O pai em crise e seus aprendizados

Sobre o ato e os aprendizados de ser pai. Uma reflexão sobre os desafios e crises da paternidade em nossos tempos, uma pequena contribuição sobre um tema tão complexo.

13 JUL 2015 · Leitura: min.
O pai em crise e seus aprendizados

Como psicoterapeuta e educador, tenho convivido com crises diretamente relacionadas a algum tipo de desestruturação da figura paterna. Deixo essa reflexão como contribuição a este tema tão complexo. Este é um momento em que os pais precisam criar e dialogar, para que da crise brote novos e edificantes significados para o papel do pai nas famílias e em nossa sociedade que se transforma a cada dia.

A sociedade moderna ocidental até certo ponto construiu a figura do pai como o provedor do lar. Ele trabalhava enquanto a esposa cuidava dos filhos. Essa é a imagem predominante até a metade do século XX e, por bem ou por mal, o papel do homem, do pai de família, estava bem delineado desta forma. Esse modelo tradicional de família não perdurou por muito tempo. O status que o pai de família adquiriu por ser o único provedor lhe conferiu uma responsabilidade, uma autoridade em um lar que lhe era estranho.

O pouco convívio com os filhos e mesmo com a esposa não ajudava no aprendizado que precisava para compreender com profundidade as questões de sua família. Passa então a atuar a força da lei que lhe foi conferida por mera convenção social. Para a psicanálise dessa época, o pai é simbolicamente a figura castradora. Ele impõe os limites, as regras e as normas de conduta dentro do lar. Sua palavra é a última.

Em poucas gerações, os filhos criados nessa dinâmica familiar se rebelaram. Produziram uma nova cultura e clamaram por liberdade. As meninas negaram o papel que a tradição lhes conferia e começaram a prestar mais atenção nos seus próprios direitos e potencialidades. A igualdade de gênero torna-se ideologia e as mulheres passam também a serem provedoras do lar. Ano a ano, a estrutura familiar se transforma. Mas nem sempre a consciência acompanha as mudanças sociais.

A igualdade de gênero do lar pressupõe um trabalho conjunto, afinado, respeitoso e harmonioso. É necessário que se desenvolva a capacidade de diálogo, pois a última palavra do homem já não é regra. Ela pode partir de um ou de outro, de acordo com a situação, mas sempre fundada no entendimento e na sensibilidade de ambos para saber tomar as decisões corretas no que tange o lar e a educação dos filhos.

Uma primeira questão que precisamos levantar é sobre o que é o homem, o pai, e qual sua natureza defronte ao papel que exerce com sua família. Considero uma temeridade definir o papel natural do pai de acordo com costumes. Dizer, por exemplo, que o pai é quem deve trabalhar, pois essa é sua natureza essencial. Pois bem, nesse caso, adentramos no simbólico, no arquetípico, para tentar encontrar uma natureza – isto é, as características psicológicas presentes em todos os homens e pais de família.

Encontraremos assim, através de relatos míticos e características semelhantes ao longo da história humana, a figura do caçador, do visionário, do protetor, da consciência racional, do questionador, do líder, organizador, etc. Pode-se discorrer longamente sobre esse tema. Mas o que interessa aqui é a percepção de que relacionar simplesmente uma manifestação simbólica típica do homem com uma determinada função social não é necessariamente uma forma de adequar o que o homem é ao seu real papel na família e na sociedade. Isto pertence mais ao plano da história e das configurações culturais do que à uma natureza de fato.

É assim, e é fácil de perceber que, verbalmente dificilmente atingimos a essência do arquétipo. O que significa dizer que o homem possuí em sua natureza o devir do caçador? É essa figura mítica exclusiva ao homem? Não podemos aqui nos esquecer das guerreiras amazonas. Que também certamente não agem como os homens, mas também trazem em si a ideia do desbravamento, da caça, da proteção, da conquista, do domínio.

Perceber isto é estar atento ao fato de que, embora que as características psicológicas do homem e da mulher sejam diferentes por natureza, ambos podem exercer funções semelhantes, mesmo que as percepções e maneiras de lidar com os fatos diferenciem-se um do outro. Compreender a natureza essencial do homem e da mulher passa mais por uma percepção intuitiva e sentimental do que algo que se possa racionalizar e organizar em direitos e deveres exclusivos ao homem ou a mulher.

Essa reflexão é importante para entender a crise da paternidade. Pois, diante de um novo mundo, faz-se necessário que o pai também busque compreender a si mesmo. Nem sempre as expectativas sociais que são passadas por meio da educação que o menino recebe, reflete uma essência interior. A natureza do homem não precisa estar adequada ao que se espera dele em termos de costume e moral.

Suas potencialidades podem ser exercidas de muitas formas, mesmo naquelas que o costume definiu, por tradição, serem atribuições da maternidade. O que tenho observado são pais que não se harmonizam com o lar, deixam suas esposas, sem compreenderem a importância do aprendizado que a relação traz, e por vezes também acabam abandonando os filhos, agindo de forma antiética.

A consequência deste fenômeno para as crianças é imediata: a figura paterna se corrompe e o exemplo do pai e do ser do homem torna-se corrompido, ocasionando distorções do que representa o homem, tanto para os meninos quanto para as meninas. Por não compreender o papel que exerce na família e do exemplo que precisa dar, o pai se vê no direito de partir e iniciar uma nova vida, deixando para trás os erros e abandonos que cometeu.

Me parece essa ser também uma manifestação da maneira como ainda educamos os meninos, que crescem sem desenvolver suas potencialidades emocionais que estão diretamente relacionadas à paternidade. Basta observamos o tipo e cultura que transmitidos aos filhos homens. Damos demasiada ênfase à competição, à violência, ao trabalho técnico, à razão e a liberdade e diminuímos o desenvolvimento do acolhimento, do aconselhamento, do instinto de proteção, de zelo e do carinho.

Resgatar o profundo contato com o lar, esposa e filhos é um caminho que o pai pode seguir se possui o intento de desenvolver sua força masculina, paterna, que é fonte de sua natureza essencial. Cuidar da criança desde o nascimento, aprendendo a zelar do banho, dos aprendizados fundamentais relacionados à higiene, à alimentação. Ver de perto o desenvolvimento dos filhos para melhor compreender como educá-los. Essa atitude é bem diversa de exercer esses papéis no lugar da mãe.

O olhar masculino é diferente e a maneira que o pai lidará com essas situações estará de acordo com seu próprio potencial, equilibrando forças com o feminino e completando uma educação plena em todas as suas manifestações naturais e arquetípicas. O homem poderá libertar suas fontes sentimentais ao permitir-se participar das sutilezas presentes em seu lar, com seus filhos e sua companheira. Assim, chegará mais perto de ver o poder masculino não como uma convenção socialmente imposta, mas como algo sagrado capaz de criar e transmitir amor, harmonizando o lar e as relações que convergem dele. A crise é sempre uma belíssima oportunidade de reflexão e se não paramos de buscar, podemos dar novos sentidos à existência justamente quando nos aproximamos mais de nossa natureza, que sempre terá a mostrar seu lado criativo e dinâmico.

*Deixo um adendo para este texto, que se faz necessário: Existem diferentes tipos de configurações familiares. Nenhum deles é mais ideal que o outro. O que vale é a capacidade que os adultos presentes desenvolvem para manter a harmonia do lar e educar seus filhos para que sejam livres, genuínos, que possam conhecer suas potencialidades. Falo aqui da figura do pai, que se faz presente de muitas formas. Pais solteiros, pais em um relacionamento homoafetivo, pais não biológicos, mas que não deixam de serem menos pais por isto, este texto vale para todos, embora tenha dado ênfase – algo meramente verbal – nos casais que constituem família através da geração amorosa entre homem e mulher.

Isto é irrelevante e toda a reflexão pode ser aplicada a qualquer modelo familiar. Se uma família é constituída por dois pais, que sejam então pais capazes de amar seus filhos com todo o potencial da paternidade. No caso da ausência da mãe ou do pai, as famílias devem buscar suprir esta falta através de outras referências. Isto é possível. E pessoalmente considero que o contato amoroso com ambos os gêneros enquanto figuras de autoridade, exemplo, proteção e zelo é fundamentalmente importante para o desenvolvimento de qualquer criança.

Foto: por dickdotcom (Flickr)

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Escrito por

Psicologia e Paideia - Rafael Ladenthin Menezes

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