Adoção Tardia: o Segundo abandono

A adoção tardia caracteriza-se pela adoção de crianças com idade superior a 2 anos. Tema pouco pesquisado e debatido, o qual ainda gera muitos preconceitos e mitos.

22 SET 2016 · Leitura: min.
Adoção Tardia: o Segundo abandono

Considera-se adoção tardia quando a criança a ser adotada tiver mais de 2 anos de idade (Vargas, 1998; Weber, 2001). Segundo Vargas (1998), há três possibilidades para se considerar uma criança em estado de adoção tardia.

A primeira refere-se ao abandono tardio das crianças por seus genitores, que, por circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas; a segunda refere-se à retirada pelo poder judiciário dos pais, que os julgou incapaz de mantê-las em seu pátrio poder; e a terceira diz respeito as crianças esquecidas pelo Estado desde muito pequenas em lares (VARGAS, 1998).

O processo de adaptação criança-família na adoção tardia se dá em três estágios (GIL, 1991). O primeiro refere-se à fase em que a criança ou adolescente esforça-se para agradar seus pais, é um período de intensa ansiedade, porém de curta duração. A passagem para o segundo estágio é rápida e ocorre quando a criança começa a sentir angústia, devido às outras rejeições vivenciadas e ao medo de passar por mais uma rejeição.

Este estágio é de longa duração, pode ser considerado ameaçador e estressante tanto para os pais quanto para os filhos, pois é nesta fase que a criança testa sua nova família, a fim de evitar possíveis sofrimentos e passe a perceber o quanto é amada e valorizada. É nesta fase ainda que a criança apresenta dificuldades para aceitar demonstrações de afetos e desconfia das intenções dos pais adotivos, ou seja, ela prefere abandonar do que ser abandonada. E a última fase é o estágio da integração, este estágio pode ser intercalado por comportamentos regressivos ou progressivos.

O mecanismo de regressão refere-se a vivencia da maternagem que faltou a criança. É marcada pela elaboração de lutos e perdas afetivas vivenciadas anteriormente, isto é, a criança tem necessidade de repetidas vezes, experimentar o acolhimento dos pais adotivos. Para que esta etapa de luto seja finalizada é preciso que a criança vivencie e elabore suas perdas, para assim estar pronta e receptiva para novas relações afetivas (GIL, 1991).

Por meio de estudos sobre adoção tardia Vargas (1998) indica seis pontos similares nos processos de adaptação criança-família, sendo eles:

  • 1. Comportamento regressivo: ou seja, as crianças apresentam um comportamento típico de estágios anteriores do desenvolvimento e que não fariam, normalmente, parte do repertório de uma criança maior, e, o qual não era esperado pelos pais adotivos. Por exemplo, pedir para chupar chupeta ou tomar mamadeira, fazer xixi na cama, pedir para dormir na cama dos pais, pedir colo, começar a falar com expressão de crianças mais novas, ect.;
  • 2. Agressividade: que aparecia em algum momento do processo, geralmente, logo depois da primeira fase, de encantamento mútuo;
  • 3. Ritmo de desenvolvimento global da criança: é bastante acelerado se comparado aos padrões considerados normais;
  • 4. Esforço da criança para se identificar com as novas figuras parentais: evidenciando de forma significativa na imitação do padrão de comportamento familiar e buscando o estabelecimento de laços significativos;
  • 5. Enfrentamento do preconceito social: a maioria dos pais relatou situações em que se depararam com o preconceito em relação à pratica da adoção e, mais especificamente, pelo fato de a criança adotada ser "já tão grande";
  • 6. Necessidade de preparação e acompanhamento especifico no processo: a maioria dos pais referiam como necessária a preparação para a adoção, bem como a orientação e acompanhamento específicos durante o estágio de convivência. (WEBER, 2001, p.77).

Há também alguns sintomas possíveis nas crianças adotadas tardiamente. No período escolar podem apresentar "curta capacidade de concentração, dificuldade em seguir regra, baixo limiar de frustrações ao perder um jogo, problemas de aprendizagem, dificuldade na atenção, forte poder de dominação, agressividade com outras crianças e habilidade para culpabilizar os pais" (GIL, 1991, p. 30).

O comportamento agressivo com crianças da mesma idade pode ocorrer, assim como outras maneiras de vinculação são aprendidas com o passar do tempo. A criança com frequência enfatiza uma ligação física com um dos pais adotivos, excluindo o outro na relação. No intuito de receber atenção, crianças podem exercer um papel sedutor perante os pais, isto é, manipular com facilidade seus pais e, no entanto, recusar afetos espontâneos.

Costumam também chamar atenção de seus pais mentindo ou furtando, fato também observado em crianças não adotivas quando não se sentem acolhidas no seio familiar. Enurese, excessiva curiosidade para o sexo e masturbação são problemas que aparecem com frequência, pois é por meio desses sintomas que a criança testará as novas relações no intuito de analisar o quanto são duradouras, ou seja, são sintomas que fazem parte da integração da criança a nova família.

Estes comportamentos sintomáticos e conflituosos tendem a diminuir na medida em que a criança percebe que estes novos vínculos são diferentes dos vivenciados anteriormente (HUTZ, 2007; Paiva, 2005). Segundo Gil (1991, p. 31) o "tempo, atenção, paciência, persistência, coragem, respeito, amor e dedicação, formam o alicerce de uma adoção tardia, que privilegie os interesses da criança e do adolescente".

Na adoção tardia as crianças tem lembranças nítidas de seu passado doloroso e devido as dificuldades da família em entender os aspectos difíceis trazidos por uma vida de rejeição e falta de amor, passam a abafar e esconder o passado dessas crianças, como se nada tivesse acontecido e ao invés de permitir que essa criança ou adolescente expresse seus pensamentos e elabore seus sofrimentos e lutos, não permitem o aparecimento de sentimentos como hostilidade, agressividade, tristeza, raiva (Hutz, 2007).

Outro aspecto da adoção tardia que se diferencia da adoção de crianças menores é em relação ao período de adaptação e a constituição do vínculo estabelecido por meio do estágio de convivência (Paiva, 2005). Este período de convivência tem como propósito, além de permitir a adaptação da criança ao novo contexto familiar, possibilitar aos pais adotivos vivenciarem seus novos papéis parentais. Avalia-se também o desenvolvimento de laços afetivos entre o adotado e o adotante (Paiva, 2005).

Paiva (2005), afirma que são raros os casos de devoluções durante o estágio de convivência, no entanto é fato que ainda ocorrem. Esta autora assegura que o trabalho realizado durante o período de adaptação tem a finalidade de dar suporte e/ou respaldo a fim de ajudar pais adotivos a rever sentimentos, fantasias, dúvidas, dificuldades surgidas nas primeiras etapas de interação com a criança, e não avaliar competências e potencialidades dos adotantes para a adoção, pois estas análises devem ser verificadas antes da adoção propriamente dita.

Frassão (2000) cita a importância e necessidade de trabalhos pos-adoção, onde famílias são acompanhadas em sua dinâmica, buscando-se evitar um novo abandono. No Brasil, porém, esse trabalho é dificultado pelo pequeno número de profissionais comprometidos com esta tarefa, e o número pequeno de produções cientificas que discutam esse preparo (Frassão, 2000).

PUBLICIDADE

Escrito por

Leticia Mueller

Consulte nossos melhores especialistas em adolescência
Deixe seu comentário

PUBLICIDADE

últimos artigos sobre adolescência

PUBLICIDADE