Sobre gatos e cachorros, crianças e o tempo

O sofrimento de uma criança ao perder seu animal não deve ser desprezado. Ele é intenso e importante para o entendimento da vida. Sobre perdas, respeito ao tempo e a educação.

13 JUL 2015 · Leitura: min.
Sobre gatos e cachorros, crianças e o tempo

Presentear uma criança com animal de estimação é um ato de amor e o início de uma jornada de profundos aprendizados. Além da responsabilidade do zelo com o bichinho, a criança vai desenvolver afeto e apego, vai vivenciar seu crescimento, vai ensiná-lo truques e deveres, como o lugar certo das necessidades. Na doença, a criança experimentará a preocupação, a apreensão, a ansiedade. E em algum momento, este inevitável, lidará com a falta de seu animalzinho.

O sofrimento de uma criança ao perder seu animal não deve ser desprezado. Ele é intenso e importante para o entendimento da vida. Muitas vezes, sem saber como lidar com a situação, a família resolve esta falta preenchendo-a de alguma outra forma. Presenteando com outro animal, ou com brinquedos, ou – pior – diminuindo a importância deste sofrimento, através de palavras ou repreensões.

Não é fácil lidar com o choro da criança, afinal, a vida continua, tem escola no dia seguinte, os pais precisam trabalhar, a rotina precisa ser restabelecida. Este é um sintoma típico de um tempo que não valoriza o próprio tempo – de maturação, do sentir, do vivenciar cada etapa que a existência nos oferece.

Valorizamos intensamente os modelos que chamamos de felicidade. Tudo está bem quando tudo está em plena ordem. A criança vai para escola, e lá se adapta bem, aprende bem, tem amigos e volta sorrindo. Os pais buscam a estabilidade financeira para manter a estrutura que almejaram, algumas vezes tendo que abrir mão até mesmo de estarem mais presentes para os filhos. A ordem torna-se rotina e a meta é mantê-la funcionando.

Mas o fluxo da vida é diferente. Produz rupturas, mudanças e o inevitável destino final. A morte nos lembra que a existência humana também precisa aprender a lidar com a falta e com o sofrimento que ela causa. A ausência, seja de um animalzinho ou de uma pessoa, nos leva a um profundo processo de sofrer e pensar na inevitável transformação que nós mesmos temos que passar, para lidarmos com as mudanças consequentes desta falta.

Compreender a impermanência de todas as coisas é algo absolutamente essencial para nosso amadurecimento. A morte do corpo é o fenômeno maior da natureza para nos lembrar dessa condição, mas enquanto símbolo ela ocorre diariamente em nossa vida. Enquanto o corpo não morre completamente, aspectos de nós mesmos precisam morrer para dar movimento à vida e proporcionar a ela novos significados.

Essas transformações não ocorrem primariamente no campo da razão. São as emoções ("emovere", mover para fora) que nos impulsionam nos caminhos do auto desenvolvimento. E é justamente o sofrer, seja como for que se manifesta este sofrimento, que por vezes negligenciamos, negamos ou nos esquivamos. O sofrimento, no entanto, conduz a importantes oportunidades para refletirmos sobre nós mesmos. E é nesse ponto em que a razão pode estar alinhada, atenta aos sentimentos, ou simplesmente negá-los como desprezíveis para "seguir em frente".

Em uma época onde as coisas se aceleram, o tempo torna-se um problema. Quer dizer, se eu julgo que tenho um problema, o tempo não é meu aliado, pois preciso de soluções práticas e rápidas. Mas não existe uma tecnologia capaz de cessar um sentimento. Podemos desviar o foco, nos preenchendo com outras sensações, ou nos dopar com algum remédio, mas se não trabalharmos em nós o que estes sentimentos querem nos dizer, perdemos a oportunidade de amadurecer o conhecimento que temos sobre o que verdadeiramente somos. E a sombra destes sentimentos persistirá de alguma forma em nossas vidas.

Tempo e sentimento estão ligados desde o nascimento. Cada ser os vivencia de forma muito particular. E é na infância que começamos a aprender a lidar com essa relação. A criança sente de forma muito intensa e se não aprende a acolher cada sentimento e vivenciar o tempo certo para que eles se manifestem e se dissipem de forma apropriada, terá muita dificuldade de os aceitar na adolescência e fase adulta. Os pais precisam ajudar a criança orientando-a sobre os fenômenos da vida, mas também dando espaço e tempo para que a criança vivencie plenamente estes sentimentos. O mesmo amor que dispõem em acolher os momentos de felicidade deve estar presente para acolher com compaixão os momentos de tristeza e luto.

É preciso compreender que esta condição vale para o bichinho de estimação que se foi, mas também para as dificuldades na escola, para os desafios presentes nos relacionamentos, para as frustrações por não se ter o que deseja… Educar bem não é medido pelo grau de felicidade e satisfação da criança. Esta postura leva a consequências danosas para seu desenvolvimento, na medida em que ela não aprende a lidar com frustrações, não aprende a lidar com as perdas, não aprender a aceitar suas próprias dificuldades e assim não aprende a lidar com a diversidade da vida, em seus encantos e suas sombras.

Respeitar a criança em seu próprio tempo de desenvolvimento, dos pequenos aos grandes desafios, pode significar ir de encontro aos sistemas que não percebem o amadurecimento do ser como um processo da natureza. As escolas tendem a pressionar as famílias quando a criança não aprende no tempo que considera ser o certo, ou quando a criança apresenta dificuldades emocionais ou de atenção. Essa é uma questão de consciência. O que valorizar, sobretudo? Como terapeuta, minha opinião é de que qualquer ajuda, seja em psicoterapia ou em aconselhamento pedagógico, deve levar em conta o que a criança é e o tempo que ela precisa levar para vivenciar seus movimentos internos. A terapia deve ajudar a criança a compreender seu momento e a compreender a importância do tempo na impermanência dos fatos da vida, inclusive de seus sentimentos.

A tristeza da perda de um bichinho de estimação, de um brinquedo ou a frustração de não ter ido bem em uma prova deve ser acolhida e compreendida como parte de um aprendizado maior sobre a vida. Felicidade não se sustenta pela ordem das coisas, mas pelo saber de todas as potencialidades que a vida nos oferta. Percebendo que tudo passa e que o tempo cura, quando sabemos para onde ir.

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Escrito por

Psicologia e Paideia - Rafael Ladenthin Menezes

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