Considerações sobre a psicose a partir do filme Cisne Negro

O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas considerações da psicanálise a respeito do filme Cisne Negro, recorde em bilheterias nos cinemas de todo Brasil.

12 NOV 2015 · Leitura: min.
Considerações sobre a psicose a partir do filme Cisne Negro

Para realizar a análise do filme Cisne Negro (Black Swan, 2010) partiremos da concepção psicanalítica de sujeito, a saber, o sujeito do inconsciente, do desejo, da falta e da linguagem. É a partir desses referenciais que traçaremos uma compreensão do filme, lançando o olhar para além da sintomatologia de Nina, personagem central, alcançando a dinâmica estabelecida entre ela e as demais personagens, especialmente sua mãe.

O filme Cisne Negro conta sobre Nina (Natalie Portman), que é uma bailarina aplicada e talentosa de uma companhia de balé dirigida por Thomas Leroy (Vincent Cassel). Nina mora com sua mãe, uma ex-bailarina, cujo único interesse parece ser a filha e sua carreia no balé. Desde o início do filme, fica evidente a extrema dedicação de ambas para que Nina encontre a perfeição na dança. Essa perfeição almejada é, antes, o desejo materno que se impõe para a jovem bailarina. No discurso materno, Nina tem um lugar determinado: lugar de objeto com o qual a mãe pretende se defender da castração.

Tal situação remete ao que Lebrun nos diz:

Quando a criança entra no círculo familiar, acontece-lhe chorar, e a mãe dirá, no primeiro dia, que a criança está triste, no dia seguinte, que está passando mal, no outro lhe perguntará por que chora. No quarto lhe dirá ainda outra coisa, e todas as palavras que forem ditas irão 'definir' essa criança; vão etiquetá-la, vão dizer o que ela é.

Tal passagem exemplifica a função crucial dos significantes maternos para a constituição subjetiva. A mãe ocupa o lugar de primeiro outro para o bebê, sendo o desejo dela a primeira referência para o sujeito. Essa proximidade extrema é necessária, fundamental, mas é preciso também ultrapassá-la. Isso se dá pela intervenção do pai, enquanto representante da Lei, do significante do Nome-do-Pai.

Esse momento de se deparar com a Lei é nomeado de castração. Trata-se da evidência de uma falta, não no corpo, mas no ser. Diante dessa descoberta dolorosa cada um constrói uma defesa, segundo suas possibilidades. A forma de defesa estabelecida determinará a constituição da personalidade, dos modos de lidar com o Outro e com os outros, semelhantes.

Na psicose, a defesa diante da castração é a foraclusão. Como assinala Nasio, a foraclusão é uma defesa extrema, radical, pela qual o sujeito paga um preço alto. O autor define que foraclusão é perceber o objeto sem poder imprimir sua representação no psiquismo. (...) Para a psicanálise, um sujeito que foraclui a realidade é um sujeito que não pode reconhecer o que, no entanto, está diante dele.

As cenas iniciais entre Nina e sua mãe permitem observar dois aspectos pertinentes à questão da psicose: primeiramente, o maciço investimento narcísico da mãe em si mesma, repassado a Nina não enquanto investimento em um sujeito outro, mas sim como investimento em extensão, ou seja, numa parte do próprio corpo, um apêndice de si. Além disso, não há menção clara a um pai. Todo o discurso da trama causa a impressão de que a única referência da existência de Nina é sua mãe, como se a personagem não tivesse uma origem sexuada.

Ocorre que a companhia, em sintonia com os devaneios recentes de Nina, está para iniciar os ensaios da obra o Lago dos Cisnes, em uma versão que não se estabelece no duelo maniqueísta entre o bem e o mal, como as personagens que interpretam o Cisne Branco e Cisne Negro, (Odette e Odile na obra original), mas que revela uma metáfora sobre o ser dividido, o bem e o mal, o suave e o sedutor, a perfeição dos movimentos e a paixão, presentes em uma só bailarina, em um só Cisne que se transforma e se interpenetram.

Nina, cortejada para o papel principal, vai iniciar uma jornada de dor e sofrimento, até alcançar a plenitude de seu potencial de perfeição. Aí, vemos o preço que o psicótico paga por sua defesa radical, pela foraclusão. O foracluído retorna como formações específicas: o delírio e a alucinação.

Conforme disserta Lacet, o fenômeno psicótico se caracteriza pela falha na função significante que implica na dificuldade de simbolizar. A palavra perde a função de símbolo e confunde-se com a coisa, de modo tal que as palavras tornam-se coisas que invadem o corpo. Os significantes são autônomos e dominam o sujeito. Com efeito, pode-se pensar que o "Cisne Negro", para Nina, é um significante autônomo que invade seu corpo: penas, patas, asas, olhos, tudo se transforma. Nina não consegue alcançar o Cisne Negro no campo simbólico, ela deve ser o próprio no real do corpo.

É árduo o caminho de Nina, marcado por alucinações, delírios e autoflagelação. Isso é mostrado ao público como um suspense, em que personagens e eventos são, propositalmente, colocados para confundir a realidade com a loucura de Nina. Ao nosso ver, assistir ao filme é testemunhar, perplexos, a perplexidade de Nina. Sobre esse sentimento, Lacet esclarece: "O fenômeno psicótico é uma significação que surge no real e não se parece com nada porque não foi anteriormente simbolizada, deixando o psicótico numa condição de estranheza e perplexidade".

Nina cuidada por sua mãe como uma garotinha, vem se confrontar com sua sexualidade, na demanda do Cisne Negro, sexualidade fortemente reprimida pela mãe, vai ser o ponto limite onde sua loucura se realiza. Onde falta a metáfora paterna, representante do desejo, eclode o delírio de Nina. Se na relação com a mãe ela foi a única eleita, em seu delírio, há uma bailarina que a persegue e quer destituí-la de seu lugar.

Thomas, dono da companhia de dança e idealizador do projeto do Cisne Negro, por sua vez, a provoca com mensagens dúbias, levando Nina a um caminho de busca de seu lugar privilegiado de primeira bailarina, que implica em deixar sua sensualidade fluir em uma existência dupla com a sempre plácida e perfeita menina Nina.

Neste instante as mulheres cruzam o caminho de Nina, ora como rivais, como a ex-primeira bailarina que sofre um acidente grave, e Nina lhe rouba o batom, e o lugar ao lado de Thomas, ora como desejo, no surgimento da atraente Lily (Mila Kunis).

Durante todo o filme somos tragados pelos delírios de Nina, a chegada de Lily, sua criação e ápice de sua loucura, e também de sua perfeição e completude, como sua fala final "eu me senti perfeita".

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Escrito por

Olindina Luzia Cruz

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Comentários 1
  • Daniela R. de Albuquerque Trindade

    fiquei na duvida sobre a existência de LiLLy

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