Bullying: afinal, de quem é a culpa?

Dois adolescentes morreram e vários outros ficaram feridos na tragédia que aconteceu em Goiânia, e que sensibilizou o Brasil. Seria o bullying o único culpado? É importante parar e refletir.

2 NOV 2017 · Leitura: min.
Bullying: afinal, de quem é a culpa?

Faz pouco mais de 10 dias que uma escola de Goiânia foi palco de uma tragédia. Um estudante, que afirmou ser vítima de bullying, foi à escola portando a arma da mãe, policial militar, e atirou em vários colegas de sala: dois deles foram mortos, e outros continuam hospitalizados e necessitando de cuidados.

O crime levantou novamente a discussão sobre o bullying, a necessidade de o mesmo ser tratado com seriedade e os riscos que pode oferecer. Acompanhe a reflexão da psicóloga Maitê Hammoud.

O assunto ainda divide opiniões quando o tema é o que pode ou não ser entendido como efeito colateral. O que gostaria aqui, mais do que avaliar riscos, é chamar a atenção para a carência de informações sobre o tema e para a falta da conscientização sobre a saúde mental.

Certamente discutir o bullying se faz necessário, mas pensar em saúde mental como um aspecto vital de nossa saúde e da harmonia no convívio dentro das relações interpessoais é emergencial. Mais importante do que determinar quem são as vítimas e culpados, é se permitir olhar essa tragédia com sensibilidade.

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Foi discutido o porte de armas, a ineficiência da segurança na escola, a prática do bullying, as estruturas de personalidade e muitos outros assuntos. Foi falado e discutido se realmente era bullying ou não... mas afinal: seria possível colocar pessoas dentro de padrões tão específicos como se fosse possível determinar riscos e perigos com tamanha precisão?

Infelizmente, identificar o culpado e estipular uma pena, embora necessário, não apaga da memória daqueles alunos os minutos de terror, não traz à vida novamente os jovens que tiveram a sua interrompida, não ocupa as carteiras que ficarão vazias até o início do próximo ano letivo, tampouco conforta o coração dos familiares que compartilham de tanta dor.

Será que este não é o momento ideal para refletirmos não sobre investir todos os nossos recursos na construção de mecanismos que possam blindar a vida de alguém, mas sim de contribuir no desenvolvimento de alguém a ponto dele não buscar a violência como um meio possível de extravasar algo?

Afinal, de quem é a culpa?

Antes de mais nada, é essencial respeitarmos o fato de que, se tratando ou não de atos criminosos, para avaliar um comportamento é necessário considerar uma série de fatores, o que impossibilita atribuir a culpa ou razão dessa manifestação a um fato isolado.

Quando buscamos o entendimento da construção da personalidade, pensamentos, comportamentos, atos e falas, devemos considerar que tudo, por menor que seja, implica a combinação de muitos fatores, e abre a possibilidade para inúmeros resultados, entre eles, uma tragédia como a de Goiânia.

Ao falarmos de alguém estamos falando de um universo totalmente individual e subjetivo. Sua construção ocorre a partir de sua percepção, componentes genéticos, fatores físicos, fatores psíquicos, núcleo familiar, nível cultural e meio social em que está inserido. Uma infinidade de experiências compõe a subjetividade única de cada um. Por isso, quando falamos de alguém, estamos falando de imprecisão, não existindo equações precisas que determinariam como resultado o ato voluntário de resolver conflitos tirando a vida de seus colegas.

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Falar em prevenção significa elaborar uma lista de pontos que exigem atenção para se tornarem favoráveis ao longo do desenvolvimento e formação da personalidade de crianças e adolescentes.

Cuidados contínuos

Quando se fala em saúde mental, é cultural "empurrar com a barriga". A busca por apoio profissional costuma estar restrita a casos urgentes. Porém, os cuidados contínuos com o corpo e a mente são os fatores que podem marcar a diferença nas etapas de desenvolvimento de crianças e adolescentes, para não dizer em todos os estágios da vida.

Da mesma maneira que você ensina seu filho a importância de não esperar a véspera de uma prova para estudar, também deve transmitir, como pais, responsáveis e orientadores, informações que permitam a ele compreender que com os cuidados com sua saúde, física e mental, devem receber atenção continuamente.

A partir do momento que esse valor é incorporado à sua rotina, na presença de um desconforto, por menor que ele seja, haverá uma reação.

Respeito

É comum que pais e profissionais da educação, diante de uma situação de falta de limites ou desrespeito por parte da criança ou adolescente, se permitam não fazer intervenções, usando como justificativa a possibilidade de o comportamento ser passageiro. O pensamento deve ser justamente o oposto:

Pelo fato de o comportamento vir de alguém que se encontra em uma etapa de desenvolvimento e necessita de intervenção para compreender os valores de "certo e errado", é importante ser incansável diante de uma situação de desrespeito com o outro. Os erros devem ser pontuados quantas vezes forem necessárias, promovendo a reflexão sobre as causas do comportamento, o que possibilita a correção.

Tolerar dificuldades e repetições de comportamentos indesejáveis é algo que está previsto no processo de aprendizagem. Porém, a repetição e idade não podem ser justificativas para uma não compreensão de valores.

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Orientação escolar

A escola exerce um papel de extensão na educação de crianças e adolescentes. Pode ser considerada um suporte e, até mesmo, o núcleo provedor de muitas orientações culturais e sociais. Cabe à escola adotar instrumentos e recursos que possibilitem a discussão e adesão de valores comuns, favorecendo que os alunos se sintam amparados para comunicar qualquer desconforto.

Porém, vale ressaltar que a escola complementa a educação, mas não substitui o papel dos pais e familiares na educação ao longo de seu desenvolvimento. Valores éticos devem ser transmitidos dentro do núcleo familiar, para, então, continuar com o aprendizado na escola.

Meios de ajuda

Principalmente no caso de adolescentes, em grande parte das vezes o desejo por ajuda profissional esbarra no temor de serem julgados pelos pais ou na crença de que pedir ajuda é sinônimo de não atender as expectativas da família. Isso é paralisante.

Da mesma maneira que você ensina a uma criança o número da polícia para recorrer em situações de perigo ou emergência, ao estabelecer e reconhecer uma rede de apoio, as chances de o adolescente optar por tal recurso aumentam consideravelmente. Trilhando esse caminho será possível entender que, ao "procurar um adulto" ou "comunicar o professor" para resolver um problema, o fato de não ter uma solução imediatamente, não possui relação com sua eficiência, mas sim com o fato de o outro não estar preparado para lidar com determinada questão.

Essa noção fortalece a autoestima e previne sobrecargas emocionais que podem evoluir para quadros de depressão, ansiedade, impulsividade, entre outros.

Psicoterapia

Além da possibilidade da psicoterapia ser considerada uma possibilidade acessível na resolução de conflitos, o processo é indicado nesta etapa do desenvolvimento por envolver uma série de mudanças físicas, psíquicas e sociais, auxiliando nesta transição e construção de personalidade.

Linguagem não verbal

É recorrente que pais e professores contentarem-se com a resposta de que está "tudo bem" quando o adolescente é questionado. Independente da faixa etária, pedimos ajuda e expressamos emoções de diversas maneiras, não apenas através de fala. É importante confiar na sua percepção.

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Não menospreze a comunicação não verbal. Questione ao perceber tristeza, isolamento social, fixação por determinadas séries ou jogos, produção de desenhos ou poemas que expressam conflitos, dificuldades de concentração, notas baixas, falta de entusiasmo para ir à escola ou a outros lugares que antes o entusiasmavam. Trate com seriedade as questões que um adolescente pode exibir ou manifesta.

Informação

Da mesma maneira que se deve ensinar a uma criança ou adolescente questões de ética e cidadania, valores sobre tipos de violência, causas e efeitos, devem igualmente ser transmitidos. Ter informação é o que permite a identificação.

Ídolos

Entender figuras idolatradas pelos adolescentes, sejam cantores, atores ou personagens históricos pode auxiliar na compreensão de conflitos.

Zelo

Um adolescente está sujeito a tomar decisões desastrosas. Porém, é importante zelar por sua segurança e bem-estar, não deixando acessível dentro de sua casa álcool, drogas, material pornográfico e, principalmente, armas.

Não banalize emoções desconsiderando riscos

É possível evitar que uma criança e adolescente vivenciem sofrimento ao olhar a queixa que aquele jovem traz a partir da perspectiva dele e não da sua. A empatia é uma habilidade chave para comunicação com outras pessoas.

Não banalize emoções ou queixas dizendo ser coisas que não justificam tantas lágrimas. Respeite o fato de estar diante de alguém que, se pensasse da mesma forma que você, não estaria carregando aquelas dúvidas ou sentimentos. A empatia, além de fortalecer o vínculo de confiança estabelecido com aquela criança ou adolescente, permite identificar os riscos reais, e responder com as medidas necessárias para para evitar um mal maior.

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O outro lado da moeda

Principalmente se a pessoa está na posição de um pai, é mais comum enxergar o adolescente na posição de vítima, que na de agressor. Reconhecer que o filho é culpado, e não é uma vítima, abre espaço para questionamentos sobre seu próprio desempenho como educador.

Não deixe de refletir: para criá-lo você aceitou a ajuda de diversos profissionais, por que não aceitar a ajuda de um psicólogo, se necessário? Por que para os cuidados com a saúde mental e emocional, você acredita ter habilidades suficientes para a resolução de conflitos?

Repense e conte com todo o apoio necessário para a prevenção do desrespeito. Contribua com a construção da personalidade de alguém que não considera a violência uma opção.

Fotos: por MundoPsicologos.com

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Escrito por

Maitê Hammoud

Psicóloga clínica com curso de aperfeiçoamento em psicanálise, é especialista no atendimento de adolescentes, adultos e terceira idade. Seguindo a abordagem psicanalítica e da terapia breve, atua com foco em transtornos emocionais e comportamentais, relacionamentos interpessoais e questões familiares.

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