Não se aposente de você

Existe o tempo de parar e até que ponto devemos considerar que uma atividade ainda é salutar ou passa a ser nociva? O que nos move e pode nos dar satisfação depois da aposentadoria?

12 MAR 2019 · Leitura: min.
Não se aposente de você

Parece evidente que chega um momento na vida em que o devido direito de se afastar do intenso trabalho se faz necessário. Uma pessoa passa anos dando sua cota de contribuição na sociedade para constituí-la ativa e útil. Contudo, muitas vezes, ocorre um processo de desocupação de atividades que pode se mostrar nocivo à saúde física e mental do sujeito.

Somos seres que, de algum modo, vinculamos nossas atividades a uma identidade social e não há nada de errado nisso, pelo contrário. Precisamos mesmo nos identificar com algo que faça total sentido com nossas capacidades, habilidades e talentos, vindo, ao mesmo tempo, a atender a uma demanda de necessidades diversas.

No entanto, em muitos casos, ocorre a redução de atividades úteis, levando o sujeito que se aposenta a um ostracismo identitário, numa sensação de tédio ou inutilidade, vindo a constituir-se em um processo que lhe coloca na ordem de um envelhecimento, sobretudo, simbólico, além do processo natural e inerente de redução de forças e limitação de ações com o avanço da idade.

Aposentar não é abandonar-se

Nesse caso, ao se aposentar será possível concentrar esforços em atividades que enobreçam a identidade do sujeito e que qualifiquem sua forma de vida? Pois, muitas das suas capacidades estão ativas até o fim da vida e ao serem relegadas ao ostracismo acabam por produzir na pessoa uma sensação de angústia e tédio, deixando tudo mais sem graça e desinteressante.

Imaginemos o caso dos atletas de futebol, por exemplo. A vida útil de um jogador de futebol profissional é relativamente curta, pois em média param de jogar a partir dos 40 anos. Nesse caso, ao deixarem sua atividade principal, acabam se desvinculando de um ritmo, até então, intenso de treinamento e condicionamento físico que se fazia necessário para suportar o esforço de uma partida de futebol. Ao par com os treinos e a preparação física exigida e desenvolvidas nos clubes, eles acabam por ter uma condição física menos privilegiada, saudável e vigorosa, pois muitos engordam e passam a se sentir deprimidos e aquém de uma realidade ativa vivida até o momento da sua aposentadoria precoce e que pode, por sua vez, alimentar um sentimento de certo autoabandono. Contudo, é natural que percam o ânimo em relação as demais atividades, dadas as condições de redução de preparo físico com o abandono do treinamento que trazia vários benefícios para a saúde como um todo.

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Por outro lado, muitas pessoas não conseguem parar de trabalhar e mesmo depois de aposentadas seguem trabalhando sem se dar conta que o ritmo deve passar a ser mais moderado. Ou seja, tornar a vida mais condizente com sua capacidade e resistência física e mental vem a consistir, sobretudo, em realizar coisas que possam fazer sentido até o fim da vida a partir de novas e interessantes atividades a fim de não atrofiar músculos e cérebro. Pois, algumas profissões nos permitem atuar até o fim da vida, sendo ajustadas a partir de uma redução de intensidade, enquanto outras precisam ser literalmente substituídas.

Para tanto, cabe observar que não somos nossas profissões, pois elas é que, por sua vez, estão configuradas a partir de nós e do corpo que lhes emprestamos. Por isso, podemos atuar na vida de modo a nos favorecer sem torná-la um espaço vago e sem sentido. Podemos seguir produzindo, fazendo algum curso direcionado a novos aprendizados e o qual nunca se permitiu viabilizar em virtude de um ritmo intenso de trabalho ou por diversos motivos.

Como aproveitar essa nova fase da vida

Contudo, oportuniza-se, a partir de um novo momento de sua vida poder buscar outras atividades regulares que permitam realizar novos projetos e exercer uma atividade que exija menos esforço e intensidade como antes. Pois, o trabalho durante a vida é sinônimo de sobrevivência em virtude da busca por um resultado financeiro que visa a subsistência e, na medida em que o sujeito entra na aposentadoria, esta passa a lhe garantir um ganho financeiro continuado. Tal ganho, contudo, pode e deve lhe viabilizar poder fazer coisas que antes não faria e que são altamente recompensadoras sob o ponto de vista de realização pessoal e que, em muitos casos, o trabalho formal não pôde então proporcionar. Por isso, é preciso também saber se desligar daquele ritmo de toda uma vida e passar a adotar uma nova configuração de rotina para que muitas coisas boas possam ser vivenciadas. Nesse caso, adotar alguma rotina pode ser mesmo muito útil. Pode-se passar a realizar atividades sem uma determinação de periodicidade programada e obrigatória e isso pode ser muito prazeroso.

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Com o tempo podemos perceber que tudo o que fizemos tinha um sentido de ser naquele momento e que agora novas questões podem ser elaboradas, tendo um sentido que também dê entusiasmo na vida. Assim como acontece no caso do uso de uma medicação feita por longo tempo e que precisa ser suspensa, a rotina pesada do trabalho deve ser parada paulatinamente a fim de não causar danos à saúde por sua interrupção abrupta.

Pois, seguindo essa lógica, o mesmo deve ser pensado sobre aquilo que fazemos durante muito tempo de forma prolongada e que a partir de dado momento deve passar por um processo de transição. Sendo assim, será válido pensar que a solução, nesse caso, está em vivê-las de forma que sirvam a nos tornar mais satisfeitos, pois, em geral, na fase da aposentadoria mudam-se as exigências de custeio financeiro porque, normalmente, não se tem mais custos significativos como, por exemplo, com moradia e aducação dos filhos, vindo, assim, a permitir gastar com outras necessidades e empreender no próprio bem-estar. 

Nunca é tarde para se cuidar

Entretanto, todas as questões em torno de uma aposentadoria correm o risco de gerar um abandono de si. Sendo assim, buscar ajuda na psicoterapia pode vir a ser uma boa resolução para trabalhar questões fundamentais e existenciais que prescindem de um outro olhar sob novas perspectivas. Afinal, com a aposentadoria chega o momento de um retorno financeiro investido e não de um abandono de viver, assim como da necessidade de manter  alguma rotina e criar ações que façam sentido para a própria sustentação da vida. Pois, nunca é tarde para cuidar-se e para tratar-se com zelo.

Portanto, encontrar um caminho em que se redescubra e se valorize as suas potencialidades e identidade é essencial, seja com a ajuda de um profissional ou no encontro de sentido de autoentendimento a partir de uma reavaliação de projeto de vida que poderá ser uma forma de conseguir viver com a criação ou preservação de um entusiasmo que não deve cessar em nenhum momento da vida.

Isso irá permiti, ao sujeito que se aposenta, a possibilidade de viver de maneira propositiva em favor do autoaprimoramento constante e significativo de modo satisfatório a qualquer tempo, tornando a sua experiência de vida em uma rica jornada na qual não se perca o indispensável prazer de viver.

Por Adriano Andrade Barboza, psicólogo inscrito no Conselho Regional de Psicologia do Paraná

Fotos: MundoPsicologos.com

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Escrito por

Adriano Andrade Barboza

Graduado em Psicologia pela PUCPR e pós-graduado em Psicologia Clínica: Abordagem Psicanalítica pela mesma universidade. direciono-me para a grande área da Psicologia e da Filosofia e ao viés psicanalítico. Formação complementar na área de uso abusivo de substâncias pela UNIFESP e USP. Atua como psicólogo clínico em consultório particular.

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