O corpo no divã

O corpo parece ter sumido das terapias atuais, o que os psicólogos acreditam receber em seus consultórios seriam cabeças flutuantes?

23 AGO 2017 · Leitura: min.
O corpo no divã

António Damásio (1996) citando William James refere-se a uma declaração polemica do autor que resgatou a importância do corpo e de suas reações fisiológicas na experimentação das emoções. James afirma que é inimaginável experimentar uma emoção forte desprovida de uma reação somática corporal: o medo, por exemplo, somente pode ser experimentado através de uma sensação de aceleração do ritmo cardíaco, de respiração suspensa, de tremor dos lábios e/ou pernas e de um aperto no estômago. O postulado de James é, portanto, que existe um mecanismo básico que faz com que determinados estímulos do meio ambiente excitam um padrão específico do corpo. A isso, Damásio acrescenta a noção de um espectro adicional de estímulos e sensações que se associam ao longo da vida aos estímulos inatamente selecionados para causar emoções. As reações a esse espectro podem ainda, segundo Damásio, serem filtradas por um processo de avaliação ponderada, o que introduz a possibilidade de modulação e gerenciamento dos padrões emocionais preestabelecidos ou aprendidos. A chave para esse autogerenciamento, que permite a variação na intensidade da resposta emocional, parece depender, portanto, da aptidão que essa avaliação ponderada tem de alcançar a sensação corporal que é a essência do processo emocional.

O próprio Freud (1976) já colocava grande ênfase no corpo enquanto base do ego. Ele utiliza o conceito de ego corporal que representa psiquicamente o corpo e o self do sujeito "O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal" (p. 41). Essa é a parte central do ego, que é feito de memórias e concepções sobre o corpo. Na discriminação do que faz parte do self e o que caracteriza o fora, o corpo precisa conter os seus conteúdos físicos para que assim instrua ao ego como conter os conteúdos psíquicos. O ego seria, portanto, a projeção mental da superfície do corpo:

Na aparição do ego e em sua separação do Id, um outro fator, além da influência do sistema PC, parece ter desempenhado um papel. O próprio corpo, e antes de tudo sua superfície, é um lugar do qual podem resultar simultaneamente percepções externas e internas. É visto como objeto estranho, mas ao mesmo tempo ele permite ao tato sensações de dois tipos, podendo ser uma delas assimilada a uma percepção interna (1923, p. 238).

Freud (1981) ainda se desbrçou sobre o conceito de instinto. Os instintos são os mecanismos reguladores do organismo que envolvem os comportamentos visíveis por exigirem respostas volitivas de ação ou inibição da ação. Freud divide os instintios em quatro aspectos:

  • A fonte (quelle): onde ocorre o processo somático em determinada parte do corpo que dá origem ao instinto.
  • A pressão (drang): caracteriza a parte essencial do instinto, a sua energia propulsora.
  • A finalidade (ziel): a finalidade do instinto é a sua satisfação e somente pode ser alcançada quando o estado de estimulação da fonte do instinto é suprimido. O instinto sempre adota, portanto, um sentindo que conduza à sua extinção.
  • O objeto (objekt): objeto por meio do qual o instinto visa a sua satisfação.

A psicanalista contemporânea G. Haag resgata o valor do corpo para a psicanálise. Segundo a autora: o corpo sensível e tátil é condição básica do processo de subjetivação. É no contato com brinquedos de pelúcia e tecidos suaves, que o bebê aprende o doce do tátil e o transporta para o sentimento de ternura. Em situações de angústia essas sensações do suave, do doce, são uma possibilidade de elaborar qualidades sensoriais como continente apaziguador. Em seus estados primitivos, a criança precisa sentir que há alguém pronto a receber o seu "transbordamento", e que vai conter, filtrar e dar sentido a seus impulsos. Dessa forma, a criança não perde o controle de si mesmo para se tornar um "vulcão" de angústia e falta de limite

Haag denonima "substância psíquica" (1989, p. 219), o que se forma no bebê por uma série de experiências corporais. Especialista na clínica de autismo, ela escreve que na evolução do tratamento desses quadros é possível perceber o nascimento progressivo do que se denomina psiquismo. Ao se aventurarem para além do seu encapsulamento, guiados pelo analista por meio da transferência, começam a mostrar os primeiros traços de um "eu", começam inclusive a manifestar uma série de evidências desse processo a nível do próprio corpo:

No estado autista propriamente dito a criança é dominada por angústias do eu corporal: a queda sem fim e a liquefação, até a formação de seu sentimento de envoltório cujo desenvolvimento eles mesmos, à semelhança do que se passa no desenvolvimento normal, conseguiram detalhar para nós: é preciso combinar o tátil das costas, o envoltório sonoro com a penetração do olhar / psiquismo - isso forma um "em volta" (1997, p. 23).


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