Famílias na contemporaneidade - diversidade e afeto

O termo “família” foi formalizado no século XIX para nomear o grupo biológico no qual a pessoa surge para a vida e de onde extrai as normas sociais com as quais se posiciona na vida.

31 JUL 2018 · Última alteração: 1 AGO 2018 · Leitura: min.
Famílias na contemporaneidade - diversidade e afeto

Há uma tendência em utilizar não apenas os laços biológicos, mas sim os de aproximação e convivência para avaliar se há ou não laços familiares. Carsten (2000), por exemplo, sugere que se pense em termos de "conectividade" ou "parentesco" de modo que compreendamos quais elementos simbólicos seriam potentes em estabelecer vínculos afetivos e sociais profundos, verdadeiros e duradouros, além dos já institucionalizados como naturais (sangue, sêmen e leite materno). Ora, a vida familiar precisa ser percebida como um espaço poroso, em um campo de forças e relações que não se resumem ao núcleo biológico pai-filhos.

Um efeito observado, nos últimos anos, desta permeabilidade entre o núcleo familiar e o seu entorno, é o modo como a figura masculina vêm desdobrando a paternidade de modos inéditos. Surpreendido com as rupturas das hierarquias de gênero, econômica e social no cotidiano doméstico, aos poucos o homem atual começa a transitar entre os papéis de masculino e de paternidade de modo bastante diferenciado do que os seus próprios pais o fizeram. Resgatam e buscam construir relações familiares em que não se restrinjam ao papel de provedores materiais ou reprodutores biológicos da história da família de que vieram originalmente.

O conceito de função paterna aparece na teoria psicanalítica nomeando algo ou alguém que vem se interpor entre a mãe e o filho, de modo a atrair para si uma parcela do desejo da mãe e materializar a esta criança que o desejo de sua mãe se endereça a outro objeto que não si mesma. Estes dois movimentos são essenciais para que esta criança se inscreva na cultura como sujeito, abre espaço para o desejo própria desta, a partir de agora, criança que compõe uma família em que as pessoas que aí se encontram são singulares e deverão contar com seus próprios recursos subjetivos para escrever uma história única, que se entrelaça às daqueles com quem compartilha (rá) a vida.

Deste modo, o modelo familiar tradicional não é por si garantidor de que seja o homem-pai biológico a desempenhar esta função, o sabemos. É possível que alguma outra coisa ou pessoa desempenhe esta função paterna, o que é, em última instância, o mais importante, tendo em vista a relevância deste processo para que esta criança seja acolhida e introduzida à comunidade humana como seu mais novo membro. Portanto, a função paterna pode ser eficientemente efetivada não apenas por outro homem que não o pai biológico, mas também por uma mulher ou algo que capture o desejo desta mãe (o trabalho, por exemplo) que inscreva a impossibilidade para esta criança de ser, ou de continuar a ser e corresponder a todos os desejos de sua mãe.

As novas configurações familiares (heterossexuais ou homossexuais) escancaram algo, no processo de constituição psíquica de cada sujeito, que existe em toda e qualquer família, em qualquer tempo da História: a não linearidade da experiência de ter um pai, bem como de ser um pai. E ainda mais radical: a não linearidade na experiência subjetiva de tornar-se humano. Trata-se sempre da "família que foi ou será possível inventarmos na parceria afetiva que estabelecermos com aqueles que fazem parte de nossa história".

É preciso considerar a importância de as próprias famílias se (re)pensarem não a partir de um único modelo familiar (das estórias idealizadas de seus antepassados), mas de sua realidade afetiva e concreta. Descolar-se de um modelo único e ideal de família é também descolar-se do desejo do outro e permitir-se desejar por si sua própria família; permitir a cada sujeito aí presente neste momento e nesta realidade ocupar a função que lhe for particular, o que só poderá aparecer na falta das regras feitas e vividas por outros ou um grande Outro.

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Escrito por

Liliane Maria Alberto da Silva - Psicóloga e Psicanalista

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