A melhor resposta
12 ABR 2023
· Esta resposta foi útil a 1 pessoas
Olá, Emily. Como você está? Parabéns pela bravura em escrever! Espero contribuir um pouco com a sua atual condição.
Todas as orientações que estarei dando partem do princípio que, apesar das discussões e conflitos entre você e sua mãe, não há evidências de abusos físicos no seu discurso. Em uma situação de riscos a abusos físicos, as orientações abaixo não devem ser seguidas.
Em primeiro lugar, gostaria de te dizer que relações são difíceis, especialmente as familiares. Na medida em que vamos crescendo, mudamos nossos objetivos e desejos, nosso lugar na dinâmica familiar também muda e isso pode trazer conflitos. Na vida adulta precisamos de mais autonomia para conseguir advogar por nossas vontades, vejo que na sua atual situação há um desequilíbrio entre suas expectativas e as expectativas de sua mãe. É o que acontece quando deixamos a infância e começamos a perceber que nossas vontades precisam ser sanadas por nós mesmos, não mais por nossos cuidadores.
Vamos pensar em algumas maneiras de resolver essa questão?
Não é possível aprofundar essa situação, mas gostaria de te oferecer alguns direcionamentos práticos:
1. Compreendi que a relação entre você e sua mãe é complexa, no entanto, você disse que com o passar dos anos houve uma melhora. Isso é um bom sinal, indica que talvez podemos tentar reconstruir essa harmonia.
Existe espaço para você conversar com sua mãe sobre a perspectiva que ela teve/tem em relação a sua criação como mãe solo? Através da sua fala “já que meu pai nos abandonou quando eu tinha 2 anos” pude perceber que esse abandono marcou a vida de vocês duas. Você sabe o que sua mãe sentiu sobre esse fato? Como foi essa fase pra ela? O que ela pensa sobre todo esse processo de maternidade solo? Seria um bom ponto de partida para você entender a visão dela, algumas de suas aflições e gatilhos. Que tal você pedir para ter essa conversa? Preparar um lanche somente vocês duas, um momento íntimo. Explicar o porquê de querer entender o lado dela. Faça essa pergunta também a si mesma: Como essa ausência impactou a sua vida? Quais suas emoções ou pensamentos a respeito? Caso você se sinta à vontade, acha que poderia compartilhar com ela como foi esse processo para você também?
2. O segundo passo seria um complemento do primeiro. Através da sua fala “eu ainda tenho mágoa dessa discussão” seria uma oportunidade para você ter uma conversa sobre como as falas da sua mãe em momentos de discussão que te afetam. Algum momento vocês já conversaram sobre como vocês funcionam em uma discussão? Esteja aberta para ouvir caso ela tenha algo para falar em relação a você também. Instrua a ela para que não te ofenda, mas que sinalize um comportamento que ela gostaria de mudar.
3. A terceira dica é Como você vai dirigir essa conversa entre vocês duas. Em consultório, treinamos os pacientes a usar algumas técnicas de Comunicação Assertiva. A Comunicação Assertiva serve para comunicarnos uma necessidade ao outro sem que seja de forma passiva (sem resolver o problema) ou agressiva (criando novos problemas). Você pode usá-la para tentar ter uma conversa produtiva, sem que ela se torne uma discussão. Ter uma fala clara, objetiva, sincera e respeitosa. Tentar não gritar e se mostrar disposta a ouvir. Não critique a pessoa, critique o comportamento. Usar sempre frases como “eu sinto...”, “eu acho que...", sempre falando na primeira pessoa. A fórmula básica pra formar qualquer Comunicação Assertiva é assim: Descrever a situação, dizer como você se sentiu, explicar o porquê da situação ser um problema e pedir uma mudança, explicando o porquê da mudança pode ser boa para ambas as partes. Você também deve considerar alguns pedidos que a outra pessoa venha a fazer durante a conversa. Você também pode elogiar um ponto positivo sobre a pessoa antes de fazer a crítica.
Exemplo:
A) “Quando discutimos da vez X e a senhora disse “Diga a frase que ela usou” e eu me senti “Diga a emoção que você sentiu”. Ouvir aquilo foi doloroso, pois mexeu comigo "Diga os motivos da fala ter te afetado, foi sua autoestima? Foi seu senso de valor? Você se sentiu humilhada, desamada, sem valor?". Entendo que quando brigamos é difícil controlar as coisas que falamos na hora da raiva, mas gostaria que a senhora tomasse cuidado com o que diz, pois isso pode me magoar. Nossa relação melhorou durante um tempo e eu estava feliz em como estávamos nos dando bem "Você pode dar exemplos de bons momentos durante esse período", mas preciso que a senhora entenda o meu lado e converse comigo de outra maneira, sem gritar, sem me ofender ou me dar as costas quando estou falando. Eu também quero respeitar e ouvir a senhora."
B) “Mãe, eu gostaria de tentar conversar com a senhora sobre nossa relação. Podemos ter essa conversa? Por favor, peço que me escute com carinho e atenção, deixe eu finalizar antes de falar. Recentemente estou sentindo que minha privacidade tem sido prejudicada e isso tem me deixado triste e ansiosa. Eu sei que a senhora teme que eu engravide, imagino que isso cause medo e preocupação, mas eu quero e necessito de um pouco mais de espaço com meu namorado. Me sinto desconfortável de dormir com ele no mesmo ambiente em que a senhora. A senhora pode me ajudar de outras formas: Eu gostaria de ter o seu apoio, me sentir confortável pra conversar e tirar dúvidas sobre essa nova fase. Eu me comprometo em me proteger, buscar ajuda médica e evitar uma gravidez indesejada. Mas eu preciso que a senhora entenda que sou uma adulta e que tenho o direito de me relacionar e desenvolver meu relacionamento com meu namorado. Acho que podemos nos aproximar mais e melhorar nossa relação se a senhora me compreender e respeitar os meus limites. Também estou disposta a ouvir a senhora e conseguir pensar em um jeito de resolver esse problema da maneira que seja melhor para nós duas.”
4. Ainda que você já seja uma adulta é necessário que você pesquise sobre educação sexual. Você pode ter conhecimento sobre alguns assuntos nessa área, mas conhecimento nunca é demais. Sugiro que você marque uma consulta no posto de saúde mais próximo com um ginecologista ou com um clínico geral (ele pode te encaminhar para um ginecologista depois). Através do SUS você consegue contraceptivos de forma gratuita. E sempre use camisinha, ainda que seja com seu parceiro, pois assim você evita a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Uma das suas responsabilidades como adulta é se apropriar de conhecimento sobre sua saúde como mulher e isso inclui a sua saúde sexual e reprodutiva. Pesquisar e buscar atendimento especializado é um passo essencial em busca de independência e autonomia.
5. Falando nisso, percebo que você tem a Autonomia como um objetivo a ser alcançado e além de se responsabilizar por sua saúde, um passo importante para alcançar esse objetivo é ter uma fonte de renda. Você se enquadra no perfil de pessoas que podem participar do Programa de Jovem Aprendiz (jovens de 14 até 24 anos). Essa é a porta de entrada para o mercado de trabalho, uma ótima alternativa. Você pode pesquisar os portais de emprego do seu estado buscando vagas de Jovem Aprendiz e se inscrever para o máximo de vagas que conseguir. Alguns exemplos desses portais são SINE, SENAI, CIEE, entre outros. Outra porta de entrada para o mercado de trabalho são vagas de Operador de Call Center/Telemarketing, você também pode se candidatar a essas vagas como um ponto de partida para alcançar um emprego e, consequentemente, autonomia. Para essa etapa, pesquise no Google dicas de como se preparar para entrevistas de emprego. Se possível, faça cursos gratuitos de Word, Excel e conhecimentos de Atendimento ao Público básicos. É possível encontrar esses cursos na plataforma Trabalha Brasil com certificados gratuitos. Outra opção seria pensar: É possível você começar a empreender em alguma coisa? Qual caminho você deseja escolher?
Gostaria de finalizar abordando o seu medo de iniciar uma conversa com sua mãe baseado em sua fala “além de morrer de medo dela, da reação dela, porque mesmo tentando conversar com ela pra compreender meu lado, ela se irrita e começa a falar coisas que me magoam”.
Todas as vezes que você tentou ter uma conversa difícil com sua mãe, ela foi agressiva? Você consegue pensar em alguma ocasião em que tentou conversar e ela foi favorável?
Emoções são naturais, é completamente natural que você cause emoções não tão agradáveis em sua mãe nessas ocasiões. Você é responsável pelo que diz, mas não é responsável pela reação das pessoas. A maneira como sua mãe vai lidar com essa conversa vai indicar o nível de maturidade dela. Seu único dever é ser respeitosa ao abordar o seu desconforto.
Como são as falas da sua mãe? Por que razão você acha que ela usa da agressividade para reagir a esses conflitos e como você se comporta depois deles? Todo comportamento tem uma função. Eu compreendo como deve ser difícil ouvir determinadas palavras, isso pode ser extremamente doloroso. Mas, se depois de uma fala difícil partindo de sua mãe, você acaba se silenciando e não permanece firme e fiel aos seus direitos como pessoa, a quem esse comportamento de evitação está servindo?
Por mais que você opte por evitar tentar construir uma conversa séria com sua mãe por medo de sua reação, o conflito já existe entre vocês duas e ele precisa ser resolvido. "Paz sem voz, não é paz, é medo". O silêncio não faz o conflito ser resolvido. É possível que você vá precisar lidar com o desconforto de uma discussão, mas se pergunte: “Quais desconfortos você estou disposta a sentir para tentar alcançar a minha independência?".
Talvez seja complexo o que vou dizer agora, mas, saiba que o diálogo tem eficácia até certo ponto. Em algumas áreas da nossa vida, às vezes podemos dialogar, compreender algo racionalmente, mas vamos acabar agindo e repetindo os mesmos padrões de comportamento, reagindo de forma automática baseada em nossos traumas. Você pode se perguntar: “Sua mãe, por acaso, estaria se comportando através de um padrão desses, se comportando de maneira hostil através de um medo particular?”, “Esse é um problema de diálogo ou um problema de padrão traumático, do qual conversar não vai adiantaria?”.
Se conversar não for a alternativa para resolver esse problema, qual seria a melhor estratégia?
Essa foi uma tentativa breve de te ajudar de maneira prática diante dessa situação. Continue batalhando por seus direitos e limites. Já é algo benéfico perceber que você tem o desejo por independência e que sabe o que verdadeiramente quer. A vida adulta é complexa e muda a todo instante, mas parte desse amadurecimento é querer lutar por si dentro das relações com os outros. E isso vejo que você está tentando fazer. Está no caminho certo! Por mais que as coisas pareçam não ter solução, acredite, a maioria dos nossos problemas tem um jeito. Escolha sempre o caminho do meio, o equilíbrio, o respeito por você e pelos outros.
Estarei na torcida!