Nao corra riscos!

Os pais e educadores temem que os adolescentes e jovens encontrem as drogas em seu caminho. Mas irão encontrá-las. O que fazer então?

2 JUN 2016 · Leitura: min.
Nao corra riscos!

Ao ler um trabalho da Dra. Marsha Rosenbaum, pude perceber que como ela, em um momento de minha vida, desejei que as drogas magicamente desaparecessem e que meus filhos, quando ficassem adolescentes estivessem totalmente livres delas. Mas como especialista na área de drogas, sabia que esse meu desejo era uma fantasia.

Todas as pesquisas mostram que um grande número de adolescentes experimenta drogas ilícitas antes de terminar o ensino médio. Observando os dados do mais importante levantamento de uso de drogas ilegais por estudantes brasileiros de ensino fundamental e médio podemos analisar uma série histórica desde 1987, quando o 1º estudo foi realizado, até 2010, com dados levantados pelo 6º estudo. Essa análise nos mostra que no Brasil, nesses 23 anos, a média de uso na vida (pelo menos uma vez) de drogas ilegais entre estudantes ficou no patamar entre 22% e 24%.

Portanto, nossos esforços devem estar voltados não só para a prevenção focada naqueles que nunca utilizaram drogas, mas também para prevenção dos danos possíveis, caso já usem ou venham a usá-las. Esta proposta é, portanto, de educação preventiva e de políticas alicerçadas na realidade, ou seja, em experiências profissionais e em pesquisas, com objetivo fundamental de garantir a saúde, a segurança e o bem estar do jovem.

Nossa esperança é que educadores, pais e outros que busquem por estratégias pragmáticas para ajudar jovens se inspirem nos princípios desta proposta e desenvolvam programas sustentáveis e honestos para as escolas em que atuem.

Um novo tempo...

Adolescência é um tempo para experimentação do novo e de correr riscos. Os programas convencionais de educação preventiva em drogas focam predominantemente em mensagens de abstinência, o que é uma meta louvável, mas que são modelados em mitos problemáticos:

  • Mito #1: experimentação de drogas não é um fator comum da cultura adolescente/jovem.
  • Mito #2: uso de drogas é a mesma coisa que abuso de drogas.
  • Mito #3: Maconha é a porta de entrada para drogas como a cocaína e o crack.
  • Mito #4: Exagerar os riscos fará com que o jovem não experimente drogas.

Abstinência pode ser o que todos nós preferiríamos para nossos jovens, mas este pode ser um objetivo de realização impossível, pelo menos dentro da realidade em que vivemos. Portanto, nossos esforços têm de se concentrar na redução de danos possíveis e assim proteger nossos jovens.

As escolas buscam solucionar os casos relacionados a drogas muitas vezes com punições, mas pesquisas internacionais mostram que punições não modificam as escolhas do adolescente, ou melhor, muitas vezes reforçam comportamentos inadequados e ressentimentos. Nossa busca deve ser, portanto, por soluções honestas, informações baseadas na realidade e com assistência humanizada no lugar de exclusão de um aluno:

  • Educação preventiva em drogas deve ser honesta, balanceada, interativa e desenvolvida com a participação de todos os alunos.
  • Intervenção para estudantes que necessitem de ajuda deve ser parte integrante da educação em drogas.
  • Propostas reestruturantes em que os próprios jovens identifiquem os danos causados por eles e sugestão de possíveis reparações deve substituir outras formas de punição.

O estudo do Cebrid "II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do país: 2005" apresentou dados que provam que o acesso a drogas é considerado muito fácil pela população em geral do Brasil, incluindo a faixa etária de 12 a 17 anos: existem relatos de uso das mais variadas drogas, bem como facilidade de acesso às mesmas e vivência de consumo próximo. Este dado enfatiza a necessidade de aprimoramento de programas de prevenção nesta faixa etária. Consideram fácil conseguir maconha 57,1% desses adolescentes e, cocaína, 43,4 %.

Se o acesso é percebido como fácil, usá-las fica muito mais fácil: é só observarmos o uso abusivo de álcool por jovens menores de 18 anos. Finalmente, 7,8% dos adolescentes entre 12 e 17 anos relataram ter sido abordadas por pessoas querendo vender-lhes droga... Para uma comparação, nos Estados Unidos, onde, em 2004, 46% dos estudantes de nível médio haviam usado maconha pelo menos uma vez na vida e 71% ingerido bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida, campanhas massivas de prevenção baseadas no Just Say No e abstinência universal foram realizadas, mas tanto no Brasil, país em que o uso de drogas por estudantes é bem menor que em outros países, como os Estados Unidos, as estatísticas mostram que nunca atingimos uso zero de drogas lícitas ou ilícitas entre estudantes.

Isto talvez porque vivamos em uma sociedade onde a gama de substâncias legais, incluindo o álcool, os medicamentos de livre acesso e remédios controlados sejam não somente tolerados, mas promovidos e popularizados inclusive com auxílio da mídia.

Pode-se concluir através de dados empíricos que os esforços de prevenção para os pré-adolescentes dos anos 90, não atingiram seus objetivos de redução do uso de álcool e maconha, que são drogas populares para os jovens.

Propostas possíveis?

Programas de prevenção que buscam "imunizar" os adolescentes contra um futuro uso de álcool e outras drogas vêm falhando sistematicamente. Principalmente porque os conteúdos programáticos utilizados desde as primeiras séries do ensino fundamental até o final do médio passam as mesmas mensagens – simplesmente "revestidas" com linguagem um pouco mais adequada à faixa etária.

Mas os adolescentes não pedem permissão aos adultos para saber se podem usar álcool, fumar cigarro ou experimentar maconha ou outra droga. Estes jovens seguem as normas de seu próprio meio social, assim como o fazem em relação à linguagem e gírias, vestimenta, comportamento sexual ou escolha musical.

Tal constatação nos faz ver que a educação preventiva em drogas que ignorar os pontos de vista do adolescente já está fadada ao fracasso. Nada deve ser feito sem a participação do jovem desde o início do projeto ou programa a ser desenvolvido.

Historicamente a educação em prevenção de drogas tem sido uma proposta de gabinete e que tem ignorado as experiências e as opiniões dos jovens, resultando em propostas de pouco crédito para estes.

Por que não perguntar a eles:

  • O que lembram de educação em drogas que receberam desde a infância?
  • Se há inconsistências ou informações/ mensagens não condizentes com sua experiência posterior?
  • O que acham das imagens e informações que recebem – lhes soam como verdadeiras?
  • Se consideram os programas de prevenção como efetivos ou são percebidos como doutrinação?

Outras questões podem ser colocadas, mas o importante é conhecer o que os jovens pensam sobre o que receberam como educação preventiva, além de promover sua participação na construção da política da escola em atenção às conseqüências de violação das normas. Isto porque estudos internacionais comprovam que punições "exemplares" e severas para aqueles que utilizarem álcool ou drogas não alteram a escolha dos outros estudantes essas punições são imaginadas como formas de garantir que os outros jovens fiquem abstinentes – não usem nunca nenhuma droga.

Porta de entrada e saída...

O mito que mais causa problemas em relação a informações errôneas é a teoria da "porta de entrada" ou "escalada" das drogas: sugerindo que maconha é a porta de entrada para outras drogas como a cocaína e o crack. Esta é uma teoria que não encontra comprovação científica em nenhum estudo.

Pesquisas mostram que a vasta maioria dos que experimentam drogas não vão se tornar dependentes (dados apresentados por 2 pesquisadores - Zimmer & Morgan - mostram que 1 - em cada 100 jovens que experimentaram maconha - é hoje usuário de cocaína). Enquanto abstinência for a única medida de sucesso de um programa de educação preventiva em drogas, este será o foco de todos os programas e não serão incluídos aqueles jovens que já tiveram contato com drogas.

Se buscamos uma prevenção universal todos têm de ser incluídos. Aliás, é esse o sentido de se reconhecer que todos têm direitos iguais. Ninguém é menos cidadão. Os adolescentes são os cidadãos que estão num momento de vida no qual os riscos e experimentá-los são parte natural de seu desenvolvimento.

Nessa experimentação se incluem as drogas. E a postura não realista de pais e professores resulta em nada termos a falar para 59,3% dos estudantes que já experimentaram álcool; 17,9% que já experimentaram tabaco; 24,2% que alguma vezes fizeram uso de drogas ilegais (ou um uso indevido de outras drogas, que não o álcool ou tabaco).

Como exemplo bem atual, podemos citar o uso de Ecstasy, que ainda está sob estudo em relação aos problemas relacionados à super dosagem, aquecimento corporal e mistura de drogas; mas já conhecemos soluções de curtíssimo prazo como beber água, resfriar-se, evitar outras drogas e uso moderado.

Mas se só o que temos a dizer é "não usem drogas", muitos de nossos jovens estarão correndo riscos - muitas vezes evitáveis.

Livrem-se de danos!

Nossa proposta é, portanto, a de uma abordagem baseada na constatação de que mesmo com nossos esforços para que o jovem fique longe do álcool e outras drogas, eles têm contato com elas. Propor que "Livrem-se de Danos" é uma mudança de enfoque no trabalho da educação preventiva em drogas, sem aquele rótulo de que estamos falando de jovens maus e pais negligentes.

Estamos, na verdade, falando que dentro de uma cultura na qual álcool e outras drogas estão presentes e muito próximos de todos nós, poderemos pensar estratégias que permitam que nossos adolescentes passem por essa fase sem danos. Ou seja, nosso objetivo tem de ser jovens livres de danos ou de conseqüências negativas.

Para que se consiga atingir tal meta nosso desafio é:

  • Aprofundar o estudo de como melhor garantir a segurança desses jovens.
  • Proteger os jovens através da promoção de uma educação preventiva em drogas para toda a vida.
  • Instrumentalizar com informações científicas para que os jovens tomem suas decisões .
  • Distinguir entre uso e abuso de substâncias que alterem a percepção.
  • Enfatizar as conseqüências legais do uso de drogas.
  • Priorizar a segurança para que não corram riscos excessivos.
  • Educação preventiva em drogas para a vida

Uma sólida educação preventiva em drogas deve ser abrangente e preparar o jovem não só para decisões em relação a drogas ilegais, mas também para as legais e, principalmente, para ser responsável por suas escolhas em relação à sua saúde e qualidade de vida.

Mesmo não conseguindo decisões perfeitas em sua vida, os adolescentes estão aprendendo responsabilidade e poucos estão interessados em destruir suas vidas. De fato a maioria dos jovens que experimenta e deixa de usar drogas o faz por motivos relacionados à saúde e suas próprias experiências negativas com drogas: suas escolhas têm pouco a ver com o que lhes foi ensinado em programas tradicionais de prevenção de drogas

Estudantes que usam álcool, maconha ou outras drogas têm de entender a enorme diferença entre uso e abuso, entre uso ocasional e uso diário. Se o uso se torna recorrente estes estudantes têm de saber que devem e podem usar moderadamente e controlar seu uso colocando limites, tais como, nunca usar na escola, no trabalho, quando praticando esportes, dirigindo ou fazendo atividades que exijam atenção e reflexo.

E as consequências legais?

Todas as drogas, incluindo álcool e tabaco, são ilegais para adolescentes. Os jovens precisam entender as consequências da violação das leis em relação ao uso, compra, posse e venda de drogas. E que os usuários de drogas ilegais, mesmo que não possam ser criminalizados, estarão à mercê do aparato policial e, muitas vezes, do judiciário.

Portanto, ao mesmo tempo em que valorizamos a abstinência de drogas, nós deveríamos ter estratégias que informem os jovens de forma honesta. Sem esquecermos de fontes de apoio para que eles causem menos danos possíveis aos que os cercam e a eles próprios.

Como exemplo, poderíamos nos basear na educação preventiva sexual e que não foca a abstinência em nosso país. E mesmo assim conseguiu a adesão dos jovens para o uso da camisinha e um índice reduzido de infecções pelo HIV em nossa juventude. Foi a escolha pela segurança, pela redução de danos. Sexualidade e sensualidade existem e são partes de nossa cultura. Portanto, o sexo seguro foi a escolha baseada na realidade e que trouxe ao jovem o conhecimento e a responsabilidade por suas opções.

E muitos jovens escolheram protelar sua iniciação à vida sexual como forma de se proteger. Estas estratégias de prevenção fornecem modelos para que reestruturemos nossos esforços de educação preventiva em drogas. Precisamos lidar com drogas como pensamos em outras atividades potencialmente danosas como dirigir e sexo, tornando-as seguras.

Foto: por Jonathan Rolande (Flickr)

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Escrito por

Vera Da Ros

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