Não sei bem como dizer então vou descrever

Olá, Fulana. Obrigada por escrever.
Gostaria de contribuir com algumas maneiras de resolver suas questões. Esse texto vai ser longo, mas acredito que possa te ajudar.

Percebi em sua narrativa o sentimento de solidão atrelado à emoções de tristeza, raiva e ansiedade. Imagino o quão difícil tenha sido para você se sentir "desajeitada socialmente" pelo fato de ser uma pessoa tímida. Gostaria de começar te dizendo que não há problema algum em ser uma pessoa introvertida, quieta ou reservada. Apesar de nossa sociedade estar organizada de uma maneira onde a extroversão é reforçada e desejada socialmente, gostaria que você entendesse que pessoas são únicas, diferentes, e sua personalidade também pode ser interessante, ainda que você seja tímida. Eu não tenho dúvidas que você tem habilidades e valores particulares que poderiam encantar muitas pessoas. Nem sempre iremos agradar todo mundo, basta apenas continuar procurando alguém que possa nos apreciar da maneira que somos. É algo difícil, claro, mas não impossível.

Você consegue pensar em pessoas famosas ou que você admira com personalidades parecidas com a sua? Esse é um exercício que pode te ajudar a se sentir menos sozinha, entendendo que existem pessoas em posição de destaque, pessoas admiráveis, que provavelmente passaram o mesmo que você.

Dito isso, podemos abordar outras observações.

Em sua fala "as vezes só de imaginar que preciso interagir com outras pessoas me sinto nervosa e ansiosa" é um indicativo que você pode estar vivenciando alguns sintomas de Ansiedade Social. É impossível fazer um diagnóstico através de um texto, pois este é um processo complexo, demorado e que deve ser feito em consultório clínico com um profissional especializado. No entanto, podemos dizer que essa fala serve como um sinal para escaneamento de uma possível hipótese diagnóstica. Para isso, você precisa buscar ajuda especializada de um Psicólogo ou um Psiquiatra. Darei a orientação prática sobre isso ao final do texto.

Gostaria de frisar que não há nada de errado em ser tímida, mas a medida em que você desenvolve certo grau de ansiedade nas suas interações sociais e isso te prejudica no seu dia a dia, talvez seja o momento de buscar ajuda.

Existem alguns pontos positivos no seu discurso:

1. Você sabe exatamente expressar o que sente quando diz que tem experimentado emoções de tristeza e raiva. Isso pode parecer algo básico, mas não é. Muitas pessoas não sabem expressar ou entender o que sentem. Você tem essa habilidade.

2. Você identificou que a sensação de abandono e rejeição são gatilhos emocionais que te afetam. Isso demonstra que você tem desenvolvido dentro de você um senso de automonitoramento, o que é imprescindível para tentarmos identificar um problema. Só podemos tentar resolver uma questão quando a compreendemos. Essa é uma outra habilidade sua.

3. Você também identificou um padrão de comportamento desapatativo que você tem feito para tentar evitar essa sensação de abandono ou rejeição
O comportamento desapatativo é o de se envolver ou manter relações, ainda que desestruturadas e prejudiciais, apenas para não ter que experimentar sensações de abandono ou rejeição. Essa é a reação que você tem para tentar evitar desconforto.

Então, preciso te elogiar quanto aos pontos mencionados acima. Normalmente pessoas introvertidas desenvolvem uma ótima habilidade de autoconhecimento. Esse pode ser um dos vários aspectos positivos da sua personalidade.

Agora podemos falar um pouquinho mais sobre seu medo de abandono e rejeição. Gostaria de deixar alguns questionamentos para você pensar sobre: 

- Você consegue identificar outras situações no passado em que você se sentiu abandonada ou rejeitada? Como, onde, quando essa situação aconteceu? Quais foram as emoções ou pensamentos que você teve diante dessas situações? O que você faria para tentar ajudar essa sua versão do passado?

- Vamos fazer um exercício de descatastrofização de pensamento:

Isso pode ser um pouco desconfortável, mas peço para que respire fundo e mentalize que você está segura e confortável. Tente pensar nos questionamento abaixo como se você fosse uma terceira pessoa, alguém que estivesse observando de fora da situação.

Sobre a relação que você mantém com essa pessoa:

Qual seria o pior cenário que poderia ocorrer entre vocês dois? Faça uma lista com todas as coisas que você teme que podem acontecer nesta relação. O que você pensaria ou sentiria caso essas coisas ruins acontecessem?

O próximo passo é tentar se esforçar para pensar se existe algum ganho positivo que poderiam acontecer com você caso essa situação temida se realizasse. Liste 3 ou mais pontos positivos que poderiam mudar na sua vida. De que forma essa situação poderia te transformar?

Agora que você tem o pior e o melhor cenário visualizado, o que você acha que aconteceria de forma realista? Quais pontos, entre as opções positivas e negativas, você acha que aconteceriam, de fato, na realidade? Seja sincera e justa, tente não tender para um lado apenas.

Normalmente, a ansiedade nos faz pensar apenas nos piores cenários, na catástrofe. No entanto, isso é um erro de pensamento e interpretação. Muitas vezes os piores cenários na nossa cabeça podem nem ocorrer na realidade. Você vai perceber que é comum exagerar ou ser tendenciosa para um lado negativo quando estamos "no olho do furacão". Na verdade, pode ser que seja difícil pensar em um cenário positivo, pois a ansiedade nos faz pensar no pior, mas tente se esforçar um pouquinho nesta etapa. Por isso, praticar o distanciamento e tentar pensar como uma observadora pode te auxiliar nessas ocasiões.
Apesar de coisas ruins ocorrerem em nossa vida, a realidade não é feita apenas de situações ruins. Assim, você estará treinando a flexibilização dos seus pensamentos.

Ainda sobre sua relação com essa pessoa você pode usar a Análise Vantagens e Desvantagens dessa relação.
Coloque num papel os seus ganhos e suas perdas em manter essa relação. Depois, os seus ganhos e suas perdas em colocar um fim nessa relação.

Quais são os ganhos que te mantém nessa relação?
É possível encontrar esses mesmos ganhos fora da relação? Onde? Como? Você conseguiria receber os mesmos benefícios de outra maneira?

Isso pode te ajudar a ter uma visão mais detalhada do que pode te fazer continuar em uma relação prejudicial e como conseguir as mesmas vantagens em outro cenário.

Sobre sua ansiedade em interagir com as pessoas, vou deixar algumas sugestões de técnicas que podem te beneficiar de alguma forma, caso você se sinta à vontade em pratica-las:

Respiração Diafragmática: Sugiro que você pesquise e treine como fazer respiração Diafragmática. Ela é bastante útil para usarmos antes de situações estressoras ou mesmo para conter algumas crises.

Hierarquia dos medos: Você pode pensar sobre o medo de interagir com as pessoas e fazer uma lista de situações que te dão medo. Depois, você dará uma nota para essas situações de 0 a 10 para classificar quais situações você sente menos ou mais medo. Você pode pensar em 0 como ausência total de medo e 10 como o pior nível de medo que você já sentiu. Depois, tente se desafiar a enfrentar esses medos do menor ao maior. Use a Respiração Diafragmática antes de cada tarefa. Aos poucos, devagarinho, sabendo que você pode falhar em algumas ocasiões, basta apenas tentar novamente. A falha faz parte do nosso processo e devemos acolhê-la. Sempre se auto monitorando, ou seja, atenta ao que você pensa, sente e os comportamentos que você toma após as tentativas.

Dica: Pensamentos são normalmente frases ou imagens que surgem em nossa cabeça. Emoções são tristeza, raiva, medo, nojo, alegria.
Comportamentos: são nossas ações.

Exemplo: Supomos que você sinta vergonha de comprar algo e fazer pedidos nas lojas, no entanto, é um medo que você classificou como nível 1. Você pode marcar um local, dia e horário para você sair e tentar exercitar essa compra e pedido. Você pode escrever a frase que você vai usar antes, o modo como vai abordar os vendedores. Pode sempre pensar/imaginar o pior, melhor e cenário mais realista desta tarefa. Caso o pior cenário aconteça, pense em maneiras de solucionar o seu problema. Assim, você não será pega de surpresa e saberá como agir. Depois escreva o que pensou, sentiu e como se comportou. Volte a esse medo e dê uma nova nota baseado em sua experiência. É bom repetir esse exercício até que o medo chegue a classificação 0.

Normalmente a Ansiedade Social nos faz experienciar o que chamamos de Efeito Holofote. Sentimos como se estivéssemos no centro da atenção de todas as pessoas a nossa volta, nos preocupamos como que as pessoas estão nos visualizando, o que estão pensando sobre nós. É possível sentir vertigem, visão turva, ter a sensação que estão todos nos observando, sensação de estar suja ou com algo de errado com seu corpo/roupa, mãos suando, garganta seca. Passamos a superanalisar cada comportamento nosso, como estamos andando, como estamos falando, como estamos nos comportando. Isso pode ser a Ansiedade Social "no comando". A maioria das pessoas está ocupada prestando atenção nelas mesmas. Em cinco minutos, esquecem do nosso rosto ou fisionomia. Em uma hora, são capazes de esquecer até mesmo da coisa mais constrangedora que já presenciaram alguém fazer. Normalmente não estão nos julgando. A sensação de julgamento, na verdade, vem de nós: Nós estamos nos julgando através do olhar do outro.

Sobre a necessidade em criar novos laços de amizade. Você tem algum interesse que te agrade? É possível que você consiga fazer amizades com mais facilidade baseada em um interesse em comum: música, filmes, séries, atividades físicas, artes, etc. É um caminho mais seguro para tentar abordar alguém para uma conversa e tentar construir uma amizade. Lembre-se: Relações são trabalhosas. Tentar começar e manter uma amizade que lhe beneficie é uma tarefa trabalhosa, mas vale o investimento.

Que tipo de amigo você gostaria de ter? Descreva as características de personalidade dessa pessoa.
Onde você poderia encontrar essa pessoa?
Como você poderia identificar que alguém tem esse perfil para se tornar o seu amigo?

Sobre autoestima, trabalhamos em consultório quatro pilares da autoestima. É um trabalho extenso, mas posso te oferecer breves reflexões sobre cada ponto:

1. Autoconceito - O que você acha de si?
Frases como "Eu sou..." ou "Eu deveria ser" podem te ajudar a encontrar respostas da sua opinião sobre si. Liste 5 frases positivas e negativas sobre você.
Nesse caso, não podemos apenas listar os pontos negativos, devemos trabalhar sobre eles e modificá-los.
Qual a sua opinião sobre os pensamentos negativos sobre você mesma, são realistas ou estão distorcidos? De que forma eles te ajudam a se sentir melhor? Eles são seus ou vieram de outras pessoas? Substitua os pontos negativos em "Eu sou" para "Eu me comporto como..." ou "Eu me vejo como..."
Normalmente nos comportamos de um jeito negativo e acabamos fazendo de um comportamento parte da nossa identidade.
As vezes nossos pontos negativos só são comportamentos que podemos mudar ou desenvolver melhor.
Essas características negativas podem ser mudadas? Se sim, como você acha que faria isso?

2. Autoimagem - Qual é a sua visão sobre suas características físicas? Como você se descreveria para uma pessoa que não enxerga? Quais características físicas você mais gosta em si? Quais características física te trazem mais desconforto e por quê? Tente pensar em como essas características promovem alguma função ou benefício para a manutenção da sua sobrevivência.

3. Autoeficácia - Quais são seus objetivos como pessoa? Você tem algum sonho? O que você já conquistou ou pensa conquistar em sua vida? Pense em algo que você realizou em sua vida, ainda que simples, que te cause orgulho. Pode ser algo simples e corriqueiro. No que você é boa?

4. Autorreforço - De que forma você pode se compensar quando consegue fazer algo que queria? Um doce, um filme, um banho quente, uma compra? Você se sente feliz fazendo o que?

Essas reflexões sobre autoestima podem te fazer ter um autoconhecimento maior sobre a sua pessoa. Lembre-se, por mais que os aspectos negativos sejam automáticos, exija um esforço para tentar exercitar situações, opiniões e pensamentos positivos sobre si. Pratique o distanciamento e pense em terceira pessoa, não apenas observando seus pontos negativos, como pontos positivos sobre si mesma.

Não vai caber aqui, pois o texto ficará muito extenso, no entanto, acho que um treinamento de Habilidades Sociais com toda certeza poderia te beneficiar.
Esse trabalho é feito em consultório com mais detalhes, mas você pode pesquisar e tentar aprender algumas coisas sozinha. Pesquise no Google ou YouTube por:

1. Registro de Pensamentos Disfuncionais
2. O que são Distorções Cognitivas
3. Como flexibilizar pensamentos usando Terapia Cognitivo Comportamental
4. Como desenvolver Comunicação Assertiva
5. Técnicas para Regulação Emocional
6. Práticas de Mindfulness
7. Terapia dos Esquemas > Esquema de Abandono > Técnicas para Esquema de Abandono.

Existe uma infinidade de técnicas e caminhos na Psicologia para cuidar de suas questões. Você pode ir no posto de saúde mais próximo de sua casa e pedir orientações sobre atendimento psicológico gratuito em seu município, assim como consulta com clínico geral ou psiquiatras. Normalmente, faculdades que tenham o curso de Psicologia oferecem terapia gratuita e/ou com um valor acessível.

Só de ter deixado essa mensagem aqui é um indício de que você está tentando buscar ajuda para alguns de seus problemas. E acredite, existe uma forma de resolvê-los.
Temos uma tendência em achar que nascemos com algumas habilidades sociais, quando na verdade muitas delas são aprendidas, desenvolvidas. Existe um treinamento de como se comunicar, de como flexibilizar seus pensamentos, de como gerenciar nossas ansiedades e relacionamentos. Se for da sua vontade, você pode, sim, aprender a se relacionar de uma maneira melhor.
É impossível acabar com o medo ou com a ansiedade, pois são emoções humanas. Mas é possível aprender a conviver de uma maneira mais agradável com elas.

Você vai conseguir! Estarei na torcida!