A demissão que ninguém espera (mas que pode estar espreitando)

O fantasma da demissão e do desemprego nos ronda a todos... Que atitudes devo ter para superar esta possibilidade?

8 DEZ 2019 · Leitura: min.
A demissão que ninguém espera (mas que pode estar espreitando)

Tenho observado o quanto que o tema "demissão" é tratado como verdadeiro fetiche nos sites e portais que abordam termos como empreendedorismo, empregabilidade, trabalho e relações profissionais. Basta que no título tenha a fatídica palavra para que o artigo ganhe numerosas visualizações, inúmeras curtidas e receba comentários elogiosos. O tratamento que se dá ao tema, geralmente, passa por situações em que se coloca em relevância o espírito empreendedor do demitido, que pediu desligamento para poder – agora sim! - trabalhar com mais prazer, retorno e liberdade de ação. Não raro, o texto – com carregado teor motivacional e estilo testemunhal – relata as inseguranças iniciais, a coragem de se abdicar de um bom salário pela satisfação de se trabalhar com o que realmente se gosta, a mudança de paradigmas, os passos e decisões que marcaram a passagem de empregado para desempregado e, em seguida, para empreendedor. É muito comum que, no meio do texto ou em sua conclusão, o autor faça um breve relato de seu novo negócio e arremate com um link para o novíssimo site ou portal de sua pequena e promissora startup...

Os leitores se enchem de coragem para dar o grande passo rumo à liberdade profissional... Ou então se sentem ainda mais abatidos por não terem perspectiva de uma mudança radical a curto ou médio prazo.

Mas, o outro lado da moeda, inverso ao da "demissão libertadora", é o da demissão involuntária, imposta, unilateral, sem negociação. Para além do poético "pedi demissão", existe o mal afamado "fui demitido"...

Alguém aqui já foi demitido alguma vez? Inesperadamente? De surpresa?

Eu já. E digo a vocês: não é uma situação nada poética. Nem romântica.

Sob este cenário, o que grita forte na cabeça do demitido são os questionamentos acerca dos motivos da demissão, - que nem sempre são expostos com sinceridade – a autoestima que fica em frangalhos, as contas a vencer no fim do mês e a difícil saga para se reinserir no mercado de trabalho. Sem uma boa estrutura de apoio familiar, uma consistente rede de contatos e uma reserva financeira considerável fica realmente difícil ter espírito empreendedor, ainda mais quando a demissão vem quando menos se espera.

Sei que existem pessoas – e conheço pessoalmente alguns casos, dentre os quais eu mesmo me incluo – que conseguem virar o jogo a seu favor quando são surpreendidos pela carta de demissão. Mas gostaria de falar aqui mais diretamente com aqueles que ainda se encontram empregados e que, de alguma forma, têm receio de que o desemprego bata à sua porta.

Antes de mais nada: se valorize! Em questão de trabalho, coloque sempre a sua carreira e a sua realização profissional em primeiro lugar. Seja o seu emprego atual insatisfatório ou realizador, seja o seu nível salarial suficiente ou a desejar, sejam suas atividades desafiadoras ou enfadonhas, busque se capacitar e produzir algo que mentalmente valha a pena para você, que faça você se reconhecer como dono de algo singular, único e diferenciado. Somente com esse trabalho prévio de autoestima você poderá, caso venha o momento inoportuno, se reapresentar ao mercado com seus projetos, suas realizações, suas expectativas. Afinal, o mundo corporativo espera por pessoas, sobretudo, motivadas para assumir desafios, não sobrando espaço para sentimentos de derrota e de vitimismo.

Em minha trajetória profissional conheci muitas pessoas que foram completamente dedicadas à empresa, inclusive abdicando dos próprios sonhos e do convívio familiar, por vezes até gerando inimizades entre colegas de trabalho devido a suas posturas ultraprotecionistas em relação à corporação. Entretanto, elas também não foram poupadas na hora da crise, e quando o corte ou o remanejamento teve de ser efetuado, vi muitos perderem o chão, apresentando crises emocionais publicamente ou maldizendo "o sistema que desvalorizava e descartava os colaboradores mais abnegados"... Mas a questão em face não se refere à empresa que o demitiu – que, muitas vezes, precisa "cortar na carne" para garantir a própria sobrevivência – mas sim à falta de perspicácia do demitido, que não soube bem dosar sua escala de valores e acabou se colocando numa posição secundária em relação ao seu empregador. Devemos sempre ter em conta que instituições fortes são constituídas por pessoas cheias de otimismo, que reconhecem primordialmente o próprio valor como indivíduos e como profissionais, para que, assim, componham equipes vitoriosas.

Em seguida, amplie seus horizontes. Não perca seu tempo fazendo sempre as mesmas coisas, andando sempre nos mesmos ambientes, falando as mesmas obviedades. Crie oportunidades para ler outros assuntos, conhecer novas pessoas, fazer novos contatos, treinar novas habilidades, estudar novas teorias, se aprofundar em novos conceitos. Por que não aprender uma nova língua? Ou cursar uma especialização? Por que não solicitar, você mesmo, uma mudança de setor ou para um projeto diferente do corriqueiro? Por que não tornar suas redes sociais também ambientes de interação produtiva e de parcerias? Diz um ditado antigo, mas sempre relevante, que "quem tem dois, tem um; quem tem um, não tem nenhum!", e reza a cartilha de investimentos que nunca devemos colocar todos os nossos ovos num única cesta...

A necessidade fez com que meus episódios de demissão involuntária me retirassem da minha zona de conforto e me forçassem a reinventar minha carreira profissional. Foi após uma dessas situações que eu percebi que precisava investir em mim mesmo com mais seriedade, e não simplesmente me acomodar no que eu já sabia e no que já havia conquistado. Até então, eu era um profissional da área de tecnologia da informação de nível médio, e decidi, pois, que iria mudar radicalmente a minha vida. Na releitura positiva que fiz dessa demissão – que, na época, havia sido muito tensa e angustiante – passei a creditar a esse episódio a motivação para entrar na Universidade e, por consequência, me graduei em Psicologia e possuo um Mestrado nesta área. A tônica foi: pegar os limões que a vida impôs e preparar, com eles, uma sacolejante caipirinha!

Não querendo encerrar o assunto, mas apenas colocando algumas reticências, eu diria: aprenda a ler os "sinais dos tempos". Quase nunca, uma demissão involuntária vem "do nada". Ela sempre é precedida de sinais, de indicadores ou avaliações insatisfatórias, de metas não cumpridas, de exigências acima da normalidade, de feedbacks negativos, de climas organizacionais pesados, de invisibilidade laboral... Ao perceber algum tipo de sinal fora do padrão, esteja em alerta e avalie se não haveria abertura para que você se aproxime de seus superiores e questione o que pode ser melhorado em seu desempenho. Isso pode denotar, para a empresa, o seu interesse no envolvimento com o problema e no compromisso com sua resolução. Geralmente, as peças que são primeiramente descartadas são aquelas de pouca serventia no desempenho da máquina. Entretanto, mesmo assumindo uma postura proativa em momentos de crise ou de reestruturação e downsizing na companhia, é prudente sempre ter uma outra carta na manga – o famoso "plano B" - e saber o momento de discernir a possibilidade de se negociar um acordo de desligamento voluntário que seja vantajoso para todas as partes.

Por fim, mesmo sob um panorama de instabilidade econômica e de incertezas no campo da empregabilidade, é conveniente para todos os que estão no mercado de trabalho que nunca se esquivem desta fatídica possibilidade e que busquem estar minimamente preparados para ela. Todos nós somos plenamente sujeitos a esta condição, posto que "para ser demitido, basta estar empregado". Cabe a nós traçarmos nossas estratégias de sobrevivência e de desenvolvimento profissional num cenário em que a única certeza que se tem é a da mudança.

E você? Já foi demitido alguma vez? Fique à vontade para compartilhar um pouco de sua experiência com o tema e nos enriqueça com seu comentário.

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Escrito por

Saulo Cruz Rocha

Psicólogo e mestre em psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atua na clínica sob a perspectiva da psicanálise, atendendo adolescentes, jovens, adultos, idosos e casais. Tem experiência no tratamento da depressão, da ansiedade e nos processos de luto e separação. Desenvolve estudos sobre religião e psicologia.

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