Ele não te bate, mas...

O lar é o lugar onde você se sente bem, confortável, onde se sente amado, em que pode ser quem é. Um espaço seguro de desenvolvimento e proteção. Ao menos é assim que deveria ser.

24 MAI 2018 · Leitura: min.
Ele não te bate, mas...

O lar é o lugar onde você se sente bem, confortável, onde se sente amado, em que pode ser quem é. Um espaço seguro de desenvolvimento e proteção. As pessoas que fazem parte desse círculo tão íntimo são as mais queridas, confiáveis e estáveis. Ao menos é assim que deveria ser. No entanto, o lar, a casa, é o local que mais registra ocorrências de violência contra as mulheres.

Nas relações românticas, o número é alarmante. Dados do Balanço 2014 do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher(SPM-PR)aponta que em mais de 80% dos casos de violência reportados, a agressão foi cometida por homens com quem as vítimas têm ou tiveram algum vínculo afetivo: atuais ou ex-companheiros, cônjuges, namorados. E a cada ano os números só crescem.

Antes da criação da lei Maria da Penha (LMP) (nº 11340/2006), a violência que acontecia dentro do contexto familiar era vista como de baixo potencial ofensivo e as penas para os abusadores eram muito brandas e pouco ofereciam de compensação para as vitimadas. Hoje, apesar de todas as críticas que podem ser feitas a legislação e aplicação da lei, observa-se avanço.

A violência é um fenômeno complexo, multifatorial e que se apresenta de formas variadas; dificilmente se inicia abertamente. Momentos velados, crises de ciúme, episódios de raiva incontida ou mesmo comentários desdenhosos podem ser o início de uma relação abusiva.

Existem vários tipos de violência e todas tem um impacto negativo na vida das pessoas vitimadas, podendo inclusive levar a morte. A título de exemplo, usarei a tipificação presente na LMP, em que diferencia-se violência como:

1) Psicológica;

2) Física;

3) Moral;

4) Sexual;

5) Patrimonial.

Por se tratar da mais encoberta, a violência psicológica é muitas vezes confundida como parte normal de uma relação, dificultando sua identificação por parte dos envolvidos.

Pensando nisso, enumerei abaixo alguns exemplos, para orientação. Vamos lá?

Ele (ela) não te bate, mas:

a) Diz que você não pode sair sem que ele deixe ou permita: Esse tipo de frase pode ser disfarçada com uma preocupação como "o mundo está muito perigoso, é melhor você não sair sem mim". Nesse segundo caso, se a parceira resolve sair, ocorre um episódio de intensa culpabilização, indicando que a vítima se expôs a um risco desnecessário.

b) Chama-a de adjetivos que diminuem: vagabunda, vadia, inútil são apenas alguns exemplos de um vocabulário depreciativo vasto. O que importa é fazer com que a vítima se sinta desvalorizada e se sujeite as vontades e ordens do abusador.

c) Não gosta que você se vista como deseja e manifesta isso de forma a depreciá-la: falas como "só uma vadia usaria esse vestido", "mulher minha não usa roupa assim", "mulher que se dá ao respeito não usa batom vermelho", entre outras. O modelo de conduta é o que o abusador acha apreciável e não necessariamente o que a vítima goste ou se sinta confortável.

d) Vigia seus passos e quer saber sempre onde e com quem você está: não é possível ir a padaria sem informar ao parceiro e sem a permissão dele. Para algumas vítimas, a vigilância é tao intensa que tem seus números grampeados e monitorados por GPS. Vários podem ser os motivos alegados, no entanto o objetivo é controlar a vítima, restringindo seus contatos sociais, o exercício de uma vida feliz ou qualquer coisa que não seja do desejo de quem abusa.

e) Acusa-a de prejudicar o relacionamento quando você faz algo sem ele ou sem a sua permissão: esse é uma situação muito comum para os que viveram ou vivem uma relação abusiva. Tudo o que é feito pela vítima pode se tornar motivo de briga ou discussão, na qual o abusador demonstra que a culpa é sempre do outro e que ele está destruindo a relação com seu comportamento. A única saída é obedecer aos seus comandos.

f) Não te apresenta para nenhum amigo ou familiar porque você não sabe se comportar em público: comentários como "você não sabe falar direito", "você é uma burra", "deixa que eu falo as coisas", "por isso que eu não te levo a lugar nenhum" são alguns exemplos. O intuito desse tipo de comentário é demarcar a vítima como incapaz de se relacionar de maneira apropriada, mantendo o controle do abusador sobre ela.

g) Diz que está com você porque ele é o único que a suportaria: esse tipo de comportamento tende a aparecer quando a violência já está instalada. O abusador demonstra que a companheira não deve buscar novos contatos sociais, já que é insignificante, chata ou insuportável. O intuito é manter a vítima isolada e sem possibilidade de buscar ajuda.

h) Não se importa com como você se sente: esse aspecto diz respeito a omissão quanto as necessidades da parceira. O foco é sempre no que o abusador deseja e não em como a vítima está.

i) Diz que vai se matar (ou matar você), caso a relação termine: talvez o exemplo de mais fácil identificação na violência psicológica. Os objetivos são causar medo (quando a ameaça é dirigida a vítima) e culpa (caso a ameça seja contra a própria vida).

j) Diz que você não deveria tentar estudar ou trabalhar, porque é muito burra: outras frases desse tipo são "acho que isso é muito difícil para você", "não é um lugar adequado para uma mulher". Novamente, a ideia é isolar a mulher e torná-la cada vez mais dependente do abusador.

Essas frases são apenas algumas das que permeiam as relações abusivas. Poderia me alongar em enumerá-las, no entanto creio que abarcam em grande parte o que delimita uma violência como psicológica. Independente da crença que sustente o ciclo de violência, essa é uma violação, um crime. A vítima nunca é culpada. Nada justifica uma ação ou omissão violenta.

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Escrito por

Liediani Souza

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