Você quer o que deseja?

Como os impasses da vida cotidiana, as nossas condições de existência, afetam nossa busca desejante. E como a psicologia e psicanálise podem ajudar.

22 JUL 2015 · Leitura: min.
Você quer o que deseja?

O homem só se reconheceu como tal, quando constatou que, para viver, tinha o árduo encargo de pensar. Dada a máxima do cogitocartesiano "Penso. Logo, existo". Desde então o homem não pára de se fazer perguntas. E são essas perguntas, repetidas em suas diferentes formas pela história da humanidade, que nos trazem aos dias de hoje.

Depressão, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar, transtorno de personalidade dissociativa, transtorno de personalidade antissocial, entre todas as outras formas que encontramos de nos rotular e calar as incessantes perguntas: Quem realmente somos? O que queremos?

A vida se torna insuportável quando estas questões batem à porta, pois sofrer deste mal é o que faz de nós demasiadamente humanos. Tudo que existe na natureza não padece desse fardo, que é ser livre. Veja seu jardim, ou sua planta que tenta preencher algum (in)cômodo do que é seu.

Veja a flor. A flor não tem escolhas. A natureza a fez flor, e a mesma está condenada a germinar, crescer, se reproduzir, fazer fotossíntese e morrer. Uma flor não escolhe entre ficar em casa ou sair com os amigos, entre fazer Engenharia ou fazer Gastronomia. Tudo aquilo que a flor é e que virá a ser, está em seu código genético e obedece a esse script instintual que a natureza lhe reservou.

Seu cachorro é assim, seu gato é assim. Apenas você, eu, nós, seres humanos, estamos condenados a ser livres, como diria o filósofo Jean-Paul Sartre (1905 – 1980 d.C.)

Eis nossa indelével marca crucial. A angústia. É nesse momento em que você chega em casa do trabalho, e inveja seu cachorro, inveja seu gato. É nesse momento em que você, ao entrar em casa, se depara com o in-cômodo da vida. Fazer escolhas.

Para fazer escolhas é preciso atribuir valor, para atribuir valor é preciso referências e assim vai. Assim, a angústia vai nos movendo a mais e mais questões. E aquilo que tentamos calar é justamente o que nos move. E vejam que infortúnio, talvez seja, nossa única fonte de criação, segundo o psicanalista Jacques Lacan (1901 – 1981 d.C.)

Querer sempre mais

Pois bem, eis que estamos sempre a protelar o nosso desejo, a escutar nossa angústia. Vivemos querendo e morremos, muitas vezes, sem desejar. "Se eu tivesse aquela casa, eu seria mais feliz". "Se eu tivesse aquele carro, eu estaria bem".

Sempre o melhor carro, a melhor casa, é aquela que ainda vamos ter. E aí o tempo passa e você compra aquela casa, você compra aquele carro, e você não se completou. E é neste momento, em que ficamos órfãos de nossas próprias queixas, que a angústia mais nos toca. "Com o que me desculparei agora? Eu já tenho o carro. Eu já tenho a casa".

É nessa hora que um bom psicólogo pode interceder. Para oferecer aquilo que, talvez, haja de mais caro nesse mundo frenético do time is money que vivemos: a escuta.

O psicólogo é (ou ao menos deveria ser) aquele que, diferentemente da maioria das pessoas no seu cotidiano, quando você diz o sintoma: "Eu estou com uma dor de cabeça...", ele não te diga "Eu também". Pois ele sabe que sua dor de cabeça só você sabe como é, e não te rouba o direito de sentí-la.

E é aí, onde a aspirina é paliativa, onde aquele livro dos gurus da auto-ajuda como "Os 7 passos pra felicidade", que você comprou (já desatualizado, pois agora lançaram "Os 8 passos para a felicidade"). É aí que você tem a percepção de que o caminho é você quem deverá achar por si só, e fazendo suas próprias escolhas.

Em psicanálise, dizemos que uma pessoa não procura análise pra acabar com o seu sintoma, mas sim porque ele parou de funcionar. Ele já não dá conta da angústia. Ele precisa falar. Ora, se estamos condenados a ser livres, uma boa escuta do psicólogo não quebrará estas amarras, mas talvez nos ajude a encontrar uma maneira menos dolorosa de viver com elas.

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Escrito por

Rafael Roso Bueno

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