A melhor resposta
15 ABR 2023
· Esta resposta foi útil a 5 pessoas
Olá, Luana. Como você está?
Posso perceber o quanto essa situação tem sido desconfortável para você, espero poder te ajudar de alguma forma.
A relação familiar tem um impacto significativo em nossa história, através do que vivemos, presenciamos e interpretamos em nosso convívio familiar, desenvolvemos maneiras de nos comportar diante de alguns conflitos, estratégias que nos façam sobreviver neste ambiente. Nestes casos, nem sempre temos os melhores recursos para lidar com uma situação, ou seja, tentamos nos proteger da maneira que é possível. Com você não foi diferente.
Em primeiro lugar você aponta que, ao entrar na adolescência, com um pouco mais de maturidade e consequentemente uma nova perspectiva, sofreu o impacto de perceber que a sua figura paterna era diferente da versão que, provavelmente, você tinha construído na infância.
Logo depois você fala sobre as brigas que presenciou no relacionamento de seus pais. Chamamos isto de Trauma Geracional e/ou Secundário. Apesar de você não estar no núcleo destes conflitos, você participou deste trauma presenciando e interpretando toda essa situação. E isso tem que ser levado em consideração, pois é uma dor que precisa ser cuidada.
Me parece, em sua fala, que você tem uma interpretação estabelecida sobre a postura de seu pai quanto ao relacionamento com sua mãe. Deixo aqui alguns questionamentos que você precisa esclarecer dentro de si:
Qual a sua visão sobre casamento?
Quais comportamentos você espera que as pessoas dentro de um casamento tomem?
Qual é a sua opinião sobre os comportamentos de seu pai?
Qual é a sua opinião sobre os comportamentos de sua mãe?
Por mais que você tenha expressado um pouco sobre isso em seu texto, essas perguntas podem te auxiliar a ter mais clareza sobre suas próprias interpretações diante desta questão.
Agora, gostaria de chamar atenção para este ponto no texto:
"Meu pai muitas vezes descontava a raiva dele em mim, ou no meus irmãos, era agressivo e logo depois se arrependia, poucas vezes se desculpava, ou forçava a barra e fingia que nada tinha acontecido, fazendo todos ficarem de boa com ele. E eu sempre cedia."
Percebo, neste trecho de seu discurso, que apesar de você querer resolver os conflitos familiares (o que é algo positivo), você fazia de forma passiva.
É possível resolver uma discussão, perdoar e, ainda assim, expressar seus pensamentos e sentimentos.
Sentir raiva, querer um tempo para pensar antes de conversar, querer que a pessoa te ouça ou que peça desculpas, querer que alguém pare de te fazer sofrer não te faz uma pessoa rancorosa.
Você tem o direito de sentir. Seja o que for.
Não existem emoções ruins, cada emoção tem uma função. Elas são mensageiras, são nossa primeira forma de linguagem.
A raiva, por exemplo, nos sinaliza quando um limite está sendo ultrapassado, quando um direito nosso está sendo violado, quando situações injustas estão acontecendo.
Expressar raiva não é ser uma pessoa agressiva, é identificar o incômodo e comunicá-lo de forma assertiva.
Uma psicoedução sobre Emoções também poderia te ajudar a entendê-las, aceitá-las e expressá-las. Não só com o seu pai, mas em qualquer outra relação que você venha a construir. Você pode pesquisar sobre emoções e suas funções.
Existe uma técnica na Psicologia que chamamos de Comunicação Assertiva. Ela é benéfica em inúmeras ocasiões, especialmente para resolução de conflitos.
Quando não expressamos nossos sentimentos sinceros e "cedemos" nossos direitos em nome de uma "paz" dentro das nossas relações, estamos tomando uma postura passiva.
Quando expressamos nossos sentimentos de forma desrespeitosa, sem se importar com os outros, tomamos uma postura agressiva.
A postura assertiva é o equilíbrio ideal entre se expressar e resolver o problema.
Toda vez que você quiser se expressar você pode usar esse modelo de conversa:
1. Descrever a situação que você considera um problema - Quando, onde e como ela acontece?
2. Expressar o que você sentiu/sente sobre essa situação - Raiva, tristeza, medo, nojo ou alegria. Use frases em primeira pessoa como "Eu me senti" e/ou "Eu sinto".
3. Deixe claro os motivos porque essa situação te fazer sentir da maneira acima, liste um ou mais motivos.
4. Faça uma sugestão de mudança para a pessoa.
5. Diga as vantagens que você e a outra pessoa teriam caso houvesse a mudança esperada.
Ex: "Pai, percebo que quando você briga com a nossa mãe, acaba descontando a sua raiva em mim ou no meu irmão, além disso, nunca percebe ou pede desculpa. Toda vez que isso acontece eu me sinto triste e com raiva. O respeito que eu sinto pelo senhor fica abalado, pois considero essa situação injusta. Eu gostaria que você não descontasse a raiva em mim e quando fizesse algo parecido tentasse conversar comigo e resolver as coisas. Acho que isso poderia melhorar a nossa relação como pai e filha, podemos nos aproximar mais e resolver nossos conflitos de uma maneira mais madura."
Opte sempre por uma comunicação mais respeitosa. Espere os ânimos se acalmarem. Não acuse, diga o que você sente. Fale sobre os comportamentos que a pessoa tem, não, propriamente, sobre a pessoa que ela é.
Aqui, podemos dar mais atenção a um padrão de comportamento:
Percebi que você desenvolveu uma resposta de enfrentamento evitativa quanto ao seu pai.
Você não conversa, não expressa seus sentimentos. Agora que moram em casas diferentes, você o evita. Me parece que essa é a maneira que você encontrou de lidar com essa situação. Acha que isso faz sentido?
Você não é uma filha ruim, só não está se comportando de maneira assertiva frente a seus desconfortos.
O que é completamente válido.
Nem sempre temos os recursos ou sabemos qual é a melhor maneira de lidar com uma situação. Essa foi a maneira que você encontrou e que funcionou para você evitar pensamentos e sentimentos conflitantes em relação ao seu pai.
No entanto, agora que você conhece essa técnica de Comunicação Assertiva, acha que ela pode te ajudar a tomar comportamentos mais funcionais em sua relação com seu pai?
Aqui fica um lembrete: Caso você opte por tentar conversar, lembre-se que você não pode controlar os comportamentos de ninguém. Se ele vai te ouvir com paciência e tentar mudar, isso é algo que você não tem controle. Sua única responsabilidade é se expressar, não por ele, mas por você mesma. Por ter respeito pelo seus próprios sentimentos.
Sempre se pergunte: O que está dentro do meu controle? Qual é a minha responsabilidade? E se concentre nisso.
Em último lugar, gostaria de chamar atenção para algo recorrente em sua fala: A culpabilização. É perceptível o quanto você se culpabiliza pelo que sente e pelos comportamentos que você toma.
Aqui é preciso enfatizar: Ninguém é 100% responsável pelo sucesso ou fracasso de uma relação.
Existe um exercício que você pode fazer.
1. Primeiro se questione: De zero a 100, quão culpada você se sente pelo afastamento entre você e seu pai?
2. Depois pegue um papel e uma caneta.
Escreva a situação que você se sente culpada: "Afastamento entre mim e meu pai".
Depois, escreva assim:
- Motivos
Eu:
Motivo 2:
Motivo 3:
Motivo 4:
E assim por diante. Tente pensar e escrever outros motivos que também possam contar para que você e seu pai tenham se afastado.
Considerando 100% de culpa, você vai colocar a porcentagem que você acha que cada motivo tem nessa culpa.
Mas atenção: Você vai deixar a sua porcentagem do para o final.
Ex:
Eu:
Traições: 50%
Brigas: 20%
Não pedir perdão: 10%
E assim por diante. No final você vai dar a porcentagem para você mesma. Os valores podem ser alterados para a soma no final dar 100%.
Esse exercício faz você distribuir essa culpa e perceber que, na realidade, você não é totalmente culpada por uma situação. Há, quase sempre, inúmeros outros motivos.
Todos nós estamos nessa jornada da vida tentando se apegar ao que temos, funcionar como podemos, resolver nossos conflitos da maneira que se apresenta mais compensatória.
O passo mais importante é sempre o primeiro. Aqui, ficou evidente a sua bravura em querer romper com os ciclos mal adaptativos da sua dinâmica familiar. Desenvolver novas formas de responder às dificuldades e se relacionar.
Caso sinta vontade, busque terapia, pois ela poderá facilitar todo esse processo.
Muita luz. Estou torcendo por você!