" em nós.

Então, no meu caso, mais do que "saber" que eu era homossexual, acredito que a gente "entenda" que a gente é homossexual. Para mim foi exatamente isso: eu entendi o que era aquilo que me fazia me sentir tão diferente dos outros...

Até meus 17 anos, eu ainda relutava a aceitar a ideia de ser gay. Tive, inclusive, algumas namoradas. No entanto, aos 17 anos perdi o preconceito comigo mesmo e dei meu primeiro beijo em um rapaz. Naquele dia, sim, tudo mudou. Ali eu me enxerguei como gay pela primeira vez e me aceitei como eu sempre fui - uma ideia contra a qual eu lutei por vários anos (e nem por uma questão familiar propriamente dita, já que posso me ver como um ser privilegiado, pois minha família nunca demonstrou preconceito de uma forma muito forte, apenas o "normal", mas sim pelo contexto social e pelas ideias que colocam em nossa cabeça desde pequeno, na escola, na TV, na sociedade... ).

O gay é sempre demonstrado com destaque, mas com foco pejorativo: ou ele é alguém frágil e sensível demais, ou é alguém alvo de piada e chacota ou, ainda, é alguém afetado ou venenoso e fofoqueiro... O gay, sobretudo na mídia, nunca aparece com a dignidade de uma pessoa dita "normal" e, nesse contexto, quem em sã consciência vai querer ser essa pessoa "diferente", não é?

MundoPsicologos.com: Qual foi a parte mais difícil de assumir sua orientação sexual para sua família e os demais?

Rafael: Minha "saída do armário" dentro de casa não ocorreu por livre e espontânea vontade, mas sim no meio de uma briga com meu irmão, quando ele, em um momento de raiva, disse para eu "não contar com ele para as minhas escolhas na vida", em alto e bom tom.

Minha mãe estava presenciando a briga e, claro, tentou entender o que estava acontecendo. Depois de muita fuga e rodeios, em uma conversa que já ultrapassava as 2h da manhã, as palavras finalmente saíram da minha boca: "Seu filho é gay, mãe. Eu sou gay". Não me esqueço do dia...

Minha mãe chorou, mas, aos poucos, no tempo dela, tentou, pacientemente, entender a situação. Os dias seguintes não foram dos mais amistosos, confesso. Vira e mexe encontrava minha mãe chorosa pelos cantos (mas em momentos que só eu estava em casa) e duas conversas em especial me marcaram.

A primeira delas foi um dia em que ela estava chorosa no quarto e eu perguntei o que tinha acontecido. Ela virou para mim e disse que "queria um netinho" no futuro. Imediatamente falei dos meus irmãos, que eles dariam os netos para ela... Ela, instintivamente, respondeu que queria um vindo de mim. Eu disse que existiam outras opções no mundo: adoção, barriga de aluguel, etc. Mas nenhuma delas pareceu convincente o bastante naquele momento... À época ela dizia que "não era a mesma coisa".

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A outra conversa aconteceu no centro da minha cidade, Juiz de Fora (MG), enquanto eu e ela fazíamos compras... Já havia passado mais de um mês que eu tinha "saído do armário" e, naquele dia, ela insistiu em que eu "tentasse" novamente com meninas. Eu já estava saturado da situação e, naquele dia, dei um corte um pouco mais brusco. Perguntei se ela insistia para que meu irmão "tentasse com meninos" e ela ficou espantada com minha pergunta. Respondeu na negativa, claro, dizendo que era um absurdo e que não fazia sentido isso...

Então, eu expliquei para ela que, para mim, aquele pedido soava igualmente absurdo. Que, para mim, ouvir aquela pergunta e atender ao pedido dela significava me anular, contrariar minha natureza e fazer algo que não fazia qualquer sentido, apenas para agradar aos outros. E, sobretudo, que esse pedido não era justo. Ali ela pareceu entender melhor.

É importante, no entanto, ressaltar que minha mãe nunca se opôs radicalmente ao fato de eu ser homossexual. Ela apenas se dizia constantemente preocupada com minha "condição", dizia ter medo do preconceito que eu enfrentaria durante minha vida e, assim, passou a me controlar bem mais durante algum tempo. Mas o tempo também foi bem bacana com a gente e fez com que ela entendesse a situação e aceitasse da melhor maneira possível. Hoje converso com ela de forma bem tranquila sobre esse e outros assuntos.

Quanto ao meu pai, no entanto, demorei outros 15 anos para criar coragem e contar. Sempre existiu aquele velho "acordo de cavalheiros": eu sabia que ele sabia; ele sabia que eu sabia que ele sabia, mas nunca, em hipótese alguma, tocamos diretamente o assunto. Talvez por ser uma característica dele sempre ter sido muito sério, um pouco frio e mais distante, mais "na dele", mas não posso dizer que ele tenha sido preconceituoso em momento algum.

Foi no ano passado que criei coragem. Já com trinta anos, eu estava noivo e iria me mudar para morar com meu companheiro. Decidi, então, contar para ele e encerrar essa situação de uma vez por todas. Disse: "Pai, então... Eu tô noivo". Ele, como imaginado, ficou um pouco sem jeito, deu um sorriso de aprovação e não perguntou nada. Minha mãe estava perto e questionou se ele não ia perguntar com quem, o que fazia e etc. E só então ele perguntou "Ah, é. Com quem? Qual o nome? O que faz?".

Depois das respostas, ele, um pouco sem graça, deu um sorriso e saiu da cozinha. Mas, sem nem terminar de sair da cozinha, ele logo voltou e disse... "Bem, o que eu posso dizer é que vocês sejam muito felizes. Que sejam muito felizes e que dure!".

Desde então, não sinto mais necessidade de disfarçar as conversas, de chamar meu noivo de "amigo" e nem nada do tipo. E nossa relação permanece a mesma de antes, talvez esteja até um pouquinho melhor, já que não sinto que existam mais "segredos".

MundoPsicologos.com: Fala-se muito sobre avanços no reconhecimento e aceitação da homossexualidade, mas como é a sua experiência? Você vê uma sociedade preparada para lidar com as diferenças?

Rafael: Nunca enfrentei nenhuma situação extrema de preconceito. Já escutei piadinhas, claro, mas também já respondi algumas, ou fazendo cara de desaprovação ou mesmo de forma mais militante e ativa. Acredito que existam limites. Se as piadinhas não são exclusivamente contra homossexuais, se fazem parte de um contexto maior e não existem com o único intuito de agredir, eu relevo e, no máximo, faço cara de desaprovação. No entanto, se sinto alguma animosidade ou ódio velado, tenho o hábito de me manifestar ativamente de forma contrária. Acho que é meu papel, sabe?

Mas é importante ressaltar que eu tenho a consciência de que sou alguém "privilegiado". Afinal, sou branco, cabelo e olhos claros, tenho um emprego estável e seguro, e tenho uma renda mensal que me possibilita alguns pequenos luxos. Além disso, já ouvi algumas vezes a famigerada frase do "Ah, mas você nem parece gay..." (algo que antes eu julgava como elogio, mas hoje eu vejo como uma forma de preconceito velada). Então, eu tenho plena consciência de que minha realidade não é a mesma realidade de grande parte dos homossexuais do país.

Além disso, também acredito que o meio no qual me encontro é bastante hipócrita. Então, cada vez mais, tenho me sentido na obrigação de me firmar e de defender "meus semelhantes". Durante muitos anos eu mesmo tive um certo preconceito com travestis, por exemplo. Talvez por não entendê-las (os). Mas crescer me fez amadurecer e começar a ver e a valorizar a luta diária dessas pessoas, uma luta tão mais real e tão mais dura do que a minha.

Uma luta que envolve a família, a sociedade, o mercado de empregos e, para piorar, envolve o desconforto com o próprio corpo. Tem sido um exercício diário meu tentar perceber o lado humano e lembrar que todos nós, sem exceção, temos o direito de ser plenos, de viver plenamente - desde que isso não fira, claro, o direito ou a dignidade de alguém (ou seja, se uma pessoa é homofóbica, essa pessoa, sim, eu acredito que não tenha o direito de ser plena, pois a plenitude dela fere o direito e a dignidade de um outro alguém).

Quando se trata de uma escolha ou de uma autoaceitação, essa pessoa não só tem o direito como tem o dever de se sentir plena. Só assim ela poderá ser feliz. E vejo como papel meu, sendo alguém "privilegiado", defender esse grupo menos incluído, oprimido. Demonstrar sua existência, lembrar dos seus direitos e, sobretudo, lembrar que permanecemos sendo todos iguais, independentemente de nossa representação física.

E voltando ao cerne da pergunta... Não, a sociedade não está preparada ainda. As travestis e as pessoas trans são um grande exemplo disso.

Santhiago Cavalcante, social media e designer gráfico, 28 anos

MundoPsicologos.com: Como é viver a homossexualidade nos dias de hoje? Você enfrenta muito preconceito?

Santhiago: Onde eu moro (Brasília, Asa Sul) o preconceito é basicamente inexistente. Não sei exatamente informar se é algo velado, escondido para que ninguém ache que ele existe, ou se simplesmente as pessoas se acostumaram a conviver com orientações sexuais diferentes. Mas isso acontece provavelmente por eu ser um homem gay cis** e ter um companheiro idem. Acho que esse comportamento é mais "aceitável" para a sociedade daqui e acabamos passando por poucas ou até nenhuma situação de preconceito.

Acho que "viver a homossexualidade" é um modo ainda muito arcaico e carregado de preconceitos que herdamos dos dias do passado. Eu simplesmente vivo minha vida da forma mais natural possível, afinal eu nasci assim, então esse é o natural para mim.

Contudo, levei muitos anos para me aceitar como eu sou e amar cada detalhe do meu ser, mesmo que isso signifique contrariar muitas pessoas ao meu redor.

** nasceu homem, se expressa e é decodificado socialmente como homem

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MundoPsicologos.com: Qual foi a parte mais difícil de se assumir para a família e para o mundo?

Santhiago: Minha mãe costumava ser uma pessoa machista e conservadora, vítima de vítimas que transmitiram essa falta de educação humana para seus descendentes. Eu cresci no interior do Ceará e lá as pessoas esperam que você beba muito, goste de certos tipos musicais locais e seja "pegador", porque esse é o perfil do cabra macho, do homem ideal.

Eu não tolero o cheiro de álcool, prefiro ficar em casa e evito ambientes muito amontoados e nunca sai "pegando geral". Então, sempre me olharam com desconfiança. Isso gera pressão, expectativas e você não quer decepcionar seus pais, que sempre deram apoio e investiram tudo o que tinham e não tinham em você. Essa é uma das partes mais difíceis, ao meu ver, não decepcionar seus pais.

E eles se decepcionam mesmo, afinal a maioria das pessoas quer impor as próprias visões no mundo dos filhos. Contudo, o mais difícil mesmo é se assumir para si mesmo e aceitar quem você é. Como as mensagens externas em uma cidade do interior do Nordeste para um gay dizem que ele está errado, que os comportamentos são nojentos e não naturais (ambiente hostil), você tende a não se aceitar, esconder de si mesmo a verdade.

Mas, com o tempo e com sorte de ter experiências boas (ou más) influências, e ter uma rede de amigos que dão apoio e ajudam quando seus pais não estão lá para cumprir essa missão, eventualmente você consegue e o mundo fica bem mais fácil de se carregar. A pressão interna é muito maior e mais difícil de se lidar do que qualquer pressão externa, seja da família ou do mundo.

MundoPsicologos.com: Em sua opinião, por que ainda há tanta gente que vive uma vida dupla, sem assumir sua orientação/identidade sexual (seja homo, bi ou trans)?

Santhiago: É necessário muita coragem para se assumir gay em um mundo onde as pessoas preferem que você não seja realmente quem você é. A menos que você se encaixe perfeitamente no padrão macho alfa, não afeminado, sarado e bem sucedido na vida, você pode sofrer ataques inclusive da própria comunidade gay.

Lidar com todas essas adversidades e ainda conseguir ser feliz aceitando quem você é exige muito do lado emocional e racional das pessoas, não julgo quem decide ficar no armário. Cada um tem seu tempo e precisa de experiências para entender o próprio ser complexo que é.

MundoPsicologos.com: O que muda quando você se aceita exatamente como é?

Santhiago: Você para de se odiar. Isso faz milagres na sua vida. Você não se preocupa mais com o que vão achar, com o que vão falar e passa a se preocupar mais em viver. E isso vai muito de cada um, afinal, há muitas pessoas que são abertamente homossexuais, mas não aceitam 100% quem são. E isso é apenas um aspecto da vida das pessoas.

É triste achar que tudo se resume em ser gay, lésbica, bi, hétero. Não, as pessoas são bem mais do que simples orientações sexuais. E quando você encontra alguém que não tem orientação sexual porque simplesmente não se identifica nem tem desejos sexuais? Essa pessoa fica sem identidade? Por isso, aceitar-se gay pode fazer muita diferença na sua vida, mas também pode não fazer diferença alguma. Os outros aspectos das vidas das pessoas podem ser muito mais nublados do que isso.

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Comentários 1
  • Luxcas Hueheu

    O dia internacional contra a homofobia é dia 17 de maio amores, não março. Beijos

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