Por que a escola não muda?

A escola dita "moderna" repete modelos de educação do século XVIII. Tais modelos foram copiados de instituições como fábricas e prisões, segundo Michel Foucault. O mundo muda, mas a escola?

3 AGO 2015 · Leitura: min.
Por que a escola não muda?

Ouvi a seguinte pergunta em uma palestra ministrada por uma pedagoga: "Por que a escola não muda?". Observando o discurso da palestrante e os comentários da plateia, formada em sua maioria por outros pedagogos, formulei minha própria inquietação: por que os educadores não mudam?

A sociedade exige que escola seja eficiente. Essa é uma necessidade do modelo vigente. E essa eficiência, pela lógica desse próprio sistema, significa aquisição de conhecimentos. Alfabetizar corretamente, interpretar textos corretamente, saber calcular e daí por diante aprofundar todos os outros saberes das áreas já determinadas pelas cartilhas escolares.

Esse é um paradigma? Podemos realmente pensar que esse modelo educacional não é o suficiente, mas ainda sim ele deve suprir as necessidades de uma sociedade capitalista, tecnocrata, cada vez mais necessitada de pessoas qualificadas. O sistema educacional não vai tomar outros rumos apenas por conta de ideais ou por teorias desenvolvidas em outros tempos. Ele vai continuar exigindo eficiência, que as crianças aprendam no tempo determinado e que sejam capazes de se qualificar no futuro.

Então escuto a respeito de tentativas de se criar outros modelos de ensino, mas que acabam sempre sendo comparados com modelos tradicionais bem aplicados, e sempre no sentido de demonstrar que em termos de eficiência ainda é mais interessante o sistema de avaliação por notas, de pressão pela punição e de disciplinas de conhecimento bem definidas.

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Eis a armadilha: o discurso vence pelos números, e o estado tende a conservar o que é mais fácil de ser avaliado. O contrassenso aqui são os outros fatores que precisam ser observados. O ensino tradicional não atende mais as expectativas das crianças de nossos tempos (nem entrarei no mérito se de fato algum dia esses modelos atenderam algum tipo de expectativa). E a pressão pelos resultados espirra as mais bizarras consequências…

Parece que vivemos uma epidemia da falta de atenção

A medicina moderna encaixotou esse fenômeno em um suposto transtorno psiquiátrico, o já famoso TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção). Por definição, nessa linha, a criança desatenta sofre de uma patologia, de origem orgânica. O problema é ela mesma. E existe um medicamento para tratar a questão, o metilfenidato ou Ritalina. Esse medicamento passou a ser largamente consumido por crianças e adolescentes em pouquíssimos anos. Podemos dizer hoje que uma parcela significativa das próximas gerações já está sendo estigmatizada por esta patologia. E a escola? Ela não mudou, continua a mesma.

O problema é que o metilfenidato é um medicamento de efeitos colaterais bastante agressivos. E o pior deles não é nem de origem orgânica, mas sim uma questão da mente. Uma patologia psiquiátrica não é como uma patologia comum. Uma infecção você cura com um antibiótico e pronto. Mas, uma questão mental… Não é só uma disfunção do cérebro (que por sinal, nunca foi cientificamente comprovada no caso do TDAH). Percebam que quando alguém diz que você tem um "probleminha" da ordem da psique, está se referindo a sua existência, seu modo de ser. Portanto, esse é um estigma bastante significativo. O que você é, veja bem, não está certo. Você toma esse remedinho aqui, que você vai ser diferente (mais atento, mais comportado).

É alarmante esse fato e as consequências já podem ser medidas, quantificadas. Muitos dos que utilizaram Ritalina na infância tornaram-se usuários de outros "inas" na fase adulta. Cafeína, taurina… cocaína. O que não pode ser quantificado só pode ser percebido pelos profissionais que trabalham com essas crianças. A perda das características que lhe são próprias, inclusive da capacidade criativa, é algo bastante triste de se ver e de engolir.

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Mas porque as crianças estão desatentas?

Esse é um fato a ser pensado. E precisa ser feito de forma bastante aprofundada, pois o que tenho ouvido por aí são discursos que se fixam em demasia em ideais políticos e sociais e que pouco observam a realidade ao redor. É verdade que cada criança é um ser, com uma personalidade singular, com capacidades que lhe são próprias e com vivências muito particulares. Mas relativizar demais o desenvolvimento de uma criança, de um ser humano, não ajuda nem a escola nem mesmo a própria criança. Não dar importância aos fatores universais que constituem a espécie humana é desconsiderar observações científicas pertinentes que muito contribuem para o entendimento de cada processo de desenvolvimento, incluindo seus obstáculos.

A criança desatenta ou rebelde não deve ser estigmatizada como anormal, assim como também não deve ser estigmatizada diante de seus desafios, normatizando também suas incapacidades momentâneas. Relaxar demais no tempo da criança aprender acaba se tornando uma medida que tende a tornar muito superficial a reflexão que a escola deve realizar a respeito de seus próprios métodos. De um extremo ao outro, ou a escola entrega a criança ao psiquiatra, ou simplesmente não cria os mecanismos adequados para que a criança enfrente seus desafios, de acordo com o momento adequado ao seu grau de desenvolvimento.

Novos métodos de ensino não podem vigorar sem considerar as exigências de seu meio social. Eles precisam demonstrar seu grau de excelência, apontando as falhas do antigo sistema. A realidade educacional em nosso país (e na maior parte do mundo) precisa atentar para as consequências diretas de seus métodos educacionais: a falência moral, o aumento das intolerâncias, o desgosto pelo conhecimento, a falta de atualização em relação à informação e tecnologias modernas, a padronização extrema dos meios de transmissão do conhecimento que acaba por excluir os alunos que possuem características que não se adequam aos métodos, dentre outras questões que precisam ser profundamente consideradas para que a escola prepare as novas gerações no sentido de edificar um mundo mais ético e sustentável.

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Enquanto a escola não muda, os alunos estarão cada vez mais desatentos. Na era da informação e do conhecimento em massa, a escola e seus métodos arcaicos serão cada vez mais desinteressantes. O problema não está nas crianças. É preciso reformular a escola para que acompanhe as transformações de nossa sociedade. E para tanto o conhecimento da criança e suas etapas de desenvolvimento precisam ser considerados. Com essa sabedoria, poderemos demonstrar que a criança desatenta precisa de novas práticas para que possam aprender a lidar com a própria mente. É na busca da excelência no processo de educar que a Ritalina perderá seu conceito, sua importância.

Uma nova escola para que perdure e seja aceita pela sociedade deverá ser uma escola que amplie ainda mais a capacidade dos seus alunos de adquirir conhecimento e, principalmente, ter gosto pelo conhecimento. A grande questão que os educadores precisam focalizar no momento é de como resgatar nas crianças de hoje a vontade absoluta pelo conhecer, a curiosidade que lhes é tão natural. Ensinar as matérias fundamentais não pode mais ser algo distinto dos sentidos das existências particulares de cada um. O conhecimento precisa estar atrelado ao desenvolvimento pessoal de uma maneira que faça sentido e que seja absolutamente livre de pressões punitivas. Uma nova ética se faz necessária através dos exemplos que a própria escola deve cultivar. A busca pelo conhecimento precisa ser demonstrada pela força da própria natureza, através do saber a respeito do desenvolvimento da criança.

Reconhecer que os modelos educacionais vigentes, estes mesmos que são adotados desde o final do século XVII, são causas diretas das manifestações negativas no aprendizado das crianças é um primeiro passo na formulação das questões essenciais que precisam ser debatidas para que a escola se transforme, de fato. E essa nova escola deve ser plenamente capaz de demonstrar que o grau de aprendizado pode se elevar através de práticas mais inteligentes. Está na mão dos educadores a disposição para transformar.

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Escrito por

Psicologia e Paideia - Rafael Ladenthin Menezes

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