​Psico e TV: o que podemos aprender com a série "13 Reasons Why"?

Uma adolescente se suicida e decide explicar, em 13 fitas, o que a levou a tal desenlace. Esse é o fio condutor da série 13 Reasons Why, mas veja aqui o que devemos aprender dela (spoilers).

10 ABR 2017 · Leitura: min.
​Psico e TV: o que podemos aprender com a série "13 Reasons Why"?

"E se o único jeito de não se sentir mal for parar de sentir qualquer coisa para sempre?" Este foi o pensamento compartilhado anonimamente por Hannah em sua aula sobre convívio social e comunicação.

Alguns alunos ficaram calados, outros falaram que se tratava de uma brincadeira, que tais pensamentos eram meras tentativas de chamar a atenção; e apenas uma aluna sinalizou que esse poderia ser um pedido de ajuda.

A série produzida pelo Netflix foi inspirada no livro "13 Reasons Why", no qual a personagem principal, Hannah, grava 13 fitas cassetes explicando as razões que a levaram a cometer suicídio. Nelas, são reveladas situações traumáticas que viveu e que, infelizmente, estão presentes na vida da maioria dos jovens adolescentes.

Por dentro dos personagens

A série não aborda apenas a escolha trágica de uma jovem, mas fala dos impactos devastadores que a morte voluntária pode causar naqueles que estão ligados ao suicida, como amigos, colegas e família. A história gira em torno da personagem principal, Hannah, que indica, de diferentes maneiras, sinais de seu humor deprimido:

  • queda nas notas da escola,
  • sentimento de inadequação,
  • dificuldade em fazer amizades e de sentir-se solitária na nova escola.

O fato é que a escolha pelo suicídio poderia ter sido feita por qualquer um daqueles jovens, os quais sofrem intensamente com diferentes problemas e conflitos.

Justin

Vive em um ambiente hostil, um cenário de violência doméstica no qual se sente frequentemente ameaçado pelo padrasto traficante. Sente-se vulnerável com a postura passiva da mãe, que é dependente de álcool.

Courtney

Vive conflitos sobre sua identidade sexual. Mesmo sendo filha adotiva de um casal homoafetivo, sente-se preocupada com o sigilo e demonstra desconforto sobre sua orientação sexual.

Jessica

Sinais de baixa autoestima, tendo dificuldades em fazer amizades. Sente-se imensamente magoada por achar que seu namorado, Alex, cobiçava sua melhor amiga.

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Uma etapa crítica

Adolescentes, além de serem guiados por suas emoções, são ainda mais vulneráveis por estarem construindo sua identidade, fazendo com que as emoções sejam sentidas de maneira muito mais intensa. A combinação do turbilhão de emoções com o fato de serem imediatistas e terem dificuldade a pensarem a longo prazo faz com que os conflitos sejam sentidos de maneira intensa e ameaçadora.

É fundamental a compreensão da proporção de suas emoções para que não sejam banalizados pedidos de ajuda. É muito importante evitar criar a ideia de que conflitos são sinônimos de fases, crises passageiras ou, simplesmente, um sintoma da "aborrescência". A reprovação, o abuso, o bullying e sentimentos de inadequação ou solidão podem ser devastadores.

Bullying virtual

Um dos grandes focos da série é abordar a questão do bullying. Para maioria dos adolescentes, viver está intimamente ligado à permanência na escola e em manter sua vida social virtual ativa nos horários livres, checando e atualizando suas inúmeras redes sociais.

Em situações de bullying, além das vivências presenciais experimentadas no cotidiano, as agressões se prolongam ao longo do dia, apoderando-se das redes sociais que, nesse contexto, atuam como uma extensão da vida real. Tudo isso amplia a proporção do sentimento de humilhação e a exposição. Fotos, frases, comentários ou campanhas podem ser tão violentos como as agressões físicas.

Na série, a questão se manifesta, principalmente, na vida de Hannah e Tyler, que têm fotos íntimas divulgadas na Internet.

Abuso de substâncias

Tantas emoções podem induzir ao uso de álcool e drogas como uma tentativa de aliviá-las. O uso é feito por diversos personagens da série, mas uma personagem chama especificamente a atenção para o assunto: Jessica.

Após ser revelado a ela, em uma das fitas, que foi abusada sexualmente enquanto estava inconsciente e sentindo-se culpada pelo suicídio da amiga, Jéssica recorre ao alcoolismo. Ela esconde garrafas de bebidas em seu quarto, recorrendo a elas pelas manhãs, antes de adormecer e, até mesmo, durante as aulas (colocando secretamente as bebidas alcoólicas em seu squeeze).

A impulsividade e o uso recorrente podem ser o gatilho para que vícios que se perpetuam na vida adulta sejam adquiridos, causando inúmeros prejuízos.

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Parassuicído e suicídio

A maioria das pessoas pensa no suicídio como o ato fatal de acabar com a própria vida, geralmente ligado à imagem de cortes profundos ou enforcamentos, por exemplo. Uma questão muito sensível abordada pela série é a vivida pelo personagem Alex: o parassuicídio e o aumento da chance de alguém exposto ao suicídio vir a se suicidar.

O parassuicídio refere-se a atitudes sociais e comportamentos nas quais há risco de morte. Faz com que a pessoa que tem o desejo de acabar com a própria vida, mas não possui um ideal de suicídio ou que esteja consciente sobre o assunto, se coloque em situações perigosas que possam expô-la ao risco de morte.

Alex, sentindo-se culpado pelo suicídio da amiga e sendo uma das razões que a levou ao ato, em uma das cenas dirige perigosamente em uma estrada sem o cinto de segurança e com os faróis apagados. Mesmo os amigos pedindo para que diminua a velocidade, Alex continua acelerando, chegando a 140 km/h, sem medir riscos ou consequências.

O pai, policial, faz com que o filho encoste o carro, chamando a atenção para velocidade e para a questão do cinto de segurança. O que é entendido por muitos apenas como uma rebeldia de adolescentes, pode representar uma questão muito mais profunda. Em casos assim, o que há é um desejo de acabar com sofrimentos muito intensos; a pessoa acredita não conseguir mais lidar com eles, a não ser através da morte.

Alex, ao final da série, tenta cometer suicídio dando um tiro em sua cabeça. Além de colocar-se em situações de risco, o personagem vai demonstrando ao longo da trama sentimento de culpa, agressividade e humor deprimido. Estatísticas demonstram que pessoas expostas ao suicídio estão mais propensas e vulneráveis a tentar suicídio, exatamente pelo sentimento de culpa que o trauma acarreta.

Automutilação

Uma personagem que, embora não tenha tanta visibilidade ao longo dos 13 capítulos, chama a atenção para outra questão de extrema importância é Skye. Em uma das cenas deixa visível cortes feitos intencionalmente em seu pulso, argumentando com seu colega Cley que aquela era a maneira certa de lidar com os conflitos.

Estupro

A violência sexual vivida pelas personagens Hannah e Jessica demonstram os impactos devastadores que o ato pode causar na estrutura emocional da pessoa.

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Despreparo

Infelizmente, até mesmo profissionais também sofrem com o despreparo. Na série, o conselheiro da escola, Sr. Potter, é visto como a última tentativa de Hannah para dar uma chance à própria vida. Ao longo da conversa, ele não dá o devido valor a inúmeros sinais da gravidade do que está acontecendo.

É importante lembrar sempre que os sinais podem ser manifestados em poucas palavras, e até mesmo nos silêncios.

O que podemos aprender com a série?

Além de quebrar barreiras abordando um tema polêmico, as sensíveis histórias vividas por esse grupo de adolescentes estimulam não só a reflexão, como o sentimento de empatia dos expectadores, sejam eles pais ou filhos.

Trata-se de um alerta sobre pedidos de ajuda, a importância e necessidade de proporcionar uma rede de apoio na qual o adolescente sinta-se acolhido e confortável para falar de seus conflitos, encontrando o amparo que possibilita buscar perspectivas, tanto para a resolução de seus conflitos, como também para que seja possível construir recursos para lidar com a sua dor.

Quando a rede é efetiva, a morte deixa de ser uma atraente rota de fuga ou o único meio de acabar com seu sofrimento. Dados fornecidos pela OMS indicam que o suicídio afeta mais jovens do que o HIV, sendo a segunda causa mais frequente de mortes entre jovens de 15 a 29 anos.

A pergunta que fica é: como um ato voluntário pode matar mais pessoas do que uma doença incurável? A série enriquece profundamente a discussão sobre esse aspecto, chamando a atenção para um problema de saúde pública, que ainda não dispõe de campanhas informativas de prevenção suficientes para cobrir a demanda.

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Triste estatística

O autor do livro, Jay Asher, tratou de, com sua obra, conscientizar as pessoas sobre a gravidade do tema. Uma ideia inovadora, pois infelizmente a sociedade encontra-se carente de informações. Como consequência, muitas pessoas recorrem ao suicídio como única solução possível para acabar com seu sofrimento. Sendo mais precisos, uma morte a cada 40 segundos, conforme dados fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Culturalmente, o suicídio sempre foi tratado como um tabu, envolvendo diversos mitos, como o de "quem quer se matar faz, não fala". Não ter a devida informação é o que faz com que muitos desconsiderem os sinais de inúmeros pedidos de ajuda, perdendo-se a oportunidade de oferecer apoio e, até mesmo, impedir que o ato seja cometido.

Faltam campanhas também. O assunto deixou de ser abordado na mídia pelo estigma de que falar sobre o tema poderia influenciar o suicídio e o que vamos percebendo é o inverso: em apenas 10 dias, a série ganhou milhões de expectadores e seguidores em todo o mundo, culminando na campanha #naosejaumporque, um claro indício de identificação por parte de adolescentes (e adultos) com o tema e os conflitos dos personagens.

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Não se trata apenas de uma fase, não são bobagens da adolescência, não são os hormônios, não finja que não viu! Nove de cada dez suicídios podem ser evitados - esteja disponível para conversar com seu filho ou seu aluno sobre o que pode estar acontecendo.

Sua iniciativa pode ser o diferencial para que ele escolha viver. E, nesse sentido, o apoio profissional do psicólogo é fundamental para a prevenção.

Fotos: por divulgação

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Escrito por

Maitê Hammoud

Psicóloga clínica com curso de aperfeiçoamento em psicanálise, é especialista no atendimento de adolescentes, adultos e terceira idade. Seguindo a abordagem psicanalítica e da terapia breve, atua com foco em transtornos emocionais e comportamentais, relacionamentos interpessoais e questões familiares.

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