Você conhece o ciclo da violência doméstica?

No Brasil, uma mulher é vítima de violência doméstica a cada 15 segundos. Esse tipo de crime segue um ciclo e conhecê-lo é fundamental para conseguir romper com a dinâmica de violência.

19 SET 2016 · Leitura: min.
Você conhece o ciclo da violência doméstica?

A violência doméstica é uma realidade imutável para muitas mulheres brasileiras. No Brasil, a agressão contra a mulher ocorre a cada 15 segundos e os companheiros são responsáveis por quase 70% dos homicídios do sexo feminino. A psicóloga Maitê Hammoud explica o ciclo desse tipo de crime.

O mais intrigante desses dados estatísticos é que eles são baseados apenas nos casos documentados formalmente, estimando que os números devam ser muito superiores. Em 72% dos casos, as vítimas continuam a viver com seu agressor, alertando sobre a importância da conscientização e reflexão do tema.

Diferente do que a maioria das pessoas pensa ou conhece, a violência doméstica não se restringe a casais, podendo envolver pessoas com laços afetivos ou de parentesco. Não é apenas caracterizada pela violência física (agressões ou lesões corporais), mas também através de violência sexual (estupro), psicológica (ameaça, perturbação da tranquilidade), moral (injúria, calúnia, difamação) e a patrimonial (dano, furto, apropriação).

Tipos de violência que podem (e devem) ser denunciados

Os tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha como infrações sujeitas a realização do boletim de ocorrência para alerta e conscientização são:

  • Vias de fato: agressões que não deixam marcas físicas como tapas, puxões de cabelo, empurrões, etc.;
  • Ameaça: prometer causar mal a alguém, normalmente verbalizada através de frases como ''eu vou te matar'', ''se você não for minha não será de mais ninguém'';
  • Lesão corporal: agressão que deixa marcas aparentes no corpo, como, por exemplo, cortes, vermelhidões, hematomas e escoriações;
  • Estupro: conjunção carnal ou outro ato libidinoso com vítima adulta, contra sua vontade, mediante violência ou grave ameaça. Pode ser sexo oral, sexo anal, manipulação genital, etc.;
  • Estupro de vulnerável: ocorre quando a vítima é menor de 14 anos, deficiente mental ou quando, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (vítima dormindo ou dopada, por exemplo);

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  • Tortura: submeter alguém a intenso sofrimento físico ou mental;
  • Injúria: ofender a honra da vítima, chamando-a de ''vadia'', ''prostituta'', ''vagabunda'', etc.;
  • Difamação: imputar um fato ofensivo à reputação, como, por exemplo, dizer que ''a vítima saiu com outro homem'';
  • Calúnia: imputar falsamente um ato criminoso, como, por exemplo, dizer que a vítima ''roubou'', ''está traficando'', ''praticou estupro contra menores'', etc.;
  • Coação no curso do processo: ameaçar a vítima para que desista do processo.

O Ciclo da Violência Doméstica

A violência doméstica contra a mulher obedece a um ciclo caracterizado da seguinte maneira:

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Fase 1

Temos a evolução de tensão. O agressor apresenta comportamento ameaçador e violento, que pode ser percebido em ofensas verbais e destruição de objetos da casa, por exemplo. A vítima, por outro lado, apresenta postura passiva e paciente, sentindo-se responsável pelas explosões do companheiro.

Fase 2

É quando acontece o incidente de agressão. Com a tensão além do limite, o agressor apresenta comportamento descontrolado e as agressões contra a vítima são de grande intensidade, sendo que, a cada novo ciclo, as agressões tornam-se mais violentas. A vítima, nessa fase, encontra-se extremamente fragilizada.

Fase 3

Chega-se ao período da Lua de Mel. O agressor sente-se arrependido e com medo de ser deixado pela vítima e, por isso, apresenta comportamento atencioso e carinhoso, com promessas de mudanças e de uma vida feliz. A vítima acredita na mudança do agressor, confiando que os episódios de violência não se repetirão. Aos poucos, o casal retorna à fase de tensão no relacionamento (fase 1).

Refletindo sobre o Ciclo da Violência Doméstica

O acompanhamento psicológico é fundamental às vítimas, permitindo não só o fortalecimento emocional para a tomada de decisões, como também promovendo a reflexão sobre sua responsabilidade na permanência dos cenários violentos e escolha de parceiros. O entendimento por parte da vítima de sua participação nesses episódios será determinante para o seu empoderamento, capacitando-a para realizar a quebra do ciclo.

E o rompimento virá não só na busca por direitos e proteção, como também através da escolha de seus futuros parceiros (é comum que a vítima busque o envolvimento com companheiros que possuem características em comum, podendo encerrar um relacionamento violento, mas vivendo o mesmo cenário posteriormente).

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Vale lembrar que existem fatores comuns às vítimas, como autoestima prejudicada, sentimentos de inferioridade, medo, submissão, depressão, tristeza e também conteúdos inconscientes presentes em suas histórias de desenvolvimento e familiar; acabam por atuar como um imã na eleição dos parceiros. Também é comum que as vítimas tenham experienciado situações de violência em sua família durante seu desenvolvimento.

A repetição do ciclo também condiciona a mulher à Síndrome do Desamparo Aprendido, isso é, a mulher acredita que, independente do que faça, é incapaz de controlar o que acontece consigo, possuindo sentimento de impotência e incapacidade para enfrentar situações. Isso alimenta um comprotamento passivo, sem nenhuma possibilidade de ação, mesmo quando há oportunidades de sair da situação.

Tente refletir sobre sua relação

É extremamente importante que a pessoa seja capaz de olhar para sua relação e fazer as perguntas certas:

  1. Como era o relacionamento de vocês antes das agressões?
  2. Quando reparou uma mudança significativa na relação?
  3. Essa foi a primeira agressão?
  4. Como eram seus relacionamentos anteriores?
  5. Você já presenciou episódios agressivos em outros momentos da sua vida?
  6. Como era sua relação com seu pai e sua mãe?
  7. Você percebeu algum sinal de que isso poderia acontecer algum dia?
  8. Você nunca reparou certa agressividade nele?
  9. Você tem esperança de que ele possa vir a mudar?
  10. O que ele significa para você?shutterstock-388078855.jpg
  11. Quais os pontos positivos e negativos dessa relação?
  12. Ele já era agressivo quando vocês iniciaram a relação?
  13. Você já se imaginou vivendo sem esse homem? Como seria?
  14. É possível ser merecedora de um relacionamento saudável?
  15. Há alguma coisa que você poderia fazer para se distanciar dele?
  16. Por que você acha que se submete às agressões?
  17. Qual o seu papel nessa relação?
  18. O que a mantém nessa relação?
  19. Por que você escolheu esse homem para ser o seu parceiro?
  20. Sua família sabe o que acontece com você nesse momento?

Previna! Não seja uma vítima

Como prever sinais de alerta de que um relacionamento poderá se tornar violento? Não se trata de uma pergunta fácil de responder, mas existem alguns sinais que ajudam a identificar as chances de uma relação se tornar violenta:

  • comportamento controlador: sob o pretexto de proteger ou oferecer segurança, a pessoa potencialmente violenta monitora os passos da vítima e tende a controlar suas decisões, seus atos e relações;
  • rápido envolvimento amoroso: em pouco tempo a relação se torna intensa e insubstituível. A futura vítima sente-se culpada por tentar diminuir o ritmo de envolvimento, sendo seduzida com frases que a convencem de que o agressor nunca amou ninguém desta forma anteriormente;
  • expectativas irreais: a pessoa violenta desenvolve expectativas irreais com relação a parceira, desejando que ela ocupe as funções de mãe, esposa, amiga, etc. Acaba colocando-a em posição de isolamento, tentando impedir, das mais variadas formas, que ela tenha liberdade para viver, estudar ou trabalhar;
  • suscetível: a pessoa violenta mostra-se facilmente insultada, ferida em seus sentimentos e enfurecida com o que considera injustiças contra si;
  • crueldade: revela intolerância e crueldade com animais, crianças ou pessoas de seu convívio;
  • abusos verbais: normalmente caracterizados com conteúdo depreciativo e grosseiro. Havendo outros abusos ou situações de violência em seu passado, tentará justificar responsabilizando as vítimas.

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Não deixe de procurar ajuda

Se você se identifica com alguma dessas situações de agressão ou percebe padrões violentos em seus relacionamentos, sentindo-se submissa e com a autoestima prejudicada, não deixe de procurar ajuda de um psicólogo para que seja possível a reflexão, fortalecimento e empoderamento, como também a possível elaboração de eventos traumáticos.

Na hora de defender seus direitos e buscar proteção, procure a Delegacia de Defesa da Mulher, onde será realizado o boletim de ocorrência para noticiar o fato. A vítima receberá orientação e, dependendo de cada caso, serão solicitados exames periciais (corpo de delito, exame sexológico, perícia nos instrumentos utilizados na prática delituosa, etc.).

A Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas de urgência, que serão concedidas pelo juiz. Você deve solicitá-las ao realizar o boletim de ocorrência, caso acredite que esteja correndo perigo. Dentre as medidas protetivas existentes, as principais são:

  • afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima;
  • proibição de determinadas condutas, dentre elas o contato com a vítima, seus familiares e testemunhas, por qualquer meio de comunicação;
  • proibição de frequentar determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima;
  • restrição ou suspenção de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
  • prestação de alimentos provisórios ou provisionais.

Se você conhece alguém em situação de violência e não sabe como ajudá-la, denuncie anonimamente através do telefone 180.

Fotos: por MundoPsicologos.com / Gráfico: Maitê Hammoud

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Escrito por

Maitê Hammoud

Psicóloga clínica com curso de aperfeiçoamento em psicanálise, é especialista no atendimento de adolescentes, adultos e terceira idade. Seguindo a abordagem psicanalítica e da terapia breve, atua com foco em transtornos emocionais e comportamentais, relacionamentos interpessoais e questões familiares.

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