Freud explica? Mitos sobre a psicanálise

Após 115 anos de existência, a psicanálise ainda se encontra imersa em fantasias populares a respeito do seu funcionamento e eficácia. Freud também não escapa. Afinal, ele explica?

20 MAR 2015 · Leitura: min.
Freud explica? Mitos sobre a psicanálise

A psicanálise ao longo de sua história vivenciou inúmeras leituras que destoaram do sentido que seu criador propôs. Com um desenvolvimento teórico que vem se construindo e se ressignificando a cada momento, atrelado a própria complexidade inerente ao conhecimento acerca do inconsciente, esta prática continua de certa forma, principalmente hoje, desconhecida.

Os mitos, como toda tentativa de explicar aquilo que aparentemente é ininteligível para o senso comum, surgem portanto com certa frequência. A respeito de dois destes bastante comuns e que me chamam atenção que dedico este texto: "O psicanalista não fala" e a famosa citação, "Freud explica".

Seguindo um sentido contrário ao pensamento ocidental, religioso e científico, esta prática visa apontar sempre para a existência de um sujeito que sustentamos, sem nenhum domínio, e que revela fundamentalmente o que a psicanálise insiste em demonstrar, a falta que há em todos nós.

Esta subversão da lógica cartesiana, assinala Lacan "…a razão desde Freud", atinge o cerne da busca humana pela completude, provocando muitas vezes a tentativa de negar esta práxis. E mesmo quando esse saber gera o leve anseio de decifração, suas formas complexas e trabalhosas de apreensão teórica e de travessia da experiência deixam a psicanálise ainda mais afastadas do senso comum.

O formato peculiar de condução do tratamento com o divã, onde o analisante põe-se a falar sobre as coisas que lhe afligem sem ter em seu campo de visão o analista, proporciona a imagem para as pessoas de uma forma geral de estar num monólogo, o que é um equívoco. Para além disto, no modelo clínico médico há quase sempre uma resposta, por parte daquele que cura as enfermidades, que preenche a necessidade de restaurar a saúde do paciente. No entanto, com os efeitos do inconsciente, não há outro saber que o abarque a não ser o saber daquele que sofre.

A função do analista surge então, de conduzir o analisante neste terreno, de um saber que não se sabe, produzindo assim mudanças em sua posição subjetiva. Este trabalho de intervenção analítica pautado pela via da fala, comporta de tal modo uma presença e veemência daquele que escuta.

Este método de receber tais demandas, direcionando o discurso do analisante sempre para o que falta, opõe-se a lógica da clínica médica e revela que as buscas não são respondidas, mas descobertas nas próprias palavras ao associar automaticamente. O analista portanto, não explica, mas proporciona ao analisante que decifre as ficções que o dominam, possibilitando um posicionamento de forma diferente diante do seu sofrimento.

Compreendo e concordo com Freud de que a psicanálise ocupará sempre um lugar a parte na sociedade, de negação e resistência, o que significa sua própria razão de existência. E percebo que os avanços científicos e tecnológicos das correntes cognitivistas e das neurociências propõem um movimento de abolição do sujeito do inconsciente, porém, mesmo nesta sociedade pós ou simplesmente moderna, este sujeito sempre acaba por se fazer falar, sustentando o lugar da psicanálise.

Noto com isto que não se trata de uma tentativa – humana – de preencher as lacunas que lhe são estruturais que leva a prática analítica ao obscurantismo. Os mitos que a rodeiam, não diferentes de qualquer outros, resumem-se a equivocadas referências com raízes fincadas na voluntaria inacessibilidade e na má compreensão acerca do seu funcionamento e fundamentos.

Foto: por aturkus (Flickr)

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Escrito por

Bruno Oliveira

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