Sobre o começo da terapia

Quando alguém busca terapia, geralmente se está em um momento de crise, de angústia, onde o seu modo de viver habitual não está mais funcionando.

3 MAI 2020 · Leitura: min.
Sobre o começo da terapia

É muito comum que o indivíduo procure fazer terapia depois de muito pensar sobre isso, às vezes busca outras formas de lidar com suas questões antes de procurar ajuda de um profissional de saúde mental. Alguns buscam respostas na religião, nas drogas lícitas e/ou ilícitas, pedem conselhos de amigos, à familiares, e, em última instância, procuram ajuda profissional. Neste texto, tento chegar a uma possível explicação desse movimento, já colocando que esta não se basta para entender os motivos pelos quais a busca pela terapia se dá à posteriori.

Quando alguém busca terapia, geralmente se está em um momento de crise, de angústia, onde o seu modo de viver habitual não está mais funcionando. Os conselhos de outros já não surtem o efeito de amenizar suas dores, a religião parece não "explicar tudo" que não se sabe, as drogas não surtem mais os efeitos necessários para se manter-se longe daquilo que se sofre. Este é o momento que, para muitos, funciona como o crucial para a busca de ajuda, afinal, ninguém busca fazer terapia porque a vida está ótima.

Em uma linguagem psicanalítica, a pessoa busca terapia quando a satisfação proporcionada pelos seus sintomas, vulgo satisfações substitutivas, não estão sendo suficientes, gerando sofrimento (FINK, B. 2018). Partindo desse entendimento, o indivíduo espera que na terapia, seu sofrimento seja cessado, endereçando ao analista que retire aquilo que o faz sofrer, restabelecendo aquilo que antes funcionava, como diz Quinet (2000, pg. 88), o analisando espera que o analista restabeleça o status quo ante.

No entanto, o que acontece durante o começo de terapia, é que o analisando vai se dando conta que para o sofrimento cessar, não há mágica que o terapeuta faça que retire sua dor, não há remédio pronto que retire em pouco tempo aquilo que o faz sofrer. Para tal acontecimento, é preciso que o analisando se interesse de fato em saber sobre aquilo que o faz mal, mas para isso, é preciso entrar em contato com suas mazelas, coisa que não é fácil para todo mundo.

Essa troca entre a demanda de resolver o problema pela satisfação de colocar em questão sua vida, pode ser complicada de ser feita, afinal, esse processo envolve uma certa desestabilização dos saberes prévios que o paciente tem sobre si mesmo. Quando o indivíduo começa a perceber que ele não é senhor em sua própria casa, que para ocorrer mudanças, haverá de se haver com suas questões, vem a vontade de desistir da terapia.

Lacan (1973-1974) vai nos dizer que o analisando, na verdade, não quer saber nada sobre seus mecanismos de funcionamento, talvez seja por isso que a terapia é a última a ser procurada pelo indivíduo. É neste momento, fundamental do processo terapêutico, que o analista deve oferecer o que Fink (2018) diz ser uma nova forma de funcionar no mundo, de lidar com as pessoas, de abordar as coisas. Questão que só será possível de fazer, se o desejo do analista, este desejo incansável de fazer com o analisando fale, que persista vindo à terapia, que expresse seus pensamentos, seja colocado como modo de intervenção deste não querer saber do analisando.

É essa aceitação do analisando em trocar seu gozo do sintoma, de trocar sua necessidade de resolução imediata do sofrimento, pelo enigma inconsciente de se saber mais sobre si que dá a possibilidade de começar, de fato, o processo de análise.

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Escrito por

Túlio Bueno R. Martins

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Bibliografia

Fink, B. (2018). Introdução clínica à psicanálise lacaniana. Editora Schwarcz-Companhia das Letras.

Lacan, J (1973-1974). Seminário 21 Os nomes do pai.

Quinet, A. (2000). A descoberta do inconsciente. Zahar.

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