Anestesiando sentimentos: uma reflexão sobre a medicalização da vida

Muitos chegam ao consultório desejando anestesiar emoções. Desconfortáveis com o que sentem, querem a qualquer custo esquecer. Mas isso não é saudável e esse texto diz o porquê.

15 JUN 2018 · Leitura: min.
Anestesiando sentimentos: uma reflexão sobre a medicalização da vida

Recebi, tempos atrás, um jovem no consultório que acreditava estar depressivo. O quadro, de acordo com o relato, era o seguinte "não consigo parar de pensar, não consigo fugir deles, fico deprimido, ansioso, não sei o que fazer. Minha mãe disse que eu deveria vir no psicólogo.".

Se atentasse apenas ao que ele dizia, poderia acreditar em seu diagnóstico. Mas qualquer CID (código internacional de doenças) identificado pelo doutor google tem que ser revisto. Questionei algumas coisas e ele se abriu. Havia conhecido uma jovem recentemente e, pela primeira vez na vida, na casa dos vinte, estava apaixonado.

Quando liguei os pontos e esclareci "o problema", ele me fez uma pergunta que me surpreendeu: "mas eu não posso tomar nada para me sentir melhor?"

Ele estava triste, isso era uma fato. No entanto, a tristeza dele tinha uma razão lógica – estava apaixonado e não era correspondido – e, apesar de ser uma sensação ruim, não estava causando prejuízo significativo e não era duradoura a ponto de ser tratada. Ou seja, era normal para aquela situação, o esperado.

Assim como esse jovem, muitos chegam ao consultório desejando anestesiar emoções. Ficam desconfortáveis com o que sentem e querem a qualquer custo esquecer. Os que não procuram profissionais, podem fazer uso de outras estratégias, como álcool, drogas, comida.

Em uma sociedade em que existe a necessidade de mostrar-se feliz e alegre, momentos de tristeza são considerados doentis. Não se pode sentir tristeza, não se pode chorar. Qualquer sensação que aluda a algo "negativo" precisa ser apagado, esquecido, tratado. O desconforto não é permitido

Uma das consequências desse tipo de ideia é a medicalização de comportamentos que não são doenças, são apenas indesejados. Existe a norma do desejável, que é a meta da felicidade intensa e constante, e a ruim, que são as tristezas, as ansiedades, as variações. Os que estão fora da norma, precisam voltar a ela. Isso por si só já é problemático!

Não pretendo aqui fazer um manifesto contra o tratamento medicamentoso. Ele é necessário em vários casos e precisa ser avaliado por um profissional capacitado. A questão é que nem tudo precisa ser tratado, apenas compreendido. Vou exemplificar: nem toda criança agitada é hiperativa, nem toda pessoa com desinteresse na escola tem deficit de atenção, nem toda tristeza é depressão. Alguns são, outros não.

Não existe linearidade em um ser humano. A vida é instável e a variação é saudável. Permitir-se sentir é essencial. Procure um profissional se percebe que algo o incomoda. Se precisar de tratamento, isso será indicado. Se não, será vivido.

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Escrito por

Liediani Souza

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