Desatenção e fracasso escolar

Histórias dos considerados fracassos escolares, para uma reflexão sobre erros comuns no processo de educar, mas que geram consequências para todo o ato de aprender durante a vida.

13 JUL 2015 · Leitura: min.
Desatenção e fracasso escolar

Thiago, 7 anos, acordava cedo todos os dias para ir à escola. 6 horas da manhã já estava bem desperto, cheio de energia. Gostava da escola, dos coleguinhas. O trajeto de 40 minutos de carro, com a mãe, não o desanimava. O que mais Thiago gostava de fazer era de desenhar. Criança brincalhona, se dava bem com todos, era muito amável, pouco reclamava.

Em mais um corriqueiro dia na escola, a professora explicava para a sala o que era uma prova. Todos estavam muito curiosos, alguns contavam que os irmãos mais velhos já faziam provas. Thiago, no entanto, ficou um pouco apreensivo. Já tinha ouvido falar dessa tal de prova. E não parecia que era uma coisa muito legal.

Sua irmã de 17 anos andava muito nervosa ultimamente por causa de uma prova que teria que fazer para entrar na faculdade. Estudava tanto que nem dava mais atenção para ele. Um dia, ela até gritou quando ele entrou no quarto para vê-la. Não podia ser coisa boa. E agora ele esperava a sua vez de fazer a tal da prova. A professora separou as carteiras, pediu silêncio, explicou que era só fazer igualzinho como faziam na lição de casa.

Thiago olhou a prova… Ufa! Não era nada demais, ele sabia fazer aquilo. Se empolgou tanto que fez tudo rapidinho. Entregou para a professora e foi brincar no pátio. No dia seguinte, a professora teceu muitos elogios para todos, dando parabéns por terem conseguido fazer a primeira prova de suas vidas. Depois, foi chamando um a um para conversar. Thiago esperou, estava ansioso. Queria muito ser elogiado pessoalmente pela professora.

Mas, quando foi chamado, viu que ela estava com uma cara de brava. E ouviu: "Com essa letra, eu não aceito. Você pode fazer melhor". Thiago silenciou. Voltou para o seu lugar. Quieto, não quis mais brincar. Na segunda prova, não quis fazer. Pressionado, não chorou, mas gritou. "O que é que está acontecendo?" perguntou a orientadora da escola para a mãe, quando chamada para uma reunião. Ninguém sabe, Thiago não fala. Depois disso, todos os dias, o menino enfrentava os 40 minutos da casa para a escola calado, apenas observando o cinza da cidade.

Ana, 11 anos, menina silenciosa, mas de sorriso fácil. Estudava em uma pequena escola de seu bairro. Tinha poucas amigas, mas muito próximas. Sempre fez tudo direitinho na escola. Prestava atenção nas aulas, fazia as lições de casa e tinha um ótimo desempenho, segundo seus professores.

No sexto ano, seus pais a colocaram em uma escola maior, mais conceituada e mais puxada nos estudos. Ana não estava feliz, pois queria estar próxima das amigas. Mas seus pais explicaram que nessa nova escola ela poderia estudar em qualquer faculdade que quisesse, no futuro. E uma de suas amigas também estava de mudança para outra escola. Ana acabou aceitando.

Vivenciou os momentos de compra dos novos uniformes, do novo material. Estava até empolgada. A escola era grande e bonita, tinha mais de uma quadra de esportes, elevador e carteiras novas e brilhantes. Mas foi o laboratório que a deixou mais empolgada. Queria ser cientista. Com aquele laboratório, aprenderia muito mais, sem dúvida, pensava.

No primeiro dia de aula Ana estava um pouco nervosa, mas sua mãe explicou que era normal. Logo Ana viu que a escola cheia era muito diferente de quando foi visita-la quando estava vazia, nas férias. Essa escola era muito mais barulhenta que a sua antiga. De cabeça baixa, um pouco acanhada, foi caminhando até sua nova sala. Pensava como seriam seus novos colegas. Jamais passou por sua cabeça os problemas que teria que enfrentar.

Ana era uma menina um pouco gordinha, de jeito tímido. Dia após dia vivenciava pelo menos uma situação em que alguém a humilhava. Não sabia se defender, então apenas se calou, concentrando-se nos estudos. Tirava notas altas e era muito elogiada pelos professores. Mas não fez amigos, fechou-se em seu próprio mundo, engordou mais e não olhava mais nos olhos de ninguém, nem de seus pais. O desempenho de Ana na escola ofuscou a violência que sofria.

Alguns professores tentavam conversar e resolver a situação, mas não dispunham de muito tempo para focar no problema de forma mais efetiva. Eram muitos alunos, muitas aulas, muitas provas para corrigir, muitas broncas a distribuir. Ana tirava notas altas, mas não sabia mais quem era, se sentia diminuída, pequena diante do mundo e incapaz de realizar seus sonhos. Seu grito silencioso não foi percebido.

Lucas, 12 anos, arteiro, bagunceiro, sempre deu muito trabalho para seus professores. E conduzia junto a turma toda. Era o maestro da bagunça. Excelente orador. Por vezes, subia na carteira e contava uma história. Prendia a atenção de todos. Os professores não nutriam raiva dele, por conta de seu carisma. Mas sistematicamente precisavam puni-lo. Idas à direção eram comuns.

Seus argumentos, sempre muito alegres, acabavam também cativando os orientadores. Tirava notas medianas, passando com algumas recuperações. No sétimo ano, porém, sofreu mais dificuldades. Pressionado, ficou agressivo em alguns momentos. Acabou repetindo. A escola se preocupou, mas seus pais muito mais.

Pesquisando no Google sobre alunos com dificuldades escolares, o pai de Lucas encontrou um tal de TDAH. Pensou que talvez seu filho fosse portador desse transtorno. Afinal, era muito agitado, não se concentrava nas aulas. A escola recomendou um profissional, que em algumas consultas fez o diagnóstico: Transtorno de Déficit de Atenção. Tratamento: Terapia com complemento medicamentoso. Ritalina, de segunda a sexta, no período escolar.

Lucas foi se adequando, ficou mais quieto, comportado. O prognóstico era positivo, afinal, Lucas não era mais o menino problema. Estava dando conta das provas, sem muito brilho, mas dando conta. Os pais pensavam ter feito o certo. A escola apoiava. Mas Lucas não compreendia muito bem. Por que estava doente? Parecia que a vida perdia o sentido.

Não tinha mais tanta vontade, tanta alegria. Alguns amigos se afastaram, não era mais o mesmo. Os elogios que recebia não o nutriam. Respondia sempre educadamente, com um sorriso, mas lá dentro, faltava algo. Lucas não encontrava suas respostas. Não gostava do remédio, não gostava da terapia. Mas se todos estavam satisfeitos, o que fazer?

A infância é a fase mais delicada da vida. A criança não carrega muita bagagem. Não tem consciência de muitas coisas. E nesse espaço que sobra, a vitalidade emerge na vontade de conhecer, vivenciar, aprender e brincar. A criança também não conhece muito sobre si mesma, mas manifesta com sutileza suas potencialidades.

Seu modo de ser nem sempre é compreendido. Um potencial talento não surge em sua forma mais cristalina. Às vezes, pode até incomodar. Uma criança agitada nem sempre é uma criança com problemas. A agitação pode ser a consequência de algo que é da essência e que ainda precisa ser despertado. Um dançarino não aprende a dançar sentado em uma cadeira. Ele aprende a dançar, dançando.

Se o educador não vê isto, ele está desatento. E trabalha para manter o método. O foco deixa de ser o desenvolvimento do ser humano criança que ali está e passa a ser sobre os meios para adaptar a criança aos seus métodos. É claro que faz parte do aprendizado saber conviver com grupos e instituições. Abrir mão de vontades em prol da dinâmica do coletivo. Mas existe uma diferença – tênue – entre ensinar a criança os valores do convívio harmônico com seu meio ou utilizar-se dos métodos institucionais para que a criança se adapte.

Ensinar, muitas vezes, significa impor. A criança precisa vivenciar a relação de autoridade e saber sobre as consequências de seus atos. Essa face do educar exemplifica a tênue linha entre o ensinar e o adaptar. Mas não existe confusão. É a postura do educador que conta. Quando o educador está focado no despertar e na formação de uma personalidade genuína, ele não está centrado em fazer seu método funcionar. A criança não se adapta para que o modelo continue atingindo seus objetivos preestabelecidos.

A harmonia do ambiente é uma consequência de uma valorização ética. Não existe um modelo a seguir, mas sim uma base fundada no respeito, na sinceridade, no ouvir e no saber se expressar. É importante que o educador seja flexível. Saber que, mesmo ao impor, o faz como forma de mostrar algumas necessidades, e para que a criança aprenda, também, a questionar. E se assim o fizer, que também seja ouvida. Aprender a transformar o ambiente também é uma lição essencial que passa da transgressão à serenidade da consciência.

O educador desatento se apega às formas. Faz valer os modelos estabelecidos e não vê as consequências negativas desta prática no desenvolvimento das crianças. A delicada fase da infância exige atenção constante, pois alguns erros podem perdurar por toda uma existência. Os três casos que relato acima são banalmente comuns. Foram escritos com base em experiência e não em relatos reais, mas podem ser comparados a situações bem próximas de nós.

E repetem-se e continuarão repetindo-se na medida em que continuarmos aceitando uma educação inconsciente sobre as necessidades do ser humano em desenvolvimento. Conhecimento não falta. Os legados de importantes educadores de nossa era e do passado precisam deixar as prateleiras das bibliotecas e adentrar as instituições de ensino e as nossas casas. Deixem que entrem e estimulem nossa criatividade e bom senso.

Foto: por Elizabeth Albert (Flickr)

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Escrito por

Psicologia e Paideia - Rafael Ladenthin Menezes

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