Impactos da discriminação na saúde mental
A escuta preocupada com raízes dos impactos da saúde mental é essencial individualmente e na potencialização em sociedade. Atualmente vivemos em uma extrema individualização, o que, por vezes, sobrecarrega nós mesmos por toda a responsabilidade.
Parece óbvio que a psicoterapia é um espaço de acolhimento, no entanto, infelizmente, a falta de estudos que consideram a realidade da sociedade, compreensão de cultura e fenômenos sociais, pode levar o psicólogo a desconsiderar as dinâmicas sociais. Logo, o que deveria ser um atendimento do cuidado e de fomentação de visão crítica do mundo ao redor, acaba por responsabilizar o indivíduo por todas mudanças da sua queixa, passa desatento por falas preconceituosas e sem sensibilidade para aspectos culturais e sociais que impactam a pessoa.
Inicialmente é preciso lembrar que estudos baseados em discriminação já legitimaram condutas profissionais diversas a classificarem sexualidades como desviantes da norma as associando a algum tipo de transtorno mental, distúrbio, como também práticas e conhecimentos que possuíam como base discriminações raciais para justificar "supremacia de uma raça branca". As marcas das opressões levantam o posicionamento da Psicologia:
No Código de Ética Profissional somos provocados a nos capacitar continuadamente, como também a não perpetuar preconceitos e atuações discriminatórias. O CFP reafirma: "a Psicologia brasileira não será instrumento de promoção do sofrimento, do preconceito, da intolerância e da exclusão" (CREPOP, 2023).
As estruturas dos preconceitos estão entrelaçados as nossas concepções, linguagem, pressupostos, nem mesmo o profissional está ileso de perpetuar questões tão enraizadas em nossa sociedade. Cabe assim, a capacitação, letramento e a fomentação das reflexões críticas para o entendimento dos atravessamentos das dinâmicas no sujeito. A Teoria do Estresse de Minoria construída por Meyer (2003), originalmente como um estudo de minorias sexuais, nos orienta no entendimento de que determinados grupos sociais que são marginalizados passam por sua vida com a experiência de estresses específicos. O termo "minoria" se refere, então, não por uma questão de quantidade, mas sua relação de menos acessos institucionais e socialmente em comparação a uma maioria hegemônica (Hernandez, Accorssi, Guareschi, 2013).
Sendo assim, todos nós somos atravessados por vivências com estressores, como o trânsito. Porém, o que é ressaltado nos estudos é que os grupos de minoria vivenciam condições específicas de maneira recorrente e que impactam seus processos de subjetividade, assim como uma influência significativa no que diz respeito à saúde mental. Ao pensar no preconceito, falamos de camadas diversas além da violência em sua forma mais explícita, mas seja ela qual for também deixa marcas em como o sujeito se vê, se relaciona e enxerga o mundo a sua volta. Beck et al (1976/2012) inclui na terapia cognitiva que a cognição atua como um processo ativo de inspeção e introspecção, elabora uma percepção sobre as experiências. Com isso, a maneira que uma situação é avaliada se apresenta em imagens visuais e pelos pensamentos.
Dessa maneira, no que diz a respeito das imposições de normas heterossexuais, cisgênero, branquitude, exemplos de estruturas sociais hegemônicas, os estressores são produzidos a todos aqueles que desviam dessas normas. A compreensão da intersecionalidade torna-se importante, pois permite a sensibilidade de considerar a colisão de mais de uma estrutura de poder atravessando a percepção e vivência do sujeito pertencente a mais de um grupo de minoria. O termo cunhado pela intelectual Kimberlé Crenshaw advém da "inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – produtores de avenidas identitárias" (AKOTIRENE, 2019. P. 19),
Os impactos das estruturas de poder podem ser observados nos índices de violência, tais como amostra em que 4.025 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2023. Em 3.169 desses casos foram disponibilizados os dados de raça e cor: 2.782 das vítimas eram pessoas negras, o que representa 87,8% (Dados em: Agência Brasil), ou, como em dados da organização não governamental Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+, coordenado pelo Acontece – Arte e Política LGBTI+ e pelo GGB – Grupo Gay da Bahia, a vulnerabilidade da comunidade LGBTQIA+ pode ser demonstrada em dados de 2022 no Brasil onde a cada 32h um LGBT é assassinado no país. A pesquisa também identificou dados com a tipificação de mortes da comunidade, sendo 83,52% de homicídios, 10,99% correspondem a suicídio e 5,49% representando outros tipos de mortes. No entanto, como supracitado, a violência não se restringe a estas formas mais cruas e vai muito mais além e de maneira "sutil" perpetuando ideias, falas, comportamentos e estigmas, consequentemente exclusões e discriminações. A investigação acerca do sistemas sociais que instituem o que está dentro de uma norma negligencia corpos de diversas formas, bem como a reverberação da discriminação decorrente da invisibilidade, falta de apoio, abandono, estigmatizações pejorativas, menos acessos e oportunidades.
Tendo isso em vista, tais experiências frequentes nessas vivências geram impactos psicológicos a partir das avaliações cognitivas realizadas pela pessoa, fomentando índices de condições como ansiedade e depressão. Diante disso, Meyer (2003) enfatiza a ser incorporado na prática o conhecimento sobre os estressores (i) eventos diretos e externos, assim como o estresse em suas formas mais subjetivas, (ii) pelas construções de expectativas e hipervigilância que advém de experiências discriminatórias anteriores ou de informações tidas sobre a violência contra esse público, ou também o atravessamento do estressor em sua visão de si mesmo, (iii) a percepção negativa sobre si perpassa pela internalização dos estigmas pejorativos elaborados socialmente sobre a comunidade e apropriado como verdade para si mesmo.
Portanto, uma Psicologia que se atenta, atualiza e caminha no compromisso de construção de saúde individual e social torna imprescindível a capacitação para uma atenção da totalidade do sujeito em um meio, acolhendo, legitimando e potencializando sua existência em comunidade. Ademais, o conceito de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelecido em 1948, define a saúde uma condição que engloba o bem-estar físico, mental e social, não é meramente a ausência de enfermidades.
Referências:
Agência Brasil. Quase 90% dos mortos por policiais em 2023 eram negros, diz estudos. Acesso em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/...:~:text=Estudo%20publicado%20nesta%20quinta%2Dfeira,que%20representa%2087%2C8%25.
OMS. Significa ter saúde? Acesso em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-bras...
AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Letramento, 2019.
BECK, Aaron; RUSH, John; SHAW, Brian; EMERY, Gary. Terapia Cognitiva da Depressão. 1ª edição; Artmed, 1 janeiro 2012. (Obra original publicada em 1976)
Conselho Federal de Psicologia – CFP. Código de ética profissional do Psicólogo. Brasília, 2005. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07....
HERNANDEZ, Aline Reis Calvo; ACCORSSI, Aline; GUARESCHI, Pedrinho Arcides. Psicologia das minorias ativas: por uma psicologia política dissidente. Revista Psicologia Política, v. 13, n. 27, p. 383-387, 2013.
MEYER, Ilan. Prejudice, Social Stress, and Mental Health in Lesbian, Gay, and Bisexual Populations: Conceptual Isuues and Research Evidence. Psychol Bull. 129 (5): 674- 697, 2003. https://doi.org/10.1037/0033-2909.129.5.674
Referências técnicas para atuação de psicólogas, psicólogos e pscólogues em políticas públicas para população LGBTQIA+ [recurso eletrônico] / Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia, Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. — Brasília : CFP, 2O23.
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Uma ótima professional, recomendo bastante!
Texto muito necessário! Maravilhoso
Texto maravilhoso, é sempre reconfortante ver profissionais defendendo e abordando temas como esse!
Muito interessante e necessário! A psicologia não é neutra, ela tem sua responsabilidade social, e por isso é necessário ter noção do indivíduo, levando em consideração os acontecimentos sociais que interferem no seu psicológico e em sua qualidade de vida. Ótimas informações, Ana.
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Que leitura leve, importante e muito necessário, Ana Beatriz! Obrigado por compartilhar
Ótima profissional!!! Recomendo muito .