Ansiedade: um planeta em desespero

Um início interessante para exposição de um estudo é procurarmos tanto delimitar o máximo possível o objeto de nosso exame quanto os conceitos utilizados para representá-lo verbalmente.

16 ABR 2024 · Leitura: min.
Ansiedade: um planeta em desespero

O presente artigo tem a intenção de promover reflexões sobre um dos transtornos mentais mais incidentes no mundo atual: a ansiedade.

Começando então pelas palavras, ansiedade é um conceito usado para nos referirmos ao desejo por algo, ânsia, ansiar por; de um banal desejo a carga afetiva é tão intensa que sua dilatação a torna uma ansiedade, tanto ansiar. Está dado nosso primeiro "desafio": o muito querer, e esse querer pode ser tanto pelo sim, algo para si, que se realize, que se adquira, como também ao não, a repulsa, a renegação - muito querer, seja o sim, seja o não.

Entramos então na segunda via de acesso: intensidades. Recuperando a trajetória humana, de sua pré-história de animal nômade, caçador e coletor, para posteriormente localizado com suas plantações e gado criado, nós fomos lançados em um mundo de sobrevivências, no qual o futuro era incerto, seja por animais ou desfiladeiros a encontrarmos à frente, seja pela intempéries, com secas, precipitações de chuva ou nevascas extensas inviabilizando a colheita necessária para subsistência e comércio. Apreensão sobre o arredio, misterioso e incerto futuro.

Desejo, apreensão, ansiar: ansiedade. Passados séculos de progresso técnico pelo qual parcialmente domesticamos a dura natureza, aparentemente continuamos a ser afligidos por medos ancestrais... Ontem tínhamos a onça-pintada na floresta, o leão na savana, ou o lobo na estepe, hoje temos desemprego, competitividade, violência urbana, poluição, extinção. Nós animais humanos podemos ter mudado aqui e acolá em alguns departamentos, todavia parecemos recair em velhas armadilhas, nossos instintos parecem ter sido pouco desenvolvidos para o trabalho coletivo e partilha do resultado desse trabalho, parece que prosseguimos no registro do perigo, do inimigo, do mal: a natureza, o bicho, a noite, a doença, a morte, a outra tribo, o outro país, os outros hábitos, a outra cor de pele, o outro sexo, o outro gênero, a empresa concorrente, o candidato concorrente. Simplesmente transferimos de lá pra cá o alvo de nossas vulnerabilidades como seres mortais, desconhecedores e incertos que somos - eis o desejo intenso, dilatado, tanto pelo sim quanto pelo não do outro, do além de mim: ansiedade.

Com o advento dos avanços técnico científicos e tecnológicos, a rapidez da comunicação, a descartabilidade das coisas, mais, da redução de conhecimento e afeto em coisas, em artigos de compra ou exposição nas telas de celular, nós nos reduzimos a pequenos animais aflitos em nossas jaulas digitais, atiçados em uma eterna comparação uns com os outros, alimentados pela disputa para um pódio imaginário de excelência e admiração: posses, títulos, viagens, festas, sorrisos, eternos sorrisos de sucesso e satisfação... Dissimulamos a ignorância, a superficialidade, o medo, a tristeza, a frustração e a raiva com filtros, poses e números. Ansiedade, super desejo, rapidez, pressa: pressão pelo ideal, pelo reconhecimento, pelo nome - muita pressão, então muita dor, desgaste, Burnout, depressão, álcool, pornografia, drogas, das lícitas, seja engarrafada seja em farmácias, seja as ilícitas, para afastar um pouco a rotina vazia e maçante, anestesiar a miséria banal. Vivemos em um planeta hiper conectado e desesperado, a espera, a paciência, aguardar o devido processo de desenvolvimento e maturação de uma situação, circunstância, ou alguém estão fora da moda, isso não dá curtida, engajamento ou compartilhamento; vivemos em uma sem espera, sem paciência, sem consideração ao outro, sua singularidade e diversidade, vivemos em um planeta planificado, com (re)produção massificada, em larga escala, a ser vendido tanto no atacado quanto no varejo, a depender do "humor do mercado", um planeta raso, liso, sem as dobras do tempo, rugas da vivências, cicatrizes e marcas da dignidade de um olhar mais demorado - vivemos desesperados.

Não só é imprescindível tomarmos a "epidemia de ansiedade" e o tanto de gente que se sente e se reconhece ansiosa, "em um perpétuo estado de perturbação psicológica caracterizada pela expectativa de um perigo, perante o qual a pessoa se sente indefesa em uma comoção aflitiva do espírito que receia que uma coisa suceda ou não" como sendo um quadro de saúde pública e saúde metal, como também precisamos até antes questionarmos, colocarmos em questão, examinarmos e refletirmos que sociedade é esta em que estamos inseridos e reproduzimos na qual a pressa, o desespero, a inquietação e o imediatismo são normas e ordem. Pois nenhum mal mental também não é um mal social, coletivo, com nossas influências e espelhamentos mútuos, recíprocos, neste planeta em desespero.

Bruno Souza Marques - CRP 05/62038

Referências:

"ânsia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024.

"ansiedade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024.

Ansiedade: um planeta em desespero

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Escrito por

Bruno Souza Marques

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