Reflexões sobre as possibilidades da construção do autocuidado

Na atualidade, diante do mundo que vivemos e suas formas de sociabilidade que exigem cada vez mais de nós, se faz muito necessário falarmos sobre autocuidado.

29 AGO 2021 · Leitura: min.
Reflexões sobre as possibilidades da construção do autocuidado

´´É preciso cultivar o próprio jardim`` (Voltaire)

No mundo ocidental o tema do cuidado de si existe desde a antiguidade a partir da Grécia. Na tradição filosófica grega esse tema está enraizado em toda a tradição. Na centralidade da questão está o saber sobre si com o objetivo de transformar a si mesmo. A máxima escrita no templo de Delfos ´´conhece-te a ti mesmo`` nos aponta isso. O que estava em questão era que se fazia necessário saber sobre si para poder fazer as perguntas certas ao oráculo a fim de que não se fizesse o oráculo perder seu tempo com perguntas desnecessárias. O que está implícito é que se faz importante cuidar de si a partir do saber para que assim se tenha alguma responsabilidade para com o outro, ou seja, em suma cuidar de si é também cuidar do outro. Na tradição grega essa ideia se mostra mais clara nos diálogos entre Sócrates e Alcebíades, onde Alcebiades, um jovem belo, rico, com muita influência na sociedade, desejou governar Atenas. Diante disso, Sócrates leva Alcebíades a reconhecer em si mesmo o fato de que ele, Alcebíades, não se conhecia, pouco habitava a si mesmo e isso se apresentava como um grande empecilho para o governo, pois para governar a sociedade se fazia necessário, antes, governar a si mesmo. Adentrando no terreno da psicanálise, percebemos que um sujeito só desenvolve a capacidade de cuidar de si quando este mesmo sujeito passou pela experiência de ser cuidado por um outro. O início da vida é fundamental para que o sujeito possa construir um desenvolvimento afetivo satisfatório e que o possibilite tomar para si uma vida que vale a pena ser vivida.

Assim sendo, quando nesse estágio inicial do desenvolvimento acontecem falhas significativas nos cuidados maternos, não necessariamente somente a mãe pode exercer esses cuidados, e os cuidados necessários não se apresentam, a continuidade dos processos de maturação psiquica/somática ficam ameaçados e o que pode se apresentar é uma ameaça pelo perigo daquilo que o psicanalista inglês D. Winnicott veio a chamar de angústias impensáveis. Os ataques aos quais ele se expõe e submete por falta de um ambiente facilitador provocam traumas e reações excessivas que irão submergi-lo não apenas em um sentimento de frustração difícil de suportar, mas em uma verdadeira angústia de aniquilamento. Mesmo que ele não venha a ter consciência dessas falhas e dessas angústias, ele será marcado pela dor de seus resultados e pelo trauma de suas consequências Diante disso podem surgir diversos tipos de sofrimentos, desde ordem psíquica até aqueles ligados ao corpo, no que se refere a lesões de órgãos também. Diante disso, podemos perceber a importância dos cuidados necessários que todos precisamos experimentar para que possamos desenvolver uma capacidade de autocuidado suficiente para que possamos levar uma vida minimamente satisfatória. O espaço de psicoterapia pode ser uma experiência que pode nos possibilitar uma restauração e construção de uma vida que vale a pena ser vivida.

Reinvenção

(Cecília Meireles)

A vida só é possívelreinventada.Anda o sol pelas campinase passeia a mão douradapelas águas, pelas folhas...Ah! tudo bolhasque vem de fundas piscinasde ilusionismo... — mais nada.Mas a vida, a vida, a vida,a vida só é possívelreinventada.Vem a lua, vem, retiraas algemas dos meus braços.Projeto-me por espaçoscheios da tua Figura.Tudo mentira! Mentirada lua, na noite escura.Não te encontro, não te alcanço...Só — no tempo equilibrada,desprendo-me do balançoque além do tempo me leva.Só — na treva,fico: recebida e dada.Porque a vida, a vida, a vida,a vida só é possívelreinventada.

Referências Bibliográficas:

WINNICOTT, D. (1958b) A Capacidade de Estar Só. In: Winnicott, (1979) O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1983, pp.31-37

WINNICOTT, D. (1956a) A Preocupação Materna Primária. In: Winnicott, (1958) Da Pediatria à Psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000, pp.399-405

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Escrito por

Evandro Goyanna

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