Entrada em análise

Onde procurar um analista: na internet, por indicação, listas de convênios, em escolas de psicanálise? Ele certamente não se encontra em qualquer lugar, mas exatamente lá onde deveria estar.

30 DEZ 2021 · Leitura: min.
Entrada em análise

A busca por um analista lacaniano já é por si mesmo uma mexida em tudo que se refere ao sujeito do desejo, sendo uma transferência de saber com anterioridade a qualquer possibilidade de encontro, em que se faz a entrada em cena do sujeito suposto saber - SsS (que é prévia e faz parte da demanda), com a inscrição do significante do analista (significante qualquer) que o sujeito captura mesmo antes de tê-lo visto. Momento de reconhecer que colocamos na análise o desconhecimento sobre nosso desejo e a busca da solução desse seu enigma, justificando que o analista teria essa resposta.

A suposição de suposto saber pode facilitar a associação livre, juntamente com a transferência, permitindo um descolamento sintomático a partir do sintoma analítico, substituindo uma neurose (geradora da demanda) por outra (a de transferência), fazendo o inconsciente trabalhar.

Como levar a ele a demanda de análise: com sintoma ou sem sintoma, análise didática, desejo de se conhecer melhor, terminar uma análise anterior? Seja qual for, a queixa inicial se torna demanda endereçada ao analista, demanda de saber sobre nosso sintoma. Isso aponta a um excesso de gozo que leva ao sofrimento do analisante e o move à procura de ajuda; ou seja, um dos pontos a serem trabalhados será esse ganho secundário no gozo que o sintoma denuncia e que torna tão difícil se livrar dele.

E como aguentar o suposto silêncio de um lacaniano? Porque nas entrevistas preliminares não seja interessante o analista fazer escansões e interpretações, ele fica mais nas perguntas, que funcionam também como pontuações, caminhando pela diacronia (história) do analisante. Nesse sentido, aqui o analista ainda pode falar mais. Feita a entrada em análise, o silêncio do analista será mais sentido.

Como não ficar com raiva das sessões sem tempo delimitado? Nas entrevistas preliminares muito provavelmente as sessões serão mais longas a fim do psicanalista colher informações do analisante, mas quando da entrada em análise os cortes podem ser feitos em tempo móvel e curtos, com sessões menos extensas. No entanto, isso não é realizado por todos os analistas, pois alguns preferem manter as sessões longas.

Como esperar com tranquilidade o devido momento de ir para o divã, que pode levar algumas sessões ou até meses? Geralmente são poucos analisantes que têm noção dessa passagem, mas muitos deles a esperam e até questionam o analista por que isso ainda não ocorreu e qual o momento exato. O analista até pode fazer essa passagem apontando ao analisante o mótivo: que é nesse momento que o sintoma passa de resposta (causa de sofrimento do sujeito) ao estatuto de questão (retificação subjetiva: implicação do sujeito em seu mal – de "sinto mal" a "sim tô mal", segundo Quinet). O sujeito entra em análise quando ele para de se queixar de seu sintoma e se pergunta pelo seu significado! É por isso que para alguns pode ser bem demorado, por não conseguir escapar desse hábito de estar sempre culpando o outro pelo que lhe acontece.

É quase incompreensível a passagem das entrevistas preliminares à análise propriamente dita no sentido prático. De repente se diz algo que aponta ao analista que aquele é o momento. Mas que sentido teria isso ao analisante além da passagem ao divã (nem sempre obrigatória)? Será que muda a forma como o analista fala ou o conteúdo de suas intervenções? Será que teremos que falar de forma diferente, com outro tom de voz? Será que podemos ficar com os olhos fechados para se sentir ainda mais distante daquele lugar, mas ainda dentro do dispositivo? A entrada não deixa de ser um processo de histericização, em que o sintoma aparece como enigma, com o sujeito falando no lugar de dividido (na pergunta pelo seu ser), colocando o inconsciente em exercício e ao mesmo tempo sentindo estranhamento em nossa própria fala.

Sentimento de sair de si mesmo enquanto se fala no divã. Sentido de irrealidade durante a sessão, entre 4 paredes, o analista com voz que vem do além. Discurso nosso meio esquizofrênico. Isso pode assustar alguns. Não é qualquer um que consegue intensificar seu delírio (aumentar o volume do pensamento) sem se sentir meio fora de si, como pressentimento de sair do racional. Estar no divã não deixa de ser uma experiência interessante: falar como se falasse para as paredes, ouvir a voz do analista vindo de longe. Depois de sua palavra do fim da sessão, levantar do divã como se levantasse da cama, com outro tipo de tensão no corpo.

Com o crescimento das sessões de análise via tecnologia da informação e da comunicação a questão da ida para o divã se complexificou e é necessária muita reflexão sobre essa passagem das entrevistas preliminares para a análise para sua exata compreensão que, em todo caso, não deixa de ser possível via on line em função de sua simbologia.

Como falar tudo o que vem ao pensamento, sem censurar, sem achar que isso ofenderá a moral do analista? Impossível permitir-se à total cadeia das ideias, pois muitas delas parecem não só ferir o eu do analisante, mas também ferir o analista em sua pessoa. Aquilo que é dito pode desgostar o analista e atrair sua fúria e isso muitas vezes passa pelo pensamento do analisante. Outras vezes o que se pensa parece não ter importância e não fazer parte do tema da vez. Nesse sentido, pode-se ficar semanas ou meses remoendo um tema na sua mente até que se crie coragem suficiente para expô-lo e sentir como isso andará. Apesar de tudo isso, temos que nos pôr a trabalhar e seguir a regra de ouro da associação livre.

O que seria ficar preso no mesmo tema? Seria uma repetição com alguns detalhes a mais ou colocar a mesma questão de forma diferente? Será que repetimos o mesmo tema para ver se ocorre alguma mudança mágica na nossa forma de pensar, sentir e agir? A análise teria esse poder de transformação? E quando se passam semanas, meses, anos e nada muda? Culpa de quem? Do analista, que não sabe e não ajuda em nada, ou do analisante que não investe o suficiente, que falta às sessões, que não segue a regra de associar sem parar?

Como se comportar na sessão, de que forma falar? O que seria melhor: deixar-se levar pelas ondas de pensamento, falar de tudo, de forma quase delirante, emocionalmente, sem nem pensar onde isso vai dar, ou falar devagar, calculadamente, racionalmente, como se cada palavra importasse e ir esperando pontuações do analista sobre o que se fala? É possível compreender tudo que se fala? Seria uma ilusão tentar se conhecer melhor através da análise?

Todo analisante teria algum sintoma no divã? Suadeira, tremedeira, gagueira, bexiga cheia? Ansiedade e depressão poderiam ser intensificadas no momento em que se está ali deitado? Ocorre uma tensão da contorsão do corpo tocado pelas palavras, que fazem mescla com o afeto que elas carregam, intensificando uma somática já carregada fora do dispositivo; ou seja, de alguma forma saímos mexidos daquela sessão, seja pelo tema tratado, pelo esforço que realizamos ou tocados pelas escansões e pelo corte realizado pelo analista.

Quanto tempo dura a sessão? Às vezes uma eternidade quando não se quer ou não se consegue falar, em função do tema difícil; às vezes o tempo voa quando se fala disparadamente, tentando dar conta de narrar ou compreender uma situação que veio como disrupção no cotidiano. Tempo não é somente lógico para o analista, mas também relativo/subjetivo para o analisante.

Haveria diferença entre falar a verdade e mentir na análise? Se os lapsos, chistes, sintomas e esquecimentos ocorrem em qualquer discurso, seja verdadeiro ou não, não importa se o analisante mente ou diz a verdade; o que importa é que siga a regra de ouro e o analista o escute com atenção flutuante.

Como é o corte em análise e como sentir e trabalhar seu impacto? Que palavra mágica ou frase mau-dita (maldita?) virá nos balançar e nos tirar do lugar de nada? O que poderá nos remeter para a sessão seguinte ou nos fazer ignorar o tema do corte? Como parar de falar naquele exato momento em que se é cortado e se queria continuar falando? Se o corte é o encontro com o real, como senti-lo? Seria o algo mais a dizer que não foi possível dizer e que você precisar engolir, sabendo que ele não teria mais efeito na próxima sessão; ou seja, está para sempre perdido.

Fim da sessão: confirmar horário seguinte, deixar o dinheiro em cima da escrivaninha do analista, apertar sua mão e partir, ainda pensando no que fora dito ali. Não é fácil, para alguns, parar o discurso no momento em que o analista faz o corte e fingir que o dispositivo se desfaz magicamente e que a pessoa que está à sua frente não encarna mais o papel de analista. Alguns continuam narrando fora do divã até a porta do consultório, não distinguindo o analista semblante do analista pessoa.

E quando se fica esperando uma sessão curta e ela não chega? Seria sinal de que o analista não está encontrando motivo para o corte e que o material que se está oferecendo não é interessante ou válido?

O que é esse encontro entre analisantes na sala de espera? Qual a cumplicidade que poderia existir entre eles? Sinal de que os horários anterior ou posterior estão ocupados, o que pode indicar o status do analista (estar com agenda cheia).

Realmente se sonha (ou não se sonha - de não lembrar dos sonhos) para o analista! E também se lembrar mais dos sonhos que se tem, como se cada um deles existisse para ser ofertado no altar do dispositivo analítico.

Pode-se preparar o material para a análise? Preparar antecipadamente o material (temas, sonhos, situações) para serem narrados? Isso seria burlar a associação livre?

O processo analítico mexe com a gente, a ponto de causar certa melancolia. Lembrar de coisas esquecidas deve mesmo causar isso.

Como perceber as interpretações que são feitas? É possível senti-las? Sentir seus efeitos? E quando se passam meses sem nenhuma interpretação do analista, o que isso poderia significar? Que a interpretação é realmente coisa rara?

Mesmo entendendo que o trabalho analítico é do paciente, ele não deixa de esperar e cobrar do analista uma ação, mesmo que seja somente um direcionamento com perguntas para que o analisante continue falando. Quando este percebe que o analista foge disso (silêncio demais, presença física demais, transferência demais), pode se irritar e até mesmo interromper o processo. Culpa-se o analista por não dar respostas; transferência de um pai que não respondia e não ensinou um menino a ser homem

Como construir o fantasma em análise? Construção conjunta, somente do analista, somente do analisante? Como ter certeza de que se encontrou o fantasma fundamental? Como fazer sua travessia? Sua travessia quer dizer o quê? Desvanescimento da situação ou outra compreensão sobre ela? O analista indica o fim da análise? O analisante é quem percebe esse fim e pede para encerrar?

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Escrito por

Psicólogo Reginaldo Branco da Silva

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Bibliografia

A sessão analítica, Campo Freudiano no Brasil, Zahar Editores, RJ, 2000;

A importância da transferência na clínica psicanalítica, José Antônio Campos Jardim, Instituto de Ensino superior de Londrina, 2016

Corpo e sinthoma: tratamento do gozo em Freud e Lacan, Christiano Mendes de Lima, Estilos clin., São Paulo, v. 18, n. 1, jan./abr. 2013

Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan, vol.2: A clínica da fantasia, Marco Antônio Coutinho Jorge, Zahar Editores, RJ, 2010

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