Abuso sexual no esporte

Sabe-se que muitas vítimas se sentem acuadas e envergonhadas para tomarem uma atitude, e acabam sofrendo em silêncio. É algo preocupante, pois pode comprometer a vida de centenas de jovens.

5 MAI 2018 · Leitura: min.
Abuso sexual no esporte

No início do ano, uma campanha de ginastas dos EUA chamou a atenção do mundo todo, dando origem a uma série de denúncias que culminaram na condenação do ex médico da seleção americana de ginástica, Larry Nassar, por abuso sexual. Foram mais de 150 atletas que se manifestaram, incluindo campeãs olímpicas, caso que chocou o mundo.

Algo que parecia inconcebível, de repente se revela como parte da realidade do esporte brasileiro também. O ex técnico da seleção brasileira de ginástica, Fernando de Carvalho Lopes, foi afastado, já em 2016, da delegação para as olimpíadas do Rio de Janeiro, também acusado de abuso sexual, como medida cautelar até que o caso fosse apurado. Desde então Fernando permanece em um cargo administrativo enquanto o caso segue em investigação. A notícia chocante veio à tona no último domingo (29), no programa Fantástico, que em 4 meses de apurações recebeu a denúncia de mais de 40 atletas.

Casos graves que vieram a público, porém quantos outros devem acontecer sem que ninguém fique sabendo? Sabe-se que muitas vítimas se sentem acuadas e envergonhadas para tomarem alguma atitude, e acabam sofrendo em silêncio. É algo extremamente preocupante, pois pode comprometer a vida de dezenas ou centenas de jovens.

No contexto da formação de atletas, onde Fernando atuou por muitos anos, a figura dos treinadores assume um papel de grande importância no que diz respeito ao desenvolvimento dos jovens. Por passarem muitas horas na companhia deles, os treinadores se tornam uma referência - semelhante ao papel de pais - nos quais os atletas depositam sua confiança. Em alguns casos, como nesses citados, o profissional pode se aproveitar dessa posição de referência e confiança para agir de má fé, como se aquelas atitudes fossem normais e fizessem parte do trabalho.

Como mencionado na postagem sobre formação de atletas, a postura de treinadores e responsáveis tem consequências diretas no rendimento e no desenvolvimento dos jovens, e é preciso que eles tenham consciência disso. Tais experiências vivenciadas pelos atletas podem afetar de maneira definitiva suas vidas, em diferentes aspectos, desde prejudicar o rendimento até impactar no desenvolvimento deles como indivíduos. Talvez possíveis talentos do esporte, futuros campeões, acabem tendo suas trajetórias interrompidas. O jovem pode desenvolver uma repulsa pela modalidade ou pelo esporte como um todo, como relatado na matéria apresentada, bem como ter sua confiança afetada, sofrer prejuízos nas suas relações interpessoais e, em casos mais graves, até gerar quadros de depressão, fobias sociais, entre outras psicopatologias.

O que também chama a atenção no caso apresentado pelo Fantástico, foi o depoimento de uma das vítimas que disse ter informado a psicóloga sobre os abusos, porém sem resultado, dando a impressão que ela acobertava os fatos. Nas palavras do ex atleta "ela sempre livrava ele do que ele fazia". Segundo resposta à investigação, ela afirmou não ter recebido nenhuma queixa nesse sentido. É possível também que essa omissão se deva ao medo de perder o emprego ou a credibilidade, ou talvez de confrontar o treinador ou membro da comissão técnica acusado. Uma das atribuições da Psicologia do Esporte é justamente identificar e trabalhar as inadequações na prática esportiva, sejam elas na postura de treinadores, de pais, de atletas, ou na relação entre as partes, no intuito de melhorar o desempenho e tornar o esporte saudável e benéfico. Desconsiderar uma denúncia de tamanha gravidade representa um desrespeito à ética profissional. Deve-se sempre levar em conta as queixas e relatos, averiguar a veracidade dos fatos de maneira imparcial, e tomar as atitudes cabíveis prestando todo o suporte necessário às vítimas, a fim de preservar sua integridade física e psicológica.

Evitar que casos como esses se repitam é um trabalho complexo, que envolve o suporte e orientação aos membros de comissões técnicas, um cuidado e atenção com todos os manejos e relações presentes e, principalmente, espaço de fala e acolhimento a atletas. O tema é delicado, e deve ser tratado como tal. É preciso que os atletas tenham um ambiente acolhedor, com relações saudáveis e boa comunicação, sem julgamentos, para que possam se expressar e tenham suas queixas levadas em conta. Cabe ao psicólogo desenvolver esse tipo de ambiente, ou proporcionar esse suporte ao atleta necessitado.

E por fim, quem também é fundamental nesse processo, são os pais e responsáveis de jovens atletas, e essa dica é para eles. É preciso ficar atento a sinais que indiquem que algo está errado, por exemplo ansiedade, medo ou resistência de ir aos treinos, medo ou emoções semelhantes para com os treinadores, distúrbios alimentares, enfim; lembrando que estes são apenas indícios, e não provas concretas e conclusivas. Nesses casos deve-se olhar com mais atenção, investigar as reais causas e, se preciso, solicitar auxílio de um profissional capacitado.

Devemos estar atentos e trabalhar em conjunto para coibir esse tipo de práticas, evitando assim que sonhos sejam interrompidos, e que centenas de jovens sofram as consequências dessas atitudes.


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Escrito por

Alexandre Herbst - Psicologia do Esporte

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